O Novo PAC, velhos problemas

    O governo federal lançou o Novo PAC em 2023, programa de investimentos coordenado em parceria com o setor privado, estados, municípios e movimentos sociais. Seu objetivo é acelerar o crescimento econômico e a inclusão social, gerando emprego e renda e reduzindo desigualdades sociais e regionais.

    O programa está organizado em Medidas Institucionais e nove Eixos de Investimento. As Medidas Institucionais são um conjunto articulado de atos normativos de gestão e de planejamento que contribuem para a expansão sustentada de investimentos públicos e privados no Brasil. Os Eixos de Investimento são as grandes áreas de organização do programa que reúne todas as obras e serviços destinados à população.

    O Novo PAC pretende investir R$ 1,7 trilhão em todos os estados do Brasil, sendo R$ 1,4 trilhão até 2026 e R$ 320,5 bilhões após 2026. Os investimentos do programa têm compromisso com a transição ecológica, com a neoindustrialização, com o crescimento do País e a geração de empregos de forma sustentável. Para isso, contará com R$ 371 bilhões do Orçamento Geral da União, R$ 343 bilhões de empresas estatais, R$ 362 bilhões em financiamentos e R$ 612 bilhões do setor privado.

    As iniciativas se desdobram em duas direções. De um lado, reúnem 173 medidas institucionais para impulsionar de forma sustentável os investimentos tanto públicos quanto privados. Entre elas, destacam-se o aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental; a expansão do crédito e incentivos econômicos; o aprimoramento dos mecanismos de concessão e Parcerias Público-Privadas (PPPs); o alinhamento ao plano de transição ecológica; e a melhoria nos processos de planejamento, gestão e compras públicas. Ao mesmo tempo, promove nove eixos de investimentos relacionados a setores essenciais ao desenvolvimento do País.

    Os nove eixos são:

    1. Transporte Eficiente e Sustentável. O objetivo neste eixo é modernizar e expandir a infraestrutura de transporte, com R$ 349,1 bilhões em investimentos.

    2. Infraestrutura Social Inclusiva. Com orçamento de R$ 2,6 bilhões, o programa busca promover o desenvolvimento cultural, o esporte e a integração de ações de segurança pública com políticas sociais

    3. Cidades Sustentáveis e Resilientes. Para este eixo estima-se investimentos de R$ 609,7 bilhões para adaptar as cidades brasileiras às mudanças climáticas e melhorar a qualidade de vida urbana. Inclui o relançamento do programa Minha Casa, Minha Vida, com a contratação de 2 milhões de moradias e ênfase na acessibilidade e no financiamento facilitado.

    4. Água para Todos. Serão investidos R$ 30,5 bilhões para garantir acesso sustentável a água de qualidade.

    5. Inclusão Digital e Conectividade. Este eixo reúne projetos para melhorar a infraestrutura de internet e comunicação no Brasil, que deverão custar R$ 27,9 bilhões. Prevê a universalização do acesso à internet nas 138 mil escolas públicas e 24 mil Unidades Básicas de Saúde do país, além da instalação de internet de alta velocidade, wi-fi em todos os ambientes escolares e geradores fotovoltaicos em escolas sem energia elétrica. Outra frente importante é a construção ou ampliação de 28 infovias para aumentar a capacidade de tráfego de dados e a disponibilidade de banda larga, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.

    6. Transição e Segurança Energética. Orçados em R$ 565,4 bilhões, os projetos nessa área têm o objetivo de tornar a matriz energética brasileira mais eficiente e sustentável. Prevê investimentos maciços em energias de fontes renováveis, que deverão responder por 79% da energia adicional gerada no País nos próximos anos, com destaque para a implantação de usinas fotovoltaicas e eólicas no Nordeste.

    7. Inovação para a indústria da Defesa. Serão investidos R$ 52,8 bilhões em projetos de defesa nacional e modernização das Forças Armadas, incluindo aquisição de equipamentos avançados, como aeronaves cargueiro, caças Gripen, helicópteros, submarinos e navios-patrulha, além de viaturas blindadas e sistemas de controle de fronteira.

    8. Educação, ciência e tecnologia. Os projetos nessa área, orçados em R$ 45 bilhões, buscam fortalecer a educação em todos os níveis e incentivar a pesquisa científica. Eles abrangem a expansão da rede pública, desde creches até instituições de ensino superior, incluindo escolas de ensino técnico-profissionalizante, e a ampliação da educação em tempo integral.

    9. Saúde. Serão investidos R$ 30,5 bilhões para melhorar a cobertura e a qualidade dos serviços do SUS, alcançando populações até então desassistidas.

    Trata-se de um plano bastante abrangente de investimentos, mas insuficiente para o que Brasil precisa para retomar uma trajetória sustentável de crescimento, a começar pelos valores que planeja investir. Por definição, esgotada a capacidade ociosa da economia, o crescimento depende basicamente do aumento do investimento. Até o terceiro trimestre de 2023, o investimento bruto no País foi de apenas 16,6% do PIB e inferior à do mesmo período de 2022, quando foi de 18,3%. O investimento público, importante fator para a manutenção do crescimento, sobretudo em períodos de recessão, também permanece absurdamente baixo, na casa dos 2,5%. Para se ter uma ideia do que isso significa basta lembrar que o investimento público no Brasil na década de 1970, na época do II PND, chegou a 10,58% do PIB. O Novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a grande aposta do governo para a retomada dos investimentos, deverá representar apenas 0,5% do PIB em 2024.

    Ainda assim, se os projetos propostos fossem realmente implementados dentro dos prazos previstos não resta dúvida de que estaríamos diante de um enorme avanço. O problema é que, se não forem corrigidos os problemas que levaram à frustação total ou parcial de projetos ambiciosos de investimento em anos anteriores, corre-se o risco de nem esses relativamente modestos valores serem efetivamente investidos. Os obstáculos são de toda ordem: dificuldades para obtenção de licenças ambientais, projetos executivos inexistentes ou mal feitos e que levam a subestimação dos custos reais das obras, provocando sua paralisação seja por problemas técnicos, seja por falta de recursos, seja por irregularidades administrativas. Ingerência excessiva de órgãos de controle e do sistema judiciário. Uma decisão de um juiz de primeira instância por conta de alguma ação do Ministério Público pode levar à paralisia de um projeto por anos a fio, como já observamos no passado. O Novo PAC prevê reunir 173 medidas institucionais para impulsionar de forma sustentável os investimentos tanto públicos quanto privados, entre elas o aperfeiçoamento do ambiente regulatório e do licenciamento ambiental. Mas fazer isso também não é simples, a começar pelo fato de que dentro do próprio governo não há consenso sobre essas questões com o Ministério do Meio Ambiente e outros órgãos ambientais puxando em uma direção e outros ministérios, como Transporte, Telecomunicações, Portos etc. puxando em outra. A recente negativa do IBAMA para autorizar a perfuração de um poço de pesquisa da Petrobrás na chamada Margem Equatorial, a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas e a não resolução do problema até agora, vários meses depois do ocorrido, dá dimensão do tamanho do problema.

    Há ainda as dificuldades orçamentárias, pois mesmo se tratando de valores claramente insuficientes para o tamanho das necessidades, os problemas fiscais pelos quais o Brasil passa atualmente não dão segurança nenhuma de que a parte do governo nesse pacote de investimentos vá realmente ser colocada a tempo. Por outro lado, o plano prevê que o grosso dos investimentos virá do setor privado, o que também é sempre uma grande incógnita, sobretudo quando as condições macroeconômicas do País se encontram em situação fragilizada, sobretudo pelas elevadas taxas de juros impostas pelo Banco Central. Mas além da questão puramente fiscal, a execução orçamentária do governo esbarra em um problema maior, que é o político. O chamado presidencialismo de coalizão, que bem ou mal garantiu a governança do País em gestões passadas, deu lugar, a partir do governo anterior, a um parlamentarismo bastardo, em que o controle do orçamento está quase totalmente nas mãos do Congresso e mais especificamente a uma parte dele formada por parlamentares mais preocupados com seus interesses paroquiais do que com os grandes problemas de desenvolvimento do Brasil.

     A respeito dessas dificuldades políticas do governo, editorial do jornal o Estado de S. Paulo, de 13/01, observa: “De maneira otimista, pode-se dizer que essa ascensão do Judiciário significa uma reação inevitável do sistema de pesos e contrapesos da República, tisnado pela fragilização do Executivo diante de um Congresso hoje hostil, indócil e forte, e de uma base partidária de apoio ao governo frágil e fragmentada entre muitas e médias bancadas – elementos que criaram uma espécie de parlamentarismo bastardo, com poder gigantesco do Legislativo sobre o Orçamento e as agendas de interesse do Executivo. O mesmo presidencialismo de coalizão que manteve o funcionamento e o equilíbrio sistêmico durante os governos da Nova República colapsou com a crise de representação depois das manifestações de 2013. Os escândalos de corrupção e a Lava Jato completaram a crise e legitimaram a força do Judiciário nos anos seguintes. Enquanto a independência do Executivo e do Legislativo se esvaía no mesmo compasso da força suprema do STF, a Corte sublinhava sua condição não apenas de guardiã da Constituição, como também de um tribunal penal político. Não sem excessos no protagonismo individual de seus ministros, com declarações políticas cada vez mais frequentes e desinibidas. Tudo isso resultou no que analistas vêm chamando de “judiciarismo de coalizão”. Em outras palavras, segundo essa tese, o regime presidencialista só funciona se o presidente tiver uma boa bancada no Supremo Tribunal Federal como parte do jogo político da governabilidade. É o que Lula vem fazendo”.

    Para não ficarmos apenas especulando sobre hipóteses, caberia olhar com um pouco mais de atenção o que ocorreu na área do investimento público nesses meses após o lançamento do Novo PAC. Matéria de 04/01 do jornal O Estado de S. Paulo, ao entrevistar o ministro dos Transportes, Renan Filho, sobre o andamento do programa de concessões de rodovias do governo federal, em 2023, que fazem parte do Novo PAC, observa: “O planejamento do ministério era realizar quatro leilões em 2023. Mas só conseguiu executar dois. Um terceiro, que teve edital lançado, o da BR-381, em Minas Gerais, não recebeu nenhuma proposta e por isso não foi realizado. O quarto teve o edital atrasado por necessidades de ajustes demandados pelo Tribunal de Contas da União”. Ao analisar o mesmo problema, o jornal Valor Econômico (13/01) observou: “No ano passado, o governo anunciou quatro leilões de concessões. Dois tiveram sucesso na contratação, um deu vazio (sem interessado) e outro foi adiado para este ano”. Diz ainda: “O Ministério dos Transportes encerrou o ano de 2023 com a aplicação de R$ 14,5 bilhões do orçamento da União, de um total de R$ 21 bilhões previstos. A diferença, em torno de R$ 6 bilhões, virou restos a pagar que devem ser aplicados com boa parte dos R$ 48 15,7 bilhões do orçamento federal do ministério em 2024”. Ou seja, repetem-se os mesmos problemas já observados anteriormente no PAC I, no PAC e nas Obras da Copa do Mundo e tantos outros programas e projetos de investimento.

    Outro exemplo, a Ferrogrão, projeto ferroviário que indica a ligação das cidades de Sinop (MT) e Miritituba (PA), prevê a construção de uma linha férrea que começa em Sinop, no Mato Grosso, maior produtor de grãos do País, e termina no porto de Miritituba, em Itaituba, no Pará. São mais de 900 quilômetros de extensão. Planejado em 2012, o projeto nunca saiu do papel. A questão é polêmica porque de um lado representantes do agronegócio consideram a Ferrogrão estratégica para transportar a produção de milho e soja. De outro lado, a ferrovia enfrenta obstáculos na Justiça já que o traçado cruza uma unidade de proteção ambiental. O valor estimado do investimento é de R$ 12 bilhões. O projeto foi incluído na versão mais recente do Programa de Aceleração do Crescimento, o Novo PAC.

    Segundo o jornal Valor Econômico (11/01), “O governo não descarta fazer um aporte bilionário de recurso público para atrair investidores privados para a Ferrogrão, megaprojeto ferroviário proposto para escoar a produção agrícola do Centro-Oeste pelos portos do Norte. O ministro Renan Filho explicou que antes isso não era possível, mas a legislação atual permite. Durante o balanço de ações, Renan Filho chegou a dar o exemplo de que o governo poderia destinar R$ 5 bilhões enquanto a iniciativa privada se encarrega de aplicar valores da ordem de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões”.

    O fato, entretanto, é que o destino do referido projeto não depende do governo e está totalmente nas mãos Justiça. Por mais que o governo queira levar o projeto adiante, nada pode fazer. Como informa a matéria da Valor: “Em 2023, o governo conseguiu, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) retomar o debate sobre o projeto, tanto no âmbito técnico quanto de interação com representações dos povos indígenas. Com isso, foi criado um grupo de trabalho para aprofundar as discussões e buscar alternativas para atenuar o impacto do empreendimento. As tratativas, segundo o ministro, ainda estão em fase preliminar”.

    Ou seja, mal começou o Novo PAC já se vê às voltas com os mesmos problemas que frustraram outros planos grandiosos de investimento nos primeiros dois governos Lula e no governo Dilma, no caso o PAC I e o PAC II. Se desta vez vai ser diferente, só a história dirá

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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    1 COMENTÁRIO

    1. Perfeita a matéria como todas de autoria do Prof Luís Paulino. Obrigado Professor por nos presentear sempre com excelentes textos.

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