Manias especulativas não são novidade. Como lembra Charles P. Kindleberger no livro Manias, Pânico e Crashes, a palavra “manias” tem como conotação uma perda de realidade ou de racionalidade, e até algo próximo à histeria ou insanidade em massa. Como lembra o autor, a história econômica é repleta de manias: manias de canais, manias de companhias ferroviárias, manias de companhias de capital aberto, manias de terras e várias outras.
O que move as pessoas a colocar seu dinheiro em ativos de alto risco é a crença de que, haja o que houver, seu valor continuará a subir, independentemente dos fundamentos econômicos a eles subjacentes. São bolhas que se expandem dando aos que estão dentro delas uma falsa sensação de segurança. Quando elas explodem, a euforia se transforma em pânico e ranger de dentes. A recente onda de especulação em torno das chamadas criptomoedas tem todas as características de uma nova mania. Como falou o escritor Nassim Taleb, autor de livros como “Cisne Negro” e “Antifrágil”, a criptomoeda é uma “doença contagiosa”: “Vai se espalhar e espalhar e seu preço vai disparar até a saturação. Quando todos os otários estiverem envolvidos, a crença dominante fará disso um investimento ‘óbvio’. Isso é fragilidade máxima” (Valor, 18/06). Ainda segundo o autor, “o bitcoin não está competindo com as moedas fiduciárias, e sim com os “milhares de outros produtos de otário que nascem todo ano”.
Criadas depois da crise financeira de 2008 com a ideia de substituir o dinheiro físico que usamos, são “produzidas” por meio de sofisticados algoritmos que definem de antemão a quantidade de “moedas” que podem ser “garimpadas” pelos computadores. No caso do Bitcoin são 21 milhões, cujo “garimpo” se esgotaria em 2140. Tendo alcançado o valor recorde de US$ 69 mil em novembro passado, o Bitcoin foi negociado no final de junho por preços entre US$ 23 mil e US$ 18 mil, acarretando perda de 75% para quem comprou a moeda no pico e a vendeu na penúltima semana de junho. O mercado global de criptomoedas, que além do Bitcoin inclui algumas menos conhecidas, como o Ether, Dogecoin, entre outras, caiu de um total de US$ 3,2 trilhões para cerca US$ 1 trilhão em alguns meses.
Fonte: Financial Times, 17/06/2022
A “garimpagem” dessas criptomoedas é feita por redes de poderosos computadores que consomem quantidades astronômicas de energia. Levantamento da Universidade de Cambridge aponta que, em maio de 2021, o consumo anualizado na mineração de bitcoins chegou ao pico de 130 TWh (Terawatts-hora), mas que caiu desde então: em 26 de setembro, a média anualizada estava em 98 TWh. Se todo o setor de mineração de bitcoins fosse um país, seria o 34º maior consumidor de energia, à frente de países como Filipinas e Finlândia. O maior consumidor, com 6453 TWh por ano, era a China, que usa o carvão como principal fonte energética. Em setembro de 2021, a China, que também enfrenta escassez de energia, proibiu esse tipo de atividade em seu território. Em maio último, a empresa britânica FMI Minecraft Management anunciou um investimento de US$ 45 milhões na construção de um polo de mineração de criptomoedas na zona franca de Zapala, na Argentina. O objetivo, segundo os executivos da empresa, é minerar de 30 a 50 bitcoins por dia. A operação da Argentina terá um gasto de 100 MW e contará com a utilização de 30 mil máquinas. A escolha da Argentina para a instalação da nova “fábrica de bitcoins” se deve, segundo John Blount, fundador e CEO da empresa, à política fiscal na zona franca e à abundância de energia para abastecer os computadores dedicados à mineração (Valor 03/05/2022).
Isso tudo apenas evidencia o quanto o chamado capitalismo financeiro com suas novas estratégias de “gameficação” dos investimentos descolou-se do mundo real tornando a economia mundial ainda mais instável e sujeita a crises.