Revista Solidariedade Latino-Americana – fevereiro de 2021.
O discurso do secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Jens Stoltenberg, em saudação ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, no último dia 26 de fevereiro, revela uma perigosa obstinação das elites “globalistas” do Atlântico Norte com a preservação das estruturas hegemônicas centradas no poderio financeiro e político-militar do quadrilátero Washington-Nova York-Londres-Bruxelas, ao mesmo tempo, cegas quanto à natureza das verdadeiras ameaças globais e sobre as respostas mais eficientes a elas. Por exemplo, em vez de aceitar que o combate à pandemia de Covid-19 exige uma profunda mudança na forma de encarar a cooperação global, colocando-a como uma emergência mundial, juntamente com o combate à fome e às desigualdades, Stoltenberg e seus pares preferem ignorar essa realidade e aferram-se em combater qualquer possibilidade de estabelecimento de uma ordem cooperativa e não-hegemônica. É evidente que, para eles, a existência da OTAN depende da manutenção de cenários de conflitos reais ou fabricados.
Assim, a sua lista das ameaças enfrentadas pelo bloco não surpreende: “Para a OTAN, a tarefa principal durante essa pandemia tem sido assegurar que uma crise de saúde não se transforme em uma crise de segurança, porque as ameaças com que somos confrontados antes da pandemia (sic), elas ainda estão aí. As ações agressivas da Rússia, formas mais brutais de terrorismo, ataques cibernéticos sofisticados, a ascensão da China e as implicações de segurança das mudanças climáticas, de modo que nenhum país ou continente pode enfrentar sozinho esses desafios.”
A pauta ditada por Stoltenberg tem menos a ver com o mundo real do que com uma listagem adredemente elaborada com a função precípua de justificar a preservação de uma dispendiosa estrutura burocrática e político-militar, cuja principal missão, desde a implosão da União Soviética, na década de 1990, tem sido a de buscar novas justificativas para a sua preservação. Para ficarmos apenas nos tópicos citados, vejamos: As “ações agressivas” da Rússia pós-soviética, em especial, sob a presidência de Vladimir Putin, têm se limitado a reagir ao agressivo cerco imposto pela OTAN, inclusive, com a incorporação de ex-membros do Pacto de Varsóvia, em ostensiva violação dos acordos estabelecidos pelos presidentes Ronald Reagan e Mikhail Gorbatchov. Sem falar na instigação de “revoluções coloridas” em países da periferia russa, como a Ucrânia e a Geórgia, provocações na própria Rússia, com o financiamento e apoio político para o fomento de uma oposição a Putin (p.ex., Alexei Navalny), entre numerosas outras operações desestabilizadoras.
A recente imposição de novas sanções a altos funcionários russos, sob o pretexto do suposto envenenamento de Navalny, apenas reforça essa pauta “russofóbica”.
Não ficou claro ao que Stoltenberg se referiu como “formas mais brutais” de terrorismo. Mas “Princípio da Realidade” desafia os prestidigitadores hegemônicos a Aliança Atlântica tem em seu currículo a criação de uma das principais “fábricas” de extremistas, estabelecida na Líbia, após a operação militar que derrubou e assassinou o líder líbio Muamar Kadafi, em 2011. Dali saiu a maior parte dos jihadistas que, desde aquele ano, têm infernizado a Síria e provocado a fuga de milhões de refugiados do país, com repercussões diretas para a própria segurança dos países membros da OTAN. E não se pode esquecer a colaboração crucial de alguns deles para a criação da mais radical organização terrorista das últimas décadas, o Estado Islâmico.
Quanto aos “ataques cibernéticos sofisticados”, Stoltenberg está sendo modesto, pois as capacidades mais avançadas da categoria encontram-se nas principais potências da OTAN, além de aliados estratégicos como Israel, que, juntamente com os EUA, tem desfechado numerosos ataques cibernéticos contra o Irã, entre outros países considerados inimigos.
Por sua vez, a “ascensão da China” só pode ser vista como ameaça por quem não consegue superar o obsoleto paradigma supremacista, uma vez que a estratégia das elites dirigentes de Pequim não contempla nada remotamente parecido com o papel exercido pelos EUA no pós-guerra. Toda a sua agenda militar, por exemplo, é essencialmente defensiva e reativa, ao contrário da presença global de Washington, com mais de 800 bases militares em mais de 70 países e seus 12 grupos de batalha de porta-aviões que operam em todos os oceanos do mundo. Em vez disto, os chineses preferem investir seus recursos humanos e econômico-financeiros no desenvolvimento de tecnologias de ponta em uma grande variedade de áreas, que assegurem bons negócios com países cansados de conflitos e ávidos de progresso cooperativo e pacífico. Um exemplo é a grande capacidade de produção de insumos farmacêuticos, dos quais depende boa parte das vacinas em desenvolvimento contra a Covid-19.
Finalmente, quando fala em “mudanças climáticas”, Stoltenberg não se refere à dinâmica natural do clima da Terra, cujas oscilações e complexidade são bastante conhecidas da Ciência, apesar das distorções impostas nas últimas décadas, para privilegiar uma inexistente influência da humanidade no clima global, atribuída às emissões de carbono das atividades humanas, em especial, o uso de combustíveis fósseis, agricultura e usos da terra e outras.
Neste quesito, a pretendida agenda de “descarbonização” da matriz energética global e restrições a uma pletora de atividades econômicas não passa de pretexto para um aprofundamento da já extremada “financeirização” da economia mundial, embutida em propostas como a do famigerado “Grande Reset” do Fórum Econômico Mundial (ver Solidariedade Ibero-americana, janeiro de 2021).
No mundo real, o clima do planeta é condicionado por uma complexa interação de fatores astrofísicos, geofísicos, atmosféricos, oceânicos e outros, cuja dinâmica a Ciência pode vislumbrar a partir do estudo dos climas do passado histórico e geológico, cujas mudanças precedem em muito a Revolução Industrial dos últimos séculos. Para as décadas vindouras, em vez do aquecimento prognosticado pelos modelos climáticos calibrados para ressaltar o (pífio) papel do carbono, evidências apontam para um resfriamento originado por uma combinação de um ciclo fraco de atividade solar (Ciclo Solar 25) e um enfraquecimento do campo magnético terrestre. Como se sabe da História, períodos frios costumam ser muito mais problemáticos para a humanidade (e a própria biosfera do planeta) do que os quentes, a despeito do que pregam os alarmistas climáticos.
O receituário ambientalista costuma atribuir grande importância ao denominado Princípio da Precaução, segundo o qual uma atividade econômica qualquer não deveria ser implementada se não se puder avaliar corretamente os seus impactos no meio ambiente e os supostos riscos para as gerações posteriores. Como exemplifica de forma contundente o caso do Texas, descrito nesta edição, é de todo conveniente que a humanidade comece a reger-se por um “Princípio da Realidade” – e isto inclui os iludidos com a possibilidade de perpetuação de estruturas de poder anticivilizatórias.