O anúncio do novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), embora limitado por dificuldades orçamentárias e regulatórias, é uma notícia alvissareira. Não há como o Brasil voltar a crescer sem que haja investimento, público e privado, sobretudo na área de infraestrutura. O investimento público, embora represente uma pequena parcela do investimento total, é estratégico para o País, pois por se concentrar no setor de infraestrutura, oferece as condições necessárias para que o investimento privado se viabilize em outras áreas. Nenhuma empresa privada vai investir sem a perspectiva de poder colocar sua produção no mercado nacional e internacional com um mínimo de eficiência, o que, em grande parte, depende de uma boa infraestrutura de transportes, da oferta de energia barata e abundante, da oferta de mão de obra especializada e de um sistema de telecomunicações de boa qualidade e baixo custo. São todas áreas típicas do investimento público ou público-privado, por meio de concessões, como é o caso das rodovias, portos, aeroportos, transmissão de energia, telecomunicações, entre outras atividades. O PAC 3, caso seja realizado com sucesso, tem o potencial de acelerar o crescimento do País, não só pelos impactos positivos que a realização dos investimentos por si mesmo acarretam, em termos de demanda agregada imediata, mas também por viabilizar a realização de outros investimentos produtivos, principalmente do setor privado, que dependem dessa infraestrutura.
O PAC 3, lançado em agosto, prevê investimentos de R$ 1,7 trilhão, principalmente em obras de infraestrutura. Desse montante, o novo PAC prevê a participação de 36% para o setor privado, que entraria com R$ 612 bilhões, aproximadamente um terço do total. Os dois terços restantes ficarão com o setor público, divididos em partes quase iguais de recursos orçamentários. Passada a euforia de seu lançamento do programa, começam, contudo, a surgir questionamentos sobre as reais condições para que essas intenções de investimento se materializam. Pesam, para isso, as experiências nem sempre bem-sucedidas das iniciativas anteriores (PAC 1 e PAC 2), que deixaram um estoque não desprezível de obras inacabadas, fora aquelas que não saíram do papel. O caso emblemático é o da Refinaria Abreu e Lima (PE), cujas obras foram paralisadas em 2015 quando começaram as investigações da operação Lava Jato.
A prioridade do governo, conforme anunciado pelo presidente Lula, é concluir as obras inacabadas iniciadas em gestões anteriores. Trata-se de uma decisão importante que denota seriedade no encaminhamento do programa. Mas a realização de novos investimentos pode esbarrar nos mesmos problemas que frustraram as expectativas em relação às duas iniciativas anteriores.
O primeiro questionamento que vem sendo feito diz respeito à dificuldade de obtenção de licenciamento ambiental para execução das obras. Enquanto a demora e a complexidade dos licenciamentos são a principal preocupação do setor privado, ambientalistas temem que uma flexibilização do processo afrouxe controles, o que, por si só, já denota que qualquer tentativa de aceleração do programa por parte do governo pode resultar em longas batalhas política e jurídicas que podem atrasar por anos sua realização.
Segundo reportagem publicada pelo jornal Valor (17/9), existem, atualmente, 3.316 processos abertos de licenciamento ambiental em nível federal. Afora o fato de que o Ibama vem operando apenas com 53% do quadro de servidores do órgão, não há como afirmar que as suas decisões sejam puramente técnicas como ficou evidenciado na determinação do órgão de vetar a abertura de um poço de prospecção, pela Petrobrás, na chamada Margem Equatorial, referente à região em alto-mar próxima da linha do Equador, que se estende da Guiana ao Estado do Rio Grande do Norte, no Brasil.
Segundo noticiou o jornal Valor (12/9), “Entre as ações previstas pelo Novo PAC está a revisão da Lei Complementar 140/11, que regula as atribuições de cada ente federativo no licenciamento ambiental. Segundo o governo, a ideia é “trazer mais clareza à distribuição de competências sobre o licenciamento ambiental nas diferentes esferas administrativas”. Não será tão simples aprovar tal mudança, mesmo porque o movimento ambientalista, que tem forte influência no governo, já se mobiliza para dificultar sua aprovação. Conforme informou a mencionada matéria, o consultor jurídico Instituto Sócio Ambiental (ISA), poderoso grupo de pressão ambiental, já afirmou que “A eventual aprovação do PL 2.159/21, da forma como está, tem o potencial de praticamente acabar com o licenciamento ambiental, principal instrumento da política nacional do meio ambiente, com consequências graves e irreversíveis como a proliferação de desastres ambientais, o aumento do desmatamento na Amazônia e outros biomas e danos à saúde da população. Quando não havia licenciamento, bebês nasciam anencéfalos em Cubatão/SP [décadas de 1970 e 1980], por exemplo”. Nunca é demais lembrar que, por mais meritórias que sejam as preocupações, uma decisão de um juiz de primeira instância pode paralisar um obra por anos.
O fato é que as regras de licenciamento ambiental que valem para o PAC 3, são as mesmas que valiam para o PAC 1, e, como diz a frase atribuída ao físico Albert Einstein, “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”. No caso específico dos licenciamentos ambientais, como afirmou Natália Marcassa, CEO do MoveInfra, associação que reúne as principais empresas de infraestrutura com capital aberto, “não se faz licenciamento de infraestrutura em menos de três anos”. Isso é que o temos para hoje, o resto são boas intenções.
O segundo questionamento diz respeito à capacidade – financeira e operacional – das construtoras do País, além da qualificação de mão de obra. Como afirmou Carlos Eduardo Lima Jorge, vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), para a citada matéria do Valor, esses problemas afetam desde as empreiteiras envolvidas na Lava Jato até as empresas de menor porte. Conforme afirmou Karla Bertocco, sócia da Jive Investimentos, para a mesma matéria, “O setor de construção civil no Brasil passou a ser ligado a um risco reputacional. E a cadeia do setor de infraestrutura é formada principalmente por companhias de médio e pequeno portes, a maioria não tem estrutura de governança”. Ainda segundo a matéria, “O resultado é que as construtoras têm tido dificuldade para obter capital de giro, algo essencial para obras de maior fôlego, dado que as empreiteiras precisam aportar recursos volumosos para mobilizar a obra, mas o pagamento vem só depois”. O novo PAC já identificou esse problema e o governo trabalha com o BNDES para resolver esses gargalos financeiros, mas até que sejam resolvidos pode se passar muito tempo.
O fato é que o PAC 3 é uma aposta correta do presidente Lula e reflete o seu desejo de que o Brasil precisa voltar a crescer, como tantas vezes reafirmou em sua campanha eleitoral, mas não se deve subestimar a inércia da máquina pública e o poder dos grupos de pressão a quem não interessa a realização de muitas dessas obras de infraestrutura, como o presidente Lula bem sabe de sua experiência de dois mandatos anteriores à frente do governo. Sem medidas excepcionais o governo não será capaz de fazer nada de excepcional, como seria, a esta quadra da conjuntura nacional e internacional, fazer o Brasil voltar a crescer além dos anêmicos um ou dois por cento ao ano das últimas décadas.