O coronavírus – de que lado estão os anti-transgênicos?

    A medicina conheceu avanços e vitórias com o uso de organismos geneticamente modificados.

    Esse artigo é minha homenagem a todos os cientistas que foram atacados pela campanha “Por um Brasil livre de transgênicos”, em especial aquele que gastou e gasta seu precioso tempo me explicando sobre vários detalhes relacionados com  a biotecnologia, Dr. Walter Colli.

    “Biotecnologia” é atualmente um vasto campo científico, incluindo inúmeras e complexas subespecialidades, as quais contribuem, cada vez mais amplamente, para a melhoria da qualidade de vida da humanidade. É o resultado de uma longa evolução técnica, mas sua rápida expansão ocorreu, sobretudo, na década de 1980. Graças a esse avanço, é possível desenvolver plantas transgênicas com maior resistência às secas, alagamentos, doenças e pragas.

    Muitas plantas transgênicas já são realidade e evitam, ou pelo menos diminuem drasticamente, o uso de insumos agrícolas, incluindo agroquímicos. Além disso, a biotecnologia vem desenvolvendo plantas transgênicas alimentícias enriquecidas com nutrientes que elevam a qualidade da alimentação nas regiões mais pobres e desnutridas do planeta. 

    Mas sempre é importante lembrar que a transgenia não se resume exclusivamente à agricultura. Pelo contrário, seu uso se expande continuamente em outras atividades e usos práticos ou científicos. A insulina que muitos tomam e, por isso, sobrevivem à diabetes, é transgênica. Várias vacinas e medicamentos são transgênicos. No momento, várias equipes de pesquisadores em todo o mundo estão arduamente lutando pelo desenvolvimento de vacinas e medicamentos contra o coranavírus (inclusive por meio da transgenia). Sob a tragédia da pandemia do coronavírus, todos aqueles envolvidos querem ser os pioneiros na oferta de uma vacina eficaz, que interrompa esse drama mundial.

    A campanha contra os transgênicos buscava atingir a reputação dos cientistas e de suas pesquisas.

    Há pelo menos duas décadas, rigorosos relatórios científicos preparados sob os auspícios das mais renomadas academias de todo o mundo, também seguindo estritos cânones das práticas da pesquisa, manifestam categoricamente a segurança dos transgênicos. Estamos há longo tempo nos alimentando e tomando insulina, vacinas e medicamentos transgênicos, sem nenhum efeito deletério. A chamada “salvaguarda da precaução”, a esta altura, estaria mais do que assegurada, pois tem sido impossível aos opositores dos transgênicos apontar qualquer dano à saúde e à segurança alimentar.  

    Curiosamente (e de certa forma inesperada), o final do Século 20 experimentou avanços sem precedentes e extraordinários na ciência, mas também presenciou gradualmente a ascenção das “forças sociais anti-ciência”. Há razões históricas que explicam a emergência desse retrocesso. São promovidas, em especial, por aqueles que propalam diversas teorias autointituladas pós-modernas, as quais se tornaram relativamente populares em várias partes do mundo. Difundem, principalmente pela internet, falsidades e teorias conspiratórias, espalhando o medo, supostamente em nome “do natural” contra “o artificial”. São pessoas e grupos organizados que fingem não enxergar os enormes benefícios da ciência em todas as áreas da vida humana, sendo seletivamente contra algumas tecnologias. A maior parte desses indivíduos, ao passo que desfrutam de inúmeras tecnologias modernas, como Wi-fi, iphone, ar-condicionado, geladeira e avião, contraditoriamente fazem parte dos movimentos anti-vacina e anti-transgênicos. É um fenômeno social em escala quase mundial e de profunda complexidade explicativa, gerando mudanças de comportamentos sociais, especialmente entre as camadas mais jovens, até mesmo de alta escolaridade, dos países do capitalismo avançado, com particular força nos países da Europa Ocidental e em largos segmentos sociais dos Estados Unidos.

    É consenso que, nesta guerra que estamos travando contra o coronavírus, a humanidade precisa desenvolver  com urgência vacinas e medicamentos contra a pandemia. Mas também é necessário produzir alimentos nutritivos e em abundância. E essas reações sociais não podem ser menosprezadas, pois são influentes.

    No caso dos transgênicos, por exemplo no final de abril a União Europeia deve aprovar a nova Política Agrícola Comum, intitulada “Da fazenda ao garfo” (F2F – “From farm to fork”) e esta inclui diversas ações para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável. E entre tais iniciativas, provavelmente o banimento de sementes geneticamente melhoradas (transgênicas), o que representaria a vitória das ONGs daquele continente sobre o tema. Na prática, se assim for, a agricultura da União Europeia estará condenada a apresentar níveis de produtividade mais baixos do que seus competidores internacionais, em típico retrocesso social.

    Plantas geneticamente modificadas ajudam a baratear e tornar mais acessíveis os alimentos.

    Críticas sobre o movimento anti-vacina, por óbvio, são dispensáveis. Por isso, atenho-me ao movimento anti-transgênico. Ser contrário ao uso de variedades transgênicas significa concretamente ser também contra o acesso aos alimentos pela grande maioria da população brasileira (de rendas baixas), que foram incrivelmente barateados nos últimos trinta a quarenta anos. A redução do preço dos alimentos somente ocorre por meio do aumento da produtividade agrícola, justamente, o que vem sendo alcançado pela agricultura moderna e, mais recentemente, com a fundamental contribuição dos transgênicos. Rechaçar os transgênicos é recusar a possibilidade de oferecer alimentos com maiores concentrações de nutrientes aos mais pobres. E evitar os transgênicos irracionalmente é também ser contra vacinas e medicamentos geneticamente modificados.!

    Por isso, nessa guerra que ora travamos, em meio à pandemia do coronavírus, posicionar-se contrariamente às vacinas ou aos transgênicos é, concretamente, estar do lado do vírus e da morte. São posturas que somente poderiam ser enquadradas como crime contra a Humanidade.

    Não esqueçamos que, há mais de 20 anos, foi lançada entre nós a “Campanha por um Brasil livre de transgênicos”, formada por ONGs nacionais e internacionais. Desde então, seus proponentes vêm repetindo monótona, mas amplamente, a mesma ladainha contrária aos transgênicos. Seus líderes, documentos e ações já “fizeram a cabeça” de muitas pessoas mais desavisadas ou desinformadas que, de forma impensada, às vezes reproduzem a cansativa retórica. Infelizmente, essa “Campanha” obteve algum sucesso no atraso da pesquisa nacional e no uso de importantes produtos transgênicos. Em várias ocasiões, os “anti” atacaram não somente os transgênicos, mas também a reputação de quem os defende, incluindo os mais renomados cientistas brasileiros.

    Não tenho dúvidas de que, nesse momento,  todos aqueles que se envolveram na “Campanha” ou em ações explicitamente contrárias à transgenia estão quietos e ocultos, suando frio e torcendo para que os mesmos cientistas que sempre atacaram desenvolvam o quanto antes vacinas e remédios contra o coronavírus. E também, sem dúvida, torcem ardentemente para não haver desabastecimento de alimentos a baixo custo, como tem sido uma das dádivas da ciência para o aperfeiçoamentos social do Brasil.

    Engenheira agrônoma, Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Doutora em Ciências Sociais.

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    8 COMENTÁRIOS

    1. Esse título é um desserviço ambiental.
      Um OGM de empresa que só visa lucro e pode matar larvas de abelhas é diferente de um que gera insulina humana feito por pesquisa pública.
      Joga a população contra ambientalistas e contra pesquisadores preocupados com a segurança da vida humana.
      Todos sabemos que o problema não é o OGM em si, mas a falta de testes garantindo a segurança de alguns deles.
      Não é a E. Coli produzido por instituição de pesquisa de interesse público que produz insulina, mas o milho transgênico que mata larvas de abelhas produzido por empresa que só visa o lucro e acelera politicamente o licenciamento ambiental reduzindo testes de segurança necessários.
      Não deturpem o discurso ambientalista!

    2. Deixa de explorar uma ciência tão embasada, é não lembra que os primordiais sempre utilizavam as ervas como solução. O Dr Raiz já fez diferença na vida de mutos, mesmo com o pouco conhecimento de transgênico. O vegetal precisa ser diverso e não escasso por vírus.

    3. E o governo não ajuda o ministério de ciência e tecnologia, e nossos melhores cientista emigram para outros países e ficamos lastreados só no agronegócios.

    4. Que formação interessante!
      “Engenheira agrônoma, Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Doutora em Ciências Sociais”.
      Muito esclarecedor o artigo. Obrigado!

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