Os primeiros seis meses de Joe Biden na presidência dos Estados Unidos

    Ao completar os primeiros seis meses à frente do governo dos Estados Unidos, o presidente Joe Biden tem muito o que comemorar, mas as ameaças que espreitam seu mandato e a economia americana nos próximos meses podem fazer seu governo descarrilhar, caso não tenha competência e sorte para lidar com elas.

    Comecemos com o que deu certo até agora. Como destaca Edward Luce, em artigo para o Financial Times, “dois terços dos americanos estão pelo menos parcialmente vacinados. A economia está desfrutando de sua recuperação mais rápida desde a década de 1980. E, como mostram as pesquisas, o mundo não vê mais a América com o pavor e a pena que sentiu durante os anos de Donald Trump. Este foi o melhor começo presidencial na vida da maioria dos americanos”.

    A aprovação pelo Congresso do pacote de US$ 1 trilhão em investimentos em infraestrutura com apoio de parte dos republicanos também é uma vitória importante de seu governo. Segundo informou o Wall Street Journal (02/08/2021) “um grupo bipartidário de senadores divulgou no domingo um texto legislativo para um pacote de infraestrutura de cerca de US$ 1 trilhão, que inclui cerca de US$ 550 bilhões acima dos gastos federais projetados em estradas, pontes, acesso expandido à banda larga e muito mais”. Ainda segundo o jornal, um grupo de 10 senadores, cinco democratas e cinco republicanos, trabalhou durante semanas para chegar a um acordo sobre os detalhes.  O projeto de infraestrutura foi aprovado por 69-30, com o voto de 19 republicanos, inclusive Mitch McConnell, o líder da minoria.

    Tudo isso não é pouco, mas também não garante que Biden consiga chegar às eleições de 2022 em condições de manter a maioria na Câmara e, principalmente, no Senado, onde democratas e republicanos detêm 50 cadeiras para cada lado. E caso os republicanos retomem o controle de uma das casas legislativas, o que é uma possibilidade real, sobretudo se considerarmos as mudanças que alguns estados controlados por eles estão introduzindo nas regras eleitorais para dificultar o voto de setores da população que garantiram vitórias estreitas dos democratas em 2020, seu governo pode se tornar o que no léxico político americano é chamado de “pato manco”, ou seja, um governo de mãos atadas.

    Depois de 20 anos no Afeganistão, as tropas norte-americanas deixam o país derrotadas pela guerrilha do Talibã.

    E quais são as principais ameaças que pairam, hoje, sobre o governo Biden? Em primeiro lugar, a dificuldade de fazer avançar sua agenda no Congresso. Como lembra o já mencionado Edward Luce, “A janela de Biden para pôr em prática sua agenda doméstica está se estreitando. É muito melhor ter 50 democratas no Senado do que 49. Mas pelo menos dois deles, Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona, são amigos interesseiros. Nenhum dos dois tem a intenção de revogar a regra de obstrução do Senado, que força Biden a buscar pelo menos 10 votos republicanos. Isso significa que a maioria de seus projetos de lei, como o fortalecimento do direito de voto, a anistia para imigrantes ilegais e a facilitação da organização sindical, quase não têm chance de aprovação. Mesmo um voto republicano seria um milagre”. Pesam ainda outros dois problemas com os quais o governo está tendo dificuldade de lidar: o aumento da taxa de assassinatos e a disparada da imigração ilegal.

    Afora as dificuldades políticas decorrente da sua estreita maioria democrata nas duas casas, há outros riscos que podem tirar o governo Biden dos trilhos: o primeiro e mais importante é a variante Delta do coronavírus causador da Covid-19. Embora grande parte da população já tenha sido vacinada, uma importante parcela resiste em tomar as vacinas. Em estados como o Mississipi e Alabama apenas 30% da população foi vacinada e convencer os demais a tomar a vacina tem se mostrado um grande desafio. Depois de revogar o uso de máscaras em ambientes públicos, o governo americano voltou a exigir o seu uso devido a um novo surto da doença provocado pela nova variante do vírus que tem acometido principalmente a parcela da população não vacinada. Como destaca a revista inglesa The Economist, “Dado que 44% dos americanos de todas as idades não tomaram uma única dose, os casos nos Estados Unidos provavelmente aumentarão rapidamente. Estados como Mississippi e Louisiana, onde cerca de três em cada cinco pessoas não foram vacinadas, correm o risco de serem atingidos por surtos súbitos e graves”.

    Um segundo risco importante é a inflação. Como destaca o Wall Street Journal, a inflação é hoje a principal ameaça à recuperação da economia americana. De maneira geral, o governo e os economistas considerados progressistas, como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, têm dito que se trata de um fenômeno passageiro decorrente principalmente de choques de oferta. Faz sentido, uma vez que a pandemia da Covid-19 criou alguns gargalos importantes nas cadeias de suprimento, como o caso dos microchips, que provocaram aumentos localizados de preços na medida em que a economia se recuperou. Os fretes internacionais quadruplicaram de valore o preço do petróleo duplicou. Como o crescimento da economia tende a desacelerar em relação ao ritmo muito rápido observado no primeiro semestre e esses gargalos nas cadeias de suprimento tendem a desaparecer na medida em que a produção se regularize, é razoável supor que o ritmo de crescimento de preços também vá diminuir. Além disso, o número de desempregados permanece elevado, maior do que no período pré-pandemia, o que também modera o aumento dos preços pelo lado da demanda.

    O fato, porém, de a inflação ter origem no lado da oferta e não da demanda é um problema maior do que se pode imaginar, uma vez que há muito pouco que o banco central americano possa fazer para contê-la. A inflação disparou para um máximo de 5,4%, o nível mais elevado dos últimos 13 anos e já se tornou a principal preocupação dos consumidores americanos. Isso coloca pressão sob o FED, o banco central americano, para reagir. O próprio Biden já afirmou que o FED precisa tomar providências. E aí está o grande risco. O principal instrumento que o banco central tem para controlar a alta dos preços são as taxas de juros. Aumentar as taxas de juros, porém, pode funcionar quando a inflação é resultante do superaquecimento da economia, uma vez que tende a frear o consumo e o investimento. Se este não for o caso, como tudo indica, o banco central pode fazer muito pouco. Caso o banco central americano resolva aumentar os juros corre-se o risco de frear o crescimento econômico sem baixar a inflação, ou seja, a economia poderia resvalar para a temida situação da estagflação, como vem advertindo o economista Nouriel Roubini.

    Embora a variante Delta e a inflação sejam as principais ameaças internas para o governo Biden neste momento, há outros fatores que podem arranhar seriamente sua reputação. Um deles é a decisão de retirada até 31de agosto das tropas americanas do Afeganistão, assunto que está dividindo a opinião pública norte-americana e mundial. Os Estados Unidos estão no Afeganistão há 20 anos, desde que o presidente George W. Bush decidiu invadir aquele país após os atentados de 11 de setembro para desbaratar a rede da Al Qaeda, que ali se abrigava sob proteção do regime Talibã. Durante esse período, os Estados Unidos gastaram com as operações militares algo em torno de 2 trilhões de dólares e tiveram cerca 2.500 baixas de soldados, afora as mais de 40.000 mortes de militares e civis afegãos. A saída intempestiva das tropas americanas do país, que deve se completar no dia 31 de agosto, deixa atrás de si uma situação de caos e a volta ao domínio dos Talibãs que já ocupam novamente grande parte do país.

    Com certeza não se trata de uma saída tão dramática e vexatória como a do Vietnã, com pessoas amontoando-se no teto da embaixada norte-americana em Saigon e helicópteros sendo lançados ao mar dos porta-aviões, para dar lugar aos que chegavam com os fugitivos, mas não deixa de ser o reconhecimento explícito de mais um grande fracasso dos Estados Unidos em sua autoproclamada missão de impor seu sistema de governo ao resto do mundo. Na verdade, esse movimento de retirada foi iniciado por Trump, mas será o governo Biden que ficará marcado por mais esse fracasso da política externa americana.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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