O Modelo Coreano

    As dificuldades que os ucranianos, mesmo abastecidos com o que há de mais moderno em termos de equipamento militar fornecido pela Otan, estão encontrando para levar adiante a tão anunciada ofensiva de primavera de retomar territórios ocupados pelos russos demonstra que é quase impossível que esta guerra tenha, a curto prazo, algum desenlace favorável para qualquer dos lados.

    Embora não tenham como avançar mais para oeste, os russos organizaram uma linha de defesa quase inexpugnável para defender as áreas que controlam a leste, plantando centenas de milhares de minas terrestres nas áreas que antecedem a linha de trincheiras que organizaram para a defesa das áreas ocupadas, inclusive a Criméia. Até chegar a esses linhas, os ucranianos vão sofrer enormes baixas de equipamentos e de pessoal como já ficou comprovado nas primeiras tentativas, quando vários dos modernos tanques fornecidos pelo Ocidente foram destruídos ou danificados.

    Essa constatação está levando a que, nos Estados Unidos, passe a ser considerado o modelo adotado para encerrar a guerra da Coreia (1950-1953) uma alternativa viável para pôr fim à guerra na Ucrânia, pois há diversas semelhanças entre os dois casos. Em artigo publicado na revista Foreign Affairs cujo título é  “O Modelo Coreano. Por que um armistício oferece a melhor esperança para a paz na Ucrânia” Carter Malkasian, presidente do Departamento de Análise de Defesa da Naval Postgraduate School dos Estados Unidos e autor de The Korean War, 1950–1953 e que atuou, de 2015 a 2019, como Assistente Especial de Estratégia do Presidente do Estado-Maior Conjunto americano, explora essa possibilidade como se pode ver nos excertos do artigo que reproduzimos abaixo.

    Segundo o autor “A guerra que assola a Ucrânia hoje tem mais do que uma semelhança passageira com a Guerra da Coréia. E para quem quer saber como isso pode acabar, a durabilidade do armistício coreano – e o alto custo humano do atraso em alcançá-lo – merece um estudo minucioso. A frente de batalha e as diferenças políticas intratáveis exigem um cessar-fogo que interrompa a violência e adie as questões políticas espinhosas para outro dia. Se um armistício semelhante permitisse à Ucrânia – ou mesmo apenas 80% do país – florescer de maneira semelhante”, argumenta ele, “isso seria uma vitória na guerra”.

    “As negociações que produziram o armistício coreano foram longas e difíceis e ocorreram ao lado de combates pesados, antes que os custos da guerra fossem claros o suficiente para persuadir qualquer um dos lados a se comprometer. Ele provavelmente seria verdade hoje. A experiência coreana também sugere que a obstinação do presidente russo, Vladimir Putin – que, como Stalin, parece avesso a qualquer tipo de compromisso – pode ser especialmente obstrutiva. Além disso, a política doméstica nos Estados Unidos e a lacuna entre os interesses legítimos, mas distintos, de Washington e Kiev podem atrapalhar um cessar-fogo”.

    “No momento, o debate em Washington geralmente se concentra na questão de quando seria o momento certo para começar a pressionar a Ucrânia a negociar, e a resposta de consenso geralmente é: “Ainda não”. A Guerra da Coreia mostra que, em um impasse militar, pode levar muito tempo para que ambos os lados vejam claramente que os custos de continuar lutando superam os benefícios. E quando o fazem, muita morte e destruição podem ocorrer sem produzir nenhuma vantagem significativa. Se os Estados Unidos, a OTAN e outros apoiadores da Ucrânia decidirem trabalhar para um cessar-fogo, o fim da Guerra da Coréia oferece três lições práticas. Primeiro, eles devem estar dispostos a lutar e falar simultaneamente, usando a pressão do campo de batalha para impor demandas na mesa de negociações. Em segundo lugar, devem incluir as Nações Unidas em quaisquer negociações, uma vez que os árbitros neutros são uma vantagem. Finalmente, eles devem condicionar a futura assistência de segurança e apoio pós-conflito à Ucrânia à disposição de Kiev de fazer algumas concessões. Uma vitória completa para a Ucrânia e o Ocidente e uma derrota total para o outro lado seria um final bem-vindo para a guerra na Ucrânia, assim como teria sido na Coreia. E como na Coreia o risco de escalada confunde tal resultado. Kiev, Washington e seus parceiros na oposição à agressão de Moscou devem entender que um armistício que tanto a Ucrânia quanto a Rússia possam aceitar – mesmo que não resolva todas as questões importantes – ainda seria uma vitória.”

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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