O governo dos Estados Unidos, por meio do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), iniciou uma investigação sobre as práticas comerciais do Brasil. Um dos pontos de apuração é o sistema de pagamentos eletrônicos desenvolvido pelo governo brasileiro, conhecido como Pix. O documento de investigação cita “diversas práticas injustas” do Brasil para garantir vantagens ao Pix. A gestão de Trump sugere que a mera existência do Pix no Brasil constitui uma concorrência desleal para as empresas americanas de cartão de crédito e débito.
Especialistas e autoridades do governo brasileiro acreditam que a investigação sobre o Pix foi motivada por um intenso lobby de grandes bandeiras de cartão de crédito, como Mastercard e Visa. O Nobel de Economia Paul Krugman corrobora essa visão, argumentando que o setor financeiro dos EUA “tem poder demais e nunca permitiria que um sistema público competisse com seus produtos”. Ele menciona que qualquer tentativa de criar uma moeda digital de banco central nos EUA enfrentaria uma oposição feroz do setor financeiro.
Krugman aponta para uma oposição ideológica por parte dos republicanos à ideia de uma moeda digital de banco central dos EUA. Embora a oposição seja justificada por preocupações com privacidade e vigilância do governo, o economista sugere que o medo real é a “probabilidade de que muitas pessoas prefiram um CBDC a contas bancárias privadas”. Ele afirma que a direita norte-americana é “firmemente comprometida com a visão de que o governo é sempre o problema, nunca a solução”.
A investigação está ligada a um episódio de 2020, quando o Banco Central brasileiro barrou o lançamento do WhatsApp Pay, uma ferramenta de pagamentos da Meta. O fundador da Meta, Mark Zuckerberg, é um aliado de Donald Trump, e o USTR afirma em seu documento que o Brasil poderia estar retaliando ou restringindo a capacidade de empresas americanas de prestar serviços no país. O bloqueio do WhatsApp Pay, que durou meses, foi justificado por alegações de risco à concorrência e à estabilidade do sistema financeiro, criando um cenário de pouca concorrência para o Pix, que foi lançado no mesmo ano.
Artigo publicado no site Bonifácio (De onde vêm os superlucros dos bancos), em 2022, esclarece como os bancos e as grandes bandeiras de cartões de crédito faturam alto intermediando pagamentos entre consumidores e lojistas e porque veem com maus olhos um sistema de pagamento público como o PIX
Conforme se lê no artigo, “Quando um cliente paga uma compra com cartão, o vendedor recebe da operadora do cartão, que é a proprietária da maquininha ou do sistema TEF, o valor da compra, descontado a “taxa do cartão” ou MDR. Essa taxa do cartão ou MDR varia entre 1,4% e 2,5% no caso do pagamento com cartão de débito e entre 2,2% e 4,0%, no caso de pagamento com cartão de crédito. Essa taxa, por sua vez, é dividida em três componentes, que vão remunerar os três intervenientes no processo, ou seja, a empresa proprietária da maquininha, a dona bandeira e o banco”.
“A maior parte dessa “taxa do cartão” ou MDR corresponde à taxa de intercambio, que é o valor repassado ao banco ou outra instituição que emitiu o cartão utilizado na transação. O restante é dividido entre tarifa da bandeira e tarifa da adquirente/subadquirente. Desde 2010, a “taxa do cartão” paga pelos lojistas tanto nas operações de crédito quanto de débito estava em queda, como um dos reflexos da concorrência no mercado de cartões. No entanto, as tarifas de intercâmbio subiam. Assim, a tarifa de intercâmbio assumia uma proporção cada vez maior do MDR pago pelos lojistas. Em 2018, a tarifa de intercâmbio representava mais de 55% de toda a “taxa do cartão” e estava em trajetória ascendente. Em outubro de 2018, entrou em vigor a Circular BCB nº 3.887, limitando a tarifa de intercâmbio nas operações de débito a um valor máximo de 0,8% por compra, sendo que a média da tarifa cobrada no trimestre não pode ultrapassar 0,5%.”
“Mas de onde, afinal, vem o lucro exorbitante dos bancos nesse tipo de operação? Exatamente da cobrança das taxas. Vejamos. No caso do pagamento com cartão de débito, o comerciante recebe o valor da venda em um (D+1) ou dois dias (D+2) após a realização da venda. Mas uma taxa de cartão que varia entre 1,4% e 2,5% para um “financiamento” de um dia com cartão de débito significa dizer que a operação embute um juro implícito que vai de 2.428% a 38.350% ao ano, que será pago pelo consumidor, pois o comerciante, sempre que puder, vai acrescentar esse custo no preço do produto”.
“Em 2021, foram realizadas 30 bilhões de transações, totalizando R$ 2,6 trilhões de pagamentos feitos por meios de cartões, sendo que o cartão de débito representou cerca de 34% e o cartão de crédito 61% dessas transações em valor e 42% e 48% em número, respectivamente. Ou seja, mais de R$880 bilhões em transações de débito e R$1,6 trilhão em transações de crédito. Se considerarmos uma taxa de intermediação de 0,8% para as operações com cartões de débito, só os bancos faturaram R$ 7 bilhões, em 2021, em um tipo de operação com risco de crédito zero, pois o dinheiro sai da conta do cliente e é transferido no dia seguinte (D+1) ou em dois dias (D+2) para o vendedor. No mínimo, outros R$ 7 bilhões foram transferidos para as operadoras de cartão e as empresas de cartão de crédito”.
Na medida em que as pessoas passam a usar o Pix para fazer esses pagamentos, os bancos e grandes bandeiras de cartão de crédito deixam, portanto, de faturar uma fortuna por ano, dinheiro que tanto pode ajudar a reduzir o preço final do produto, quanto melhorar a margem de lucro do comerciante. Daí vem o oposição das grandes operadoras de cartão de crédito ao Pix e, consequentemente, a crítica de Trump.