Há décadas o mundo vem se preocupando em como substituir os motores de combustão interna movidos a gasolina ou óleo diesel, ambos derivados do petróleo, por alternativas mais econômicas e menos poluentes. Inicialmente a preocupação estava mais relacionada com o fato de o petróleo ser um recurso não renovável cujas reservas estão se esgotando e, em menor grau, com a poluição do ar nos grandes centros urbanos. Atualmente, a questão ambiental ganhou destaque e novos contornos, frente a constatação de que a elevação de temperatura na terra em 1,5°, considerada pelos cientistas um ponto de inflexão fundamental para o planeta, além do qual as chances de calor extremo, inundações, secas, incêndios florestais e escassez de alimentos e água se tornarão ainda mais prováveis, já aconteceu.
Em 1973, o governo brasileiro criou um programa chamado Próalcool. O principal motivo da criação do programa foi justamente a de diminuir a dependência brasileira do petróleo, cujo preço disparou subitamente em 1973, quando ocorreu o chamado primeiro choque do petróleo. A indústria automobilística brasileira reagiu positivamente adaptando os motores a gasolina para funcionarem primeiro com um percentual de álcool adicionado à gasolina, para em seguida desenvolver motores que funcionam apenas com álcool e, finalmente, motores chamados “flex fuel”. Enquanto isso, os países ricos passaram a apostar em outra direção: os carros elétricos. A principal dificuldade técnica era o tamanho das baterias e sua capacidade de armazenamento de energia para manter os carros rodando por períodos e distâncias razoáveis. Também foram feitos grandes avanços nessa tecnologia. Surgiram os carros híbridos a gasolina, movidos por eletricidade e combustível e, posteriormente, os carros 100% elétricos que não contam com motor movido a combustão.
Os carros 100% elétricos dependem, obviamente, do fornecimento de eletricidade para carregar as baterias dos veículos, eletricidade esta que tanto pode ser produzida por fontes renováveis (hidrelétrica, eólica e solar) quanto por fontes não renováveis (carvão e petróleo) e da existência de uma rede de abastecimento, além da necessidade de adaptação da rede elétrica de casas e edifícios de apartamentos para a instalação de carregadores. Já os carros híbridos dispensam essa infraestrutura na medida em que se carregam rodando.
A questão é que os carros 100% elétricos, além de exigirem uma ampla infraestrutura de abastecimento, ainda não existente no país e sem perspectiva de vir a ser implantada no curto prazo, resolvem apenas parcialmente o problema da geração de CO² e outros gases do efeito estufa uma vez que a maior parte da eletricidade necessária para carregar as baterias vem de fontes não renováveis e poluentes como carvão e petróleo, sobretudo nos países ricos do hemisfério Norte.
Uma outra solução, entretanto, vem ganhando força, sobretudo no Brasil. São os carros híbridos a etanol. Além de não gerarem poluição pois a queima do álcool para fazer funcionar o motor de combustão interna dos veículos que, por sua vez, vão carregar as baterias elétricas do próprio veículo, gera uma quantidade ínfima de CO², esses carros não exigem a instalação de infraestrutura adicional, pois todos os postos de combustíveis do Brasil oferecem também o etanol. Os motores híbridos a etanol aparecem, assim, como excelente alternativa para mover a frota nacional de veículos automotores e, caso se criem as condições para a formação de um mercado global de etanol, do resto do mundo.
O jornal Valor Econômico (19/4/2024) reproduz a fala de Tyler Li, presidente da BYD no Brasil, que afirmou que o Brasil tem a oportunidade de desenvolver um mercado de carros híbridos ainda mais sustentável que o de países como China, EUA e os europeus. “Segundo o executivo da fabricante chinesa de veículos elétricos — e que já se reuniu com o governo para discutir a produção de carros bioelétricos —“ficou claro que o futuro para o Brasil está nos carros híbridos.”. A razão é a tecnologia brasileira do etanol. Comparado com a China, EUA ou Europa, em que ainda se usa apenas carro a combustão, aqui a solução é ter etanol no sistema híbrido, junto com o elétrico. Aí o veículo será muito mais “verde” que os de outros países, e esse será o novo mercado — disse Tyler Li, presidente da BYD no Brasil”. Ainda segundo o executivo, “outra vantagem competitiva brasileira é a disponibilidade de lítio, matéria-prima das baterias de carros elétricos. — As reservas de lítio estão na América Latina, e uma das maiores fica no “Vale do lítio”, em Minas Gerais — lembrou.”.
Segundo a revista Petrus (26/3/2024), “O carro bioelétrico – a mais simpática e precisa definição para o carro híbrido a etanol, uma exclusividade brasileira até o momento – é a mais promissora aposta da indústria automotiva instalada no País e está por trás de parte considerável de investimentos de fabricantes, que devem somar R$ 117 bilhões até a virada da próxima década, segundo calcula o MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.”. Ainda segundo a revista, “Ao mesmo tempo em que reduzem emissões – até mais do que elétricos a depender do cálculo – os híbridos podem garantir maiores ganhos econômicos ao Brasil com diferencial de faturamento da ordem de R$ 7,4 trilhões para a indústria ao longo dos próximos trinta anos, caso esta seja a tecnologia preferencial adotada pela indústria automotiva no País.”
Segundo o jornal Valor (05/9/2024), “O Centro Tecnológico da General Motors em São Caetano do Sul (SP) se prepara para desenvolver dois modelos de carros híbridos, os primeiros eletrificados da GM que poderão ser abastecidos com etanol. A adesão da montadora, terceira no mercado brasileiro, deixa clara a tendência de a próxima geração de carros fabricados no Brasil ser majoritariamente formada por híbridos a etanol. Os novos projetos absorverão a maior parte do investimento de R$ 5,5 bilhões que a montadora destinará às operações em São Paulo, principalmente em São Caetano, onde está a sua maior fábrica no país e também o centro que desenvolve veículos para toda a região. Os recursos fazem parte do ciclo total de R$ 7 bilhões, anunciado pela companhia em janeiro para o período entre 2024 e 2028.”.
Segundo o site Seu Dinheiro (28/4/2024), “Recentemente, dois gigantes da indústria manifestaram seus interesses e cada um defendeu suas estratégias. O grupo Stellantis, um dos maiores conglomerados automotivos e líder nas vendas do Brasil com as marcas Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e Ram, está investindo no desenvolvimento de motores flex com tecnologias híbridas (leves, convencionais e plug-in). Do outro lado está a General Motors, disposta a nacionalizar toda sua produção de veículos elétricos em um futuro não muito distante. O discurso já vem sendo amenizado com o termo “eletrificado”, ou seja, com possibilidade de haver uma transição para híbridos. A defesa do etanol ganha cada vez mais adeptos. A chinesa GWM, que nos próximos meses deve iniciar as operações em sua planta de Iracemápolis, interior de São Paulo, já anunciou que desenvolve motores híbridos flex para futuros produtos. Ao divulgar um novo ciclo de investimentos na América do Sul (na ordem de R$ 9 bilhões, entre 2025 e 2029), a Volkswagen anunciou que prepara um novo motor híbrido flex. A Toyota, pioneira na tecnologia desde 2019 ao lançar o híbrido flex no Corolla (e depois no Corolla Cross) — os primeiros eletrificados a beberem etanol — desenvolve agora um inédito híbrido flex plug-in (a recarga feita na tomada, mais eficiente e maior autonomia). A Nissan e a Renault também estão com um projeto de motor turbo híbrido flex.” Ainda segundo o site, “Fato é: combinar etanol com eletrificação nos veículos surge como uma das soluções mais viáveis a curto prazo, quando se trata da descarbonização. São veículos que já contam com ampla infraestrutura do combustível por todo o país. Diversos estudos defendem que as emissões de carbono são menores em carros eletrificados se movidos a etanol do que os puramente elétricos, considerando a matriz elétrica limpa do Brasil. De acordo com um trabalho da Unicamp, o ciclo de vida de um carro híbrido movido a etanol, do berço à roda, com rendimento de 12 km/l com etanol emite menos gases de efeito estufa do que um carro elétrico, considerando que a bateria dure 200 mil km. E já falamos que as emissões dos elétricos ocorrem principalmente na fabricação da bateria e na recarga delas na rede elétrica. Em termos de eficiência, o etanol leva vantagem. Na análise da Unicamp, uma bateria de lítio de 400 kg proporciona autonomia máxima de 380 km para um veículo elétrico. Com 40 kg de etanol, ou seja, 10% da massa de uma bateria de lítio, é possível rodar, no mínimo, a mesma quilometragem que o carro elétrico. Um veículo híbrido de alta eficiência movido a etanol pode facilmente rodar 700 km com 40 kg de combustível. Resultado: maior autonomia, facilidade de reabastecimento e menor peso sendo transportado. Por isso, muitos defendem que a sinergia da eletrificação via etanol é o caminho natural, acessível e praticamente já disponível.”