O Ídolo do Rei: uma nota de rodapé sobre Zizinho

    Quando comecei a minha carreira no Santos, o Zizinho estava encerrando a dele no São Paulo. E encerrando em grande estilo. Ele foi campeão e considerado o melhor jogador do Campeonato Paulista de 1957. Zizinho era um jogador completo. Atuava na meia, no ataque, marcava bem, era um ótimo cabeceador, driblava como poucos, sabia armar. Além de tudo, não tinha medo de cara feia. Jogava duro quando preciso.’’

    -Vossa Majestade Pelé.

    Sobre Zizinho, amigo leitor, as palavras do Rei bastariam. O aforismo de Edson Arantes do Nascimento é a síntese, a verdade definitiva sobre o Craque. Além de um Decreto Real, a fala de Pelé é um poema e uma filosofia. A palavra de um Monarca é incontestável, possui o respaldo da autoridade divina. O que o Eterno Camisa 10 do Futebol Mundial proclama é Lei. Não sou e não tenho capacidade para ser um Jean Bodin ou um Jacques Bossuet. A legitimidade do Rei emana do inefável absoluto e, por conseguinte, dispensa tolas e inúteis justificativas, despreza nossa vã filosofia e palavreado. Eu, contudo, gostaria de escrever duas ou três palavras sobre Zizinho, minha nota de rodapé sobre O ídolo do Rei.

    Tomás Soares da Silva, o Zizinho, começou sua carreira futebolística em 1939, época de consolidação do profissionalismo no futebol. Fez história em clubes como Flamengo, São Paulo e Bangu. Antes da CLT do futebol, o profissionalismo, o esporte mais popular do Brasil ainda não era popular. Na era do amadorismo, os principais clubes e ligas do Brasil exibiam um perfil elitista e, de forma geral, os regulamentos impediam que o futebol fosse praticado pela população pobre e trabalhadora. No Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX, o Bangu foi uma das poucas e raras exceções. 0 alvirrubro da zona oeste do Rio era uma das escassas agremiações que jogava com classe – a classe trabalhadora. Desde os primórdios, os banguenses contavam com operários dentro das quatro linhas.

    Zizinho carregou a honra e a responsabilidade de ser ídolo e referência para Pelé, o maior do mundo.

    Nascido no subúrbio de São Gonçalo, Zizinho começou sua carreira profissional no Flamengo, no final da década de 1930. O Ídolo do Rei é filho do trabalhismo futebolístico, o profissionalismo. Pelo Rubro-Negro, o Mestre marcou época e foi proclamado ídolo. Defendendo o clube da Gávea, o Craque foi tricampeão carioca e, até hoje, é um dos maiores artilheiros da história do clube – marcou 146 gols. Entre 1950 e 1957, Ziza jogou pelo glorioso e simpático Bangu. Já como atleta contratado do alvirrubro carioca, Zizinho jogou a Copa do Mundo de 1950. A Seleção, nós sabemos, não conquistou a Jules Rimet. Na segunda melhor Copa do Mundo da história, entretanto, nosso Herói foi eleito o melhor jogador da competição – o Da Vinci que pintava com os pés. O Craque encarnava a virtude plena da brasilidade.

    No Mundial de 1950, contundido, Ziza ficou de fora das duas primeiras partidas da Seleção. O inovador sistema de jogo de Flávio Costa, o WM diagonal, não emplacava. A Seleção vencia e… não convencia. Faltava o Craque, o Gênio que faria o conjunto funcionar. Zizinho jogou apenas no último e decisivo jogo do Brasil na fase de grupos: os adversários jogavam pelo empate. Marcando o gol da vitória contra a Iugoslávia, Zizinho era a peça que faltava para a esquema tático engrenar. No quadrangular final, na impactante vitória por 7 a 1 contra os suecos, o Craque marcou outra vez. O gol, contudo, foi anulado. Mal anulado. A goleada histórica deu confiança ao Selecionado Brasileiro. O Brasil vestia os trajes do favoritismo.

    Na partida contra a Espanha, o Gênio foi consagrado o Da Vinci da bola. O Brasil massacrou os ibéricos: 6 a 1! Ziza foi o protagonista e os jornais transbordavam adjetivos. No exterior, os analistas exaltavam a técnica brasileira, nosso futebol era considerado o futebol do futuro, a máxima perfeição técnica e estética que a humanidade poderia alcançar. Sobre Zizinho, um jornalista inglês datilografou: ‘’Não se trata apenas de um craque, dos muitos craques que andam espalhados pelo mundo. Zizinho é um gênio. Um homem que possui todas as qualidades que podem ser idealizadas para que um profissional chegue perto da perfeição¹.

    Para os italianos, a perfeição brasileira era sinônimo de arte e razão: ‘’Na partida entre Brasil e Espanha aconteceu tudo que se poderia imaginar teoricamente no futebol. Houve ciência, arte, balé e até jogadas circenses. Porém entre os onze jogadores desse time mágico do Brasil, um se destacava. Era Zizinho, o maestro da equipe. Seu futebol fazia recordar Leonardo da Vinci pintando alguma coisa excepcional. Um Da Vinci criando obras primas com os pés no imenso gramado do Maracanã.’’² O leitor pode alegar que os italianos são exagerados, hiperbólicos. A verdade, amigos, é que pela primeira vez os italianos foram adeptos do eufemismo e da timidez. Zizinho encarnava a força artística da renascença inteira.

    Zizinho, o Ídolo do Rei, é o arquétipo da qualidade humana brasileira. O ser humano completo: forte, hábil, defensivo, ofensivo, técnico, inteligente, saudável, racional, emotivo e decisivo. Mestre Ziza é um símbolo do Brasil que ainda existe em nós, que persiste dentro de cada brasileiro. Nosso Gênio é o signo do Brasil que buscava o desenvolvimento, o País que crescia, se modernizava e procurava resolver suas chagas históricas. Precisamos recuperar a Pátria que buscava no futebol, na arte, na música, na literatura e nas ciências o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Zizinho é um marco histórico e, ao mesmo tempo, atemporal. O Da Vinci dos pés é um estandarte de nossa capacidade civilizatória, do ímpeto para o desenvolvimento completo: social, econômico, cultural, desportivo, tecnológico e humano. Zizinho é a verdade do Brasil potencial.

    E viva o Ídolo do Rei…

    1. Willy Meisl correspondente inglês do World Sport.

    2. Giordano Fattori, repórter da La Gazzetta dello Sport.

    Teixeira Mendes
    Cronista, crítico e historiador esportivo.

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    4 COMENTÁRIOS

    1. Futebol e cultura, futebol é arte, futebol é nossa segunda língua. Parabéns ao autor que coloca essa paixão Nacional traduzida em textos de excelência!!

    2. Sozinho nos deixa saudades
      De um futebol com arte e beleza afinal ser idulo do rei tem que ser e ter a qualidade e genialidade do tamanho da honra de ser idulo do maior jogando de futebol do universo

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