Organização de Cooperação de Xangai (OCX) amplia seu papel na Eurásia e sua influência global

    Ocorreu em 16 setembro a 22ª reunião dos chefes de Estado do Conselho da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) na cidade de Samarcanda, no Uzbequistão. Participaram do encontro de setembro 26 países, sendo oito  membros permanentes (China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Paquistão e Índia); dois em processo de adesão (Bielorrússia e Irã), dois países observadores (Mongólia e Afeganistão) e 14 parceiros de diálogo (Sri-Lanka, Turquia, Azerbaijão, Armênia, Camboja, Nepal, Egito, Qatar, Arábia Saudita, Bahrain, Maldivas, Kuwait e Emirados Árabes Unidos).

    A OCX nasceu em 2001 por iniciativa da China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Uzbequistão com a missão fundamental de combater o terrorismo, separatismo e extremismo na região. Com o passar do tempo OCX atraiu novos membros e ampliou o escopo de atuação, tornando-se uma força importante para o desenvolvimento comum. Sua influência igualmente extrapolou o âmbito regional, tornando-se uma organização com influência global. Em seus 21 anos de existência, o número de membros permanentes e parceiros de diálogo da OCX mais que quintuplicou, como se observa na figura abaixo.

    Fonte: Global Times https://www.globaltimes.cn/page/202209/1275441.shtml

    O tamanho econômico combinado dos países da OCX aumentou cerca de 13 vezes desde a sua fundação. E em razão da forte complementaridade econômica entre os membros, suas relações comerciais também aumentaram ao longo dos anos. Em 2021, o comércio da China com outros componentes da organização  atingiu US$ 343,1 bilhões, um aumento de 40% em relação ao ano anterior. Em geral, o comércio exterior dos membros da OCX totalizou 6,6 trilhões de dólares em 2021, um aumento de 100 vezes em relação a 20 anos antes”[i]

    A OXC faz parte de uma nova geração de organismos multilaterais que vêm sendo criados desde o início do século 21 cuja principal característica é a ausência dos Estados Unidos entre seus membros. Segundo a Bloomberg (17/9), “A Turquia está buscando adesão à Organização de Cooperação de Xangai, liderada pela China, enquanto o presidente Recep Tayyip Erdogan tenta forjar alianças com países amigos no Leste. Erdogan fez o anúncio depois de participar da cúpula da OCX no Uzbequistão na sexta-feira, onde conversou com líderes como o presidente chinês Xi Jinping e o presidente russo Vladimir Putin. Uma oferta bem-sucedida tornaria a Turquia o primeiro membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte a se juntar ao bloco”[ii].

    Desde o fim da II Guerra Mundial, todos os organismos multilaterais relevantes foram criados sob influência direta dos Estados Unidos, que sempre reservaram para si não só o papel de liderança, mas também o poder de veto sobre as decisões desses órgãos. A começar pela própria ONU, criada em San Francisco e com sede em Nova York, passando pelo FMI, Banco Mundial, Organização Mundial de Comércio (OMC), Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Organização dos Estados Americanos (OEA), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), entre outros, todos esses organismos multilaterais sempre dependeram dos Estados Unidos para funcionar e muito raramente tomaram decisões que contrariassem os interesses e a opinião norte-americana.

    Após o breve período de unipolaridade que se seguiu ao fim da Guerra Fria, em 1991, a ordem global começou a adquirir um formato multipolar em decorrência da perda do peso econômico e protagonismo dos Estados Unidos e da emergência de novos atores globais, nomeadamente a China. No início dos anos 2000, começou a surgir uma nova geração de organismos e coalizações multilaterais influentes sem a presença dos Estados Unidos, como a Organização de Cooperação de Xangai, em 2001, e o grupo dos BRICS, em 2009. Mesmo organizações mais antigas como a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), criada em 1967, ganharam novo protagonismo.

    Com a progressiva mudança do centro de gravidade da economia mundial em direção à Ásia assiste-se, paralelamente ao esforço dos Estados Unidos para manter seu papel de potência dominante no Pacífico, ao aumento da cooperação regional independente no Leste e Sudeste da Ásia e à afirmação da China como o principal elo entre as economias menores da região e o Ocidente. Mesmo aliados tradicionais dos Estados Unidos na região passaram a depender cada vez mais de seus laços econômicos com a China para manter sua prosperidade econômica.

    Com o famoso “pivô para a Ásia”, do segundo governo Obama, os Estados Unidos tomaram uma série de iniciativas para manter a hegemonia do sistema de governança na área do Pacífico nas mãos dos Estados Unidos. Obama propôs a Parceria Trans-Pacífico com o objetivo de criar uma grande área de livre comércio na bacia do Pacífico que excluísse a China. Trump, quando eleito presidente dos Estados Unidos, em 2016, abandonou a iniciativa, alegando que ela prejudicaria os interesses comerciais dos EUA. Outras orientações, entretanto, foram dadas pelos americanos, como a criação do chamado QUAD, inicialmente uma associação informal entre Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália com o objetivo de fazer frente à China na região do Indo-Pacífico, conceito geopolítico inventado apenas com o propósito de unir os potenciais adversários da China na região.

    No sentido oposto, os países da região vêm procurando se organizar em associações independentes sem a presença perturbadora dos Estados Unidos. As duas mais relevantes são a ASEAN, uma organização regional que compreende dez países do sudeste asiático (Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Vietnã, Myanmar, Laos e Camboja), que promove a cooperação intergovernamental e facilita a integração econômica, política, de segurança, militar, educacional e sociocultural entre seus membros e outros países da Ásia, e a já mencionada Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Essas duas organizações mantêm intenso diálogo e cooperação entre si e têm como traço comum o fato de abordarem os problemas regionais a partir de uma perspectiva asiática e não norte-americana.

    O encontro realizado em setembro foi de particular importância, quando os países da Eurásia puderam discutir a questão da Guerra da Ucrânia a partir de uma perspectiva própria, bem diferente daquela adotada pelo eixo EUA-OTAN em relação ao conflito.  Pelo que noticiou a imprensa, em conversas privadas entre os líderes, nomeadamente Rússia, China e Índia, manifestou-se preocupação com a evolução do combate e o forte incentivo para que se encontre uma solução negociada capaz de encerrar a guerra o mais rápido possível, muito em função dos problemas econômicos que a guerra está causando ou agravando para os países da região, mas, em nenhum momento, os líderes adotaram uma posição crítica em relação à Rússia. Ao contrário, todos mostraram interesse em apoiar a Rússia em seu esforço de reduzir os estragos em sua economia provocados pelo boicote econômico liderado pelos Estados Unidos. Foi no ambiente do encontro que o presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se encontraram pessoalmente desde o início da guerra.

    É importante notar que a guerra na Ucrânia de um lado representa uma ameaça grave para a estabilidade política e econômica da região, cujo desenvolvimento depende em grande medida de um ambiente regional e internacional pacífico, de outro lado se mostra como grande oportunidade para fortalecer ainda mais os laços políticos, comerciais e financeiros para os países da Eurásia.

    Um aspecto em particular que chamou atenção no encontro foi o interesse dos países da região em dependerem menos do dólar norte-americano em suas transações econômicas inter-regionais e intrarregionais e passarem a utilizar mais a moeda chinesa – o renminbi ou yuan – para a liquidação de negócios entre os países da região, notadamente na área de energia. Segundo noticiou a agência Reuters (16/9), “Os líderes da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) concordaram na sexta-feira em tomar medidas para aumentar o uso de moedas nacionais no comércio entre seus países, de acordo com uma declaração conjunta adotada na sexta-feira”[iii]. Segundo o jornal Valor (13/9), “Cresceu o número de empresas russas que emitem bônus em moeda chinesa, o yuan, num momento de expansão do comércio com a China, impulsionada pelas sanções ocidentais impostas a Moscou pela invasão da Ucrânia”[iv].

    De acordo com o site do Nikkei Asia (29/8), “Rússia e China estão se unindo para reduzir sua dependência do dólar – um desenvolvimento que alguns especialistas dizem que pode levar a uma “aliança financeira” entre eles. No primeiro trimestre de 2020, a participação do dólar no comércio entre a Rússia e a China caiu abaixo de 50% pela primeira vez registrada, de acordo com dados recentes do Banco Central e do Serviço Federal de Alfândega da Rússia. O dólar foi usado para apenas 46% dos assentamentos entre os dois países. Ao mesmo tempo, o euro atingiu uma alta histórica de 30%, enquanto suas moedas nacionais representaram 24%, também uma nova alta. A Rússia e a China reduziram drasticamente o uso do dólar no comércio bilateral nos últimos anos. Até 2015, aproximadamente 90% das transações bilaterais foram realizadas em dólares. Após a eclosão da guerra comercial EUA-China e um esforço conjunto de Moscou e Pequim para se afastar do dólar, no entanto, o número caiu para 51% em 2019”[v]. Segundo o jornal chinês Global Times (19/8), “O yuan da China manteve sua posição como a quinta moeda mais ativa para pagamentos globais em valor em julho, sinalizando um ritmo de internacionalização estável; enquanto isso, a Rússia saltou para se tornar o terceiro maior mercado usando o yuan para pagamentos globais, mostrou um relatório da empresa global de mensagens financeiras Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT) na sexta-feira”[vi].

    A reunião recebeu grande cobertura da imprensa asiática e ocidental, que destacou diferentes aspectos e resultados do encontro. Para o Wall Street Journal (13/9), “Espera-se que a primeira reunião pessoal entre Xi Jinping e Vladimir Putin desde o início da guerra na Ucrânia inclua discussões entre os dois líderes sobre como aprofundar seus laços econômicos enquanto a Rússia enfrenta reveses no campo de batalha”[vii]. Ainda segundo o jornal, “Quer a Rússia ganhe ou perca, a China não mudará sua disposição de desenvolver ainda mais os laços com a Rússia, porque isso é determinado pela dinâmica geopolítica geral, especialmente pela deterioração das relações sino-americanas”, disse Yun Sun, diretor do Programa China na o Stimson Center, um think tank em Washington.

    Em 21/9, o mesmo Wall Street Journal, destacou que “Antes da cúpula da semana passada, Pequim e Nova Délhi disseram que suas tropas estavam se desengajando na área de Gogra-Hot Springs, no oeste do Himalaia. A medida foi o primeiro sinal de progresso após várias rodadas de negociações militares de alto nível desde 2020 e marcou uma oportunidade para a primeira reunião bilateral entre os líderes chineses e indianos desde 2019”[viii]. Isso mostra que sem a presença perturbadora dos Estados Unidos, que tenta persuadir a Índia a não apenas se tornar um parceiro econômico mais próximo, mas também militar no confronto com a China na Ásia, as discussões de problemas regionais se tornam bem mais tranquilas e produtivas.


    [i] Revista Intertelas. Disponível em: https://revistaintertelas.com/2022/09/20/ocx-cresce-de-organizacao-regional-para-forca-global-visando-desenvolvimento-comum-e-seguranca/#m%E2%80%A6

    [ii] Bloomberg Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-09-17/turkey-seeks-china-led-bloc-membership-in-threat-to-nato-allies

    [iii] Reuters. Disponível em: https://www.reuters.com/markets/commodities/china-led-sco-bloc-agrees-expand-trade-national-currencies-2022-09-16/

    [iv] Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/13/cresce-o-uso-do-yuan-por-empresas-russas.ghtml

    [v] Nikkei. Disponível em: https://asia.nikkei.com/Politics/International-relations/China-and-Russia-ditch-dollar-in-move-toward-financial-alliance

    [vi] Global Times. Disponível em: https://www.globaltimes.cn/page/202208/1273401.shtml

    [vii] Wall Street Journal. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/chinas-xi-and-russias-putin-seek-to-counter-west-in-first-in-person-meeting-since-ukraine-war-began-11663069369

    [viii] Wall Street Journal. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/china-india-stand-by-russia-despite-its-setbacks-in-ukraine-war-11663774727

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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