O PIB do fundo do poço

    As Colonas, obra de Di Cavalcanti (1897-1976), expressão estética da preocupação com o mundo do trabalho.

    Após vários artigos alertando sobre a derrapagem da medíocre política econômica de Paulo Guedes, temos agora a prova final do desastre: uma política econômica que não conseguiu entregar nem o que outra política medíocre, a do Ministro Henrique Meirelles, entregou em um governo de transição.

    Não há nenhuma surpresa nesse resultado desastroso para a grande massa da população brasileira amargando uma vida miserável sem emprego, sem os mecanismos de proteção social que estão sendo desmontados em nome de uma ideologia lunática de corte de gastos no INSS, no BOLSA FAMÍLIA, no SUS e no SEGURO DESEMPREGO.

    Tudo em nome de um “ajuste” em cima dos pobres, porque nenhum ajuste foi feito nos privilégios das corporações do topo do serviço público e nos obscenos lucros dos bancos, de R$87 bilhões em 2019. Se o PIB cresceu 1,1%, o lucro dos bancos cresceu 21% em relação a 2018, o que mostra o absurdo desarranjo da economia brasileira, dirigida exclusivamente em favor do sistema financeiro, já que nem os empresários industriais estão sendo beneficiados.

    De 1º de fevereiro a 5 de março deste ano o REAL foi a moeda que mais se desvalorizou no mundo, isso após o Banco Central gastar quase 10% das reservas internacionais do Brasil, ironicamente acumuladas por governos tidos como de esquerda e que agora um governo dito conservador desbarata  PARA NADA.

    Quase US$32 bilhões foram jogados no mercado para proteger a fuga de capital estrangeiro e mesmo após essa fogueira a cotação do dólar chegou ao seu maior nível na História, o que indica um completo desarranjo da política econômica, ou melhor, da não política, porque esta não existe.

    Política econômica é uma coordenação de ações de políticas monetária, fiscal e cambial, com metas de crescimento focadas em setores nos quais  o investimento tem melhores possibilidades de retorno para o conjunto da economia e do emprego. Nada disso existe no projeto Guedes, apenas uma coleção de reformas, peças acessórias e adjetivas que não induzem por si só ao crescimento. Para o CRESCIMENTO NÃO HÁ NADA.

    As reformas partem do princípio fantasioso de que elas POR SI SÓ vão induzir o “mercado privado” a investir e fazer o País crescer mesmo sem DEMANDA, que é a chave que só o investimento público pode produzir, como disse Keynes na célebre carta aberta enviada ao Presidente Roosevelt em 30 de maio de 1933. Guedes não entende nada de MACRO ECONOMIA, de ECONOMIA PARA UM GRANDE PAÍS, de ECONOMIA PÚBLICA.

    O economista britânico John Keynes via o Estado como alavanca para induzir o crescimento econômico.

    Alguns dos pontos mais erráticos do atual projeto econômico são:

    1.FUSÃO DE MINISTÉRIOS – Uma aberração que fere o senso comum e foi tentada com pleno insucesso no Governo Collor. Ministérios históricos como o da INDÚSTRIA E COMÉRCIO, chefiados por grandes homens como João Camilo Penna (Planejamento) e já tiveram como titulares Roberto Campos, Delfim Netto e Reis Velloso.

    A pasta do Trabalho existe em todos os países civilizados como representação do emprego e no Brasil foi ocupada por uma constelação de destacados personagens da política.

    Como então é possível fazer desaparecer esses grandes órgãos do Estado jogados numa vala comum pastosa, sem identidade e sem rumo próprio, sob a tutela de um personagem sem qualquer experiência em política pública?

    O Ministro Guedes não tem a vivência, as conexões e nem estatura para reger um ministério da Fazenda de um País complexo e em crise e muito menos tem estofo para dirigir sozinho, com uma equipe sem bagagem, QUATRO Ministérios que nunca foram colocados no mesmo cesto. Nos EUA existem esses QUATRO Ministérios separados, aliás, são CINCO (Treasury, Commerce, Office of Management and Budget, Labor, U.S. Trade Representative).

    2.ORIENTAÇÃO IDEOLÓGICA DO MINISTRO – O ministro Guedes, ao contrário dos grandes ministros da Fazenda como Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen e Ernane Galvêas, tem uma IDEOLOGIA FIXA, o neoliberalismo puro, de mercado. Os Ministros da Fazenda dos períodos de grande crescimento do Brasil eram ECLÉTICOS, sabiam fazer um mix entre Estado e mercado. Sabiam qual era o papel do Estado e qual era o papel da iniciativa privada e em que momento e lugar atuavam um e outro. Não estavam obcecados por uma ideologia puramente privatista, eram HOMENS DE ESTADO, com experiência e vivência anterior em cargos públicos. Já o atual Ministro é calouro em  administração pública e NÃO OBSTANTE QUER DIRIGIR QUATRO MINISTÉRIOS, cada um por si só complexo e que existiam separadamente por uma razão de lógica administrativa testada em décadas de governança.

    A tese ideológica do Ministro Guedes é que TODO O CRESCIMENTO DEVE VIR DO SETOR PRIVADO, o que é uma insanidade. Nem nos EUA o crescimento vem só do setor privado e em países emergentes com grandes carências o papel do Estado é fundamental, aliás, esse papel do Estado está sendo recuperado em todo o mundo, inclusive em países ricos, nos quais há hoje um NOVO CONSENSO na academia, na mídia e nas forças políticas de que o Estado deve voltar a ter um papel central na economia. Basta acompanhar a imprensa mundial e os artigos dos Prêmios Nobel de Economia.

    Os ministros Delfim Netto e Ernane Galvêas comandaram a economia em uma época em que a política econômica tinha como centralidade a preocupação com o desenvolvimento.

    3.OBSESSÃO COM A DÍVIDA PÚBLICA, COM O DÉFICIT E COM O CORTE DE GASTOS – Com raras exceções os governos de grandes países operam com déficit orçamentário, a começar pelos EUA, e como consequência têm enorme dívida pública, QUE É UMA FICÇÃO ECONÔMICA, porque se for em moeda nacional jamais será paga. A dívida pública dos EUA supera o PIB, a do Japão e da Itália passam de duas vezes o PIB.

    Os “economistas de mercado” vendem uma ideia completamente falsa sobre dívida pública interna, em moeda nacional. Eles dizem que essa dívida é comprada por investidores no mercado competitivo de papéis, como se fosse uma debenture de empresa. Isso é completamente falso. Títulos públicos são QUASE-MOEDA, é moeda com algum juro, às vezes juro nenhum e às vezes juro negativo, PORQUE SÃO RESERVA DE LIQUIDEZ de bancos, de grandes empresas, de seguradoras e de fundos de pensão. Dívida pública deve ser vista como MOEDA e não como investimento e por isso pode ser expandida muito além do que uma dívida de empresa.

    Um Estado por definição não quebra em moeda nacional porque ele é detentor do monopólio de emissão. No Brasil os bancos estão explodindo em liquidez QUE NÃO TEM APLICAÇÃO EM UMA ECONOMIA ESTAGNADA, então o título público é a unidade “parada” dessa liquidez. A lógica para uma retomada do crescimento será uma nova grande emissão de títulos públicos para financiar o INVESTIMENTO e com isso o País sair da recessão. Mas para uma política desse tipo o Ministro teria que ser um gigante criativo como Delfim Netto.

    Ao invés disso, o BNDES, braço fundamental de uma política pública de investimentos está sendo esvaziado de todos os seus recursos, desviados para o Tesouro. As grandes estatais, como PETROBRAS e ELETROBRAS, cada uma com capacidade de compras e projetos de 200 a 300 bilhões de Reais por ano, puxando a indústria nacional, estão em processo de privatização, oferecidas a compradores estrangeiros, que provavelmente irão se suprir de fornecedores do exterior e não do Brasil.

    O Ministro alega que as PRIVATIZAÇÕES e CONCESSÕES irão dinamizar o crescimento do Brasil. NÃO, EM NENHUM SENTIDO. Privatizações são VENDA DE ATIVOS já existentes, geram sempre DEMISSÕES e não novos empregos; as concessões não criam empregos, são outro tipo de transferência de ativos, NEM PRIVATIZAÇÕES E NEM CONCESSÕES produzem crescimento, ao contrário, geram desemprego e perda de receita do Estado em longo prazo.

    UM PROJETO DE GENOCÍDIO SOCIAL

    O PIB fracassado não é só uma estatística. Ele é o resultado de uma política de CORTES DE GASTOS SOCIAIS E DE INVESTIMENTOS PÚBLICOS. Todos os programas sociais tiveram verbas reduzidas. No INSS e no BOLSA FAMÍLIA há filas de milhões de pobres sem receber,  passando inimagináveis dificuldades. A falta de INVESTIMENTOS PÚBLICOS causa o desemprego em massa, o subemprego, o desalento, a criminalidade como opção para quem não tem o almoço.

    O Ministro Guedes prometeu em contínuos discursos durante 2019 um CRESCIMENTO de no mínimo 2,5%, citando a Reforma da Previdência como detonador de um oceano de investimentos privados represados, só aguardando essa reforma. Uma LENDA, investidor privado não deixa de investir por reformas cujos efeitos se darão anos depois, era tudo fantasia do Ministro. O INVESTIMENTO PRIVADO NÃO SÓ NÃO VEIO, porque não há demanda que o justifique, como SAÍRAM MEGA INVESTIMENTOS DO BRASIL, levando a cotação do dólar a valores altíssimos mesmo após o Banco Central torrar reservas duramente acumuladas. É o FRACASSO COMPLETO DE UM PROJETO IDEOLÓGICO E NADA ECONÔMICO.

    Andre Araujo
    Andre Araujo, advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo, conselheiro da CEMIG-Cia. Energética de Minas Gerais e atualmente é consultor de Potomac Partners, consultoria em Washington.

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