Há dois Brasis. Um é o Brasil real, que produz, exporta, investe, gera empregos, tira milhões de pessoas da pobreza. O outro é o Brasil do mercado financeiro, um Brasil paralelo, que colhe onde não planta, que transforma dinheiro em mais dinheiro sem produzir nada.
No Brasil real o PIB cresce a taxas próxima de 4% ao ano. No último trimestre encerrado em setembro o Brasil cresceu 0.91%, mais que a China (0.90%), depois de ter crescido 1,4% no trimestre anterior. A taxa de desemprego brasileira encerrou o terceiro trimestre em 6,4% nos três meses até setembro, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no dia 31/11, o menor nível desde o final de 2013. O total de ocupados alcançou 103,029 milhões de trabalhadores, um novo recorde. Ainda segundo o IBGE, O Brasil atingiu, em 2023, o menor nível de pobreza e extrema pobreza em 12 anos. Em 2023, 8,7 milhões de pessoas deixaram de viver abaixo da linha da pobreza, com menos de R$ 665 por mês, o que corresponde a 27,3% da população. A venda de petróleo disparou e balanço comercial bateu recorde em 2024. A balança comercial brasileira teve superávit recorde de janeiro a maio, atingindo US$ 35,9 bilhões, 3,9% acima do saldo do mesmo período de 2023.
Mas no Brasil paralelo do mercado financeiro, o Brasil caminha perigosamente na beira do abismo. Uma grave crise ronda o país, provocada pelo excesso de gastos do governo, a inflação ameaça furar o teto da meta e só um corte radical nos gastos, “a la Miley” pode nos salvar. Depois de mais de um mês de negociações internas, o governo, por meio do Ministério da Fazenda, anunciou o tão esperado pacote de corte de gastos visando cumprir as metas fiscais deste e do próximo ano. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, em 27/11, as linhas gerais das medidas de contenção de gastos, que devem poupar R$ 70 bilhões nos dois próximos anos. Ao mesmo tempo, comprometeu-se a isentar de Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Como parte dos cortes de gastos propostos dependem de mudanças na própria Constituição, o governo encaminhou para o Congresso uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que trará mudanças nas regras do abono salarial, do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), no Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), subsídios e subvenções, além de prorrogar a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2032.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), também protocolou o projeto de lei complementar e um projeto de lei ordinária que compõem o pacote fiscal. Os textos permitem o bloqueio das emendas parlamentares, um pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e no Bolsa Família e trazem regras para conter o crescimento dos gastos com salários e benefícios previdenciários dentro do novo arcabouço fiscal.
O pacote não entusiasmou o mercado, que considerou as medidas anunciadas insuficientes para conter a elevação da dívida pública do governo e reduzir o déficit orçamentário nominal do Brasil, que praticamente dobrou desde que Lula assumiu o cargo no início do ano passado, atingindo 9,3% do PIB nos 12 meses até o final de setembro, de acordo com dados do Banco Central. Como consequência o preço do dólar disparou, superando, pela primeira vez, a barreira psicológica de R$ 6,00/dólar.
Os custos de empréstimos do governo também dispararam para um recorde histórico, já que os mercados duvidam da eficácia das restrições de gastos destinadas a equilibrar o orçamento. As preocupações com o crescimento dos preços empurraram o rendimento do título do governo de 10 anos na quarta-feira para uma alta histórica de 13,13%.
Conforme declarou Viktor Szabo, gerente de portfólio de dívida de mercados emergentes da Abrdn ao jornal inglês Financial Times (28/11). “Os mercados brasileiros simplesmente não podem ficar felizes com qualquer coisa feita pelo governo Lula.” Na mesma linha, Marcelo Mesquita, sócio fundador da gestora de recursos Leblon Equities, disse ao FT que “A direção está correta, mas a dose do remédio é insuficiente. O governo precisa reduzir custos e impostos, como a Argentina está mostrando que é possível com resultados extraordinários.”
Essas duas falas, de certa forma, resumem a posição do mercado em relação ao governo Lula: 1) Não há absolutamente nada que o governo Lula possa fazer que vá obter o apoio do mercado. 2) A régua agora é o Miley, na Argentina, com seu “Plano Motoserra”. Nada menos que isso é aceitável para o mercado, sobretudo depois que a revista The Economist o colocou na capa da edição de 30 de novembro ao lado da frase: “Meu desprezo pelo Estado é infinito”.