*Marcos Rehder Batista
No início de março a Fundação Ulysses Guimarães, órgão de formação política do MDB, anunciou o lançamento oficial do rotsite do programa O Brasil precisa pensar o Brasil, na internet desde o final de fevereiro. Trata-se de uma série de encontros nos estados e com lideranças nacionais do partido para a elaboração do programa partidário para 2026[1]. O primeiro aconteceu ainda em março, no Paraná, e para maio já estão agendados outros cinco (Amapá, Acre, Santa Catarina, Amazonas e São Paulo)[2].
Desde 2021 o MDB promove uma série de debates virtuais sob o mesmo título, e agora, sob a coordenação-geral do ex-ministro Aldo Rebelo, irá elaborar até setembro um documento para orientar os posicionamentos do partido para 2026. Os eventos virtuais continuarão, de natureza temática, e integrados a um projeto consolidam uma proposta para o país. Para quem acompanha as atividades das fundações de partidos como PSD e União Brasil, outros partidos que não estiveram na chapa vencedora das eleições de 2022 e que atualmente compõem a base do governo, sabe que nelas acontecem debates e publicam-se estudos sobre os posicionamentos de suas lideranças. Nada pode ser mais saudável que este tipo de movimento nacional.
Frequentemente associado ao “centrão”, a elaboração de uma agenda desta magnitude põe em xeque este estigma. Aliás, conforme estudo de Gabriella Bezerra e Márcia Vieira (2022), do LEPEM-UFC, dados do Observatório do Legislativo Brasileiro apontam que os maiores partidos comumente classificados assim possuem índices de coesão da bancada muitas vezes comparáveis aos considerados mais orgânicos, como o PT, acima de 0,9. Este foi o caso do MDB até 2020. Talvez seria mais adequado chamá-los de “não alinhados ideologicamente”[3]; são especialmente hábeis na construção de convergências.
Observou-se uma queda neste índice que avalia se os deputados do partido votam juntos, atualmente em 0,599, e o diálogo interno proposto pode ter como resultado a recuperação de sua coesão. O rico conjunto de debates programáticos feitos até então poderá ganhar ressonância em seus quadros, independente das posições orientadas por governo e oposição.
Inicialmente, o “Pensar o Brasil” concentrará esforços em cinco pautas essenciais: reforma política, capital humano, meio ambiente, economia e políticas sociais. Sobre a reforma, levanta o tema da inovação na gestão pública e o da governança, cujo primeiro referencial nacional estabeleceu-se por decreto de Michel Temer em 2017 e ainda está em vigor. Capital humano trata basicamente de educação, formação profissional e C&T. A questão ambiental prioriza a transição energética e as alternativas produtivas dentro de parâmetros sustentáveis (incluindo o agronegócio), e no que tange ao desenvolvimento econômico pensa a regionalização das prioridades e a infraestrutura. As políticas sociais estão diretamente vinculadas à inclusão produtiva, tal que a proteção social surge enquanto apoio e não como carro chefe.
São agendas objetivas, capazes de estabelecer conexão com atores de centro, tanto à esquerda quanto à direita. Esta característica também marca a liderança escolhida para coordenar a execução, Aldo Rebelo, que foi multiministro de governos petistas e simultaneamente é capaz de dialogar com a atual direita.
No passado conseguiu, ainda filiado ao PC do B, articular junto a setores conservadores mesmo representando governos de esquerda, como na relatoria do Código Florestal. Além da conhecida habilidade de articulação, pode ter mudado de partido, mas não mudou de propósito, dado que sua coerência nas pautas que defendeu ao longo de décadas pode muito bem ser confirmada em seu livro O quinto movimento. Nele reconstitui sua trajetória – como raras vezes se vê no meio político -, principalmente em temas como meio ambiente, agronegócio, nacionalismo desenvolvimentista, segurança jurídica do Estado e forças armadas. Em resumo, todos sabem quem é e como conduz as coisas, oferece um caminho seguro.
Dada a dimensão partidária a que se propõe, a capilaridade que possui pelo território nacional e a consolidada capacidade de articulação interpartidária do MDB, o “projeto” tende a somar esforços junto aos partidos já citados para repaginar o campo dos setores “não alinhados ideologicamente”. Mais que isso, ao invés de desconfiança, poderia despertar atenção entre os atuais lados da polarização, considerando-se o desempenho destes setores moderados nas eleições do ano passado. Tende a oferecer um termômetro dos anseios predominantes na sociedade brasileira, sem radicalismos (talvez, já fora de moda). Acompanhar de perto pode ser muito útil para todos que desejam uma pauta estável, consistente e viável.
*Marcos Rehder Batista, pesquisador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo – CEAP (EAESP-FGV), foi coordenador-adjunto de Articulação Política e coordenador de Formação do “Direitos Já! Fórum pela Democracia”.
[1] – O evento de apresentação do projeto aconteceu em 19/3/2025, em Brasília, e mais informações podem ser conferidas nesta matéria postada no rotsite do “O Brasil precisa pensar o Brasil”:
[2] – Os encontros estaduais presenciais já agendados podem ser conferidos no seguinte link: < https://pensarobrasil.com.br/encontros-regionais/ >
[3] – Escrevi um texto ano passado sobre o trabalho de Gabriella Bezerra e Márcia Vieira, no qual sustento o uso do termo “não alinhados ideologicamente” em substituição a “centrão”, conceito pouco esclarecedor e que contribui muito pouco para a compreensão deste espectro político. Segue o link para meu artigo: