No jardim das lendas neoliberais

    As provações de Moisés - afresco de Sandro Botticelli (1481-1482)
    As provações de Moisés - afresco de Sandro Botticelli (1481-1482)

    No dia 29/8, no programa Miriam Leitão na GLOBONEWS, duas economistas de escolas opostas, Silvia Mattos da FGV-IBRE, expoente da ortodoxia ultra neoliberal da ECONOMIA SEM ESTADO, e Laura Carvalho, da FEA-USP, hoje um dos nomes mais expressivos da visão moderna do pensamento econômico que equilibra Estado com mercado, voltado para as circunstâncias e não para uma cartilha fixa e, pior ainda, cartilha velha e gasta do neoliberalismo que gerou a mega crise de 2008, resolvida pelo Estado, algo que os neoliberais fazem questão de esquecer e jamais citar.

    Impressionante o credo neoliberal carioca expresso por Silvia Mattos, cuja síntese é; NÃO HÁ OUTRO CAMINHO, é recessão, corte de gastos, o que causa mais recessão, depois mais corte de gastos, depois mais reformas para cortar direitos trabalhistas, depois mais cortes de gastos e mais reformas ao infinito.

    A mesma loucura que o Presidente Herbert Hoover queria implantar para enfrentar a Grande Depressão de 1933, a lição da História nada adiantou para a FGV-IBRE. O impressionante é que eles NÃO TÊM DÚVIDAS, não debatem, não há outra angulação, uma visão alternativa, uma reflexão sobre o que outros países ricos e emergentes fazem em recessões, nada, eles só enxergam um caminhozinho, é fazer sacríficos, mas não deles, dos outros.

    https://www.ineteconomics.org/perspectives/blog/the-sacrificial-rites-of-capitalism-we-dont-talk-about

    A linha NEOLIBERAL COM SACRIFÍCIO DO POVO, MAS NÃO DO RENTISMO, é a linha da atual ação do governo brasileiro que leva o País ao desastre infinito.

    É surpreendente que a FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS não honre o nome de seu patrono e caminhe sua escola de economia pela mais gélida ortodoxia.

    A brilhante Laura Carvalho expôs de forma genérica sua linha, não havia ambiente para maiores indagações entre Miriam Leitão e Silvia Mattos, as duas na fé cega dos cortes cegos que vão sacrificar o futuro do País, na educação de novas gerações, na pesquisa avançada, na proteção do meio ambiente.

    O Brasil é hoje o único País importante do mundo onde impera um neoliberalismo cego inconteste, sem contraponto, retroalimentando uma recessão de cinco anos sem solução à vista, um fracasso absoluto de uma política que nasce fracassada pelos seus próprios fundamentos, a partir da gestão Joaquim Levy ao final do segundo mandato do Governo Dilma, de lá até agora os fundamentos ortodoxos de Levy se mantém via Meirelles e com Paulo Guedes.

    O desmonte dos bancos públicos

    A partir da gestão Meirelles no Governo Temer foi implantada uma política de desmonte dos bancos públicos brasileiros, dos maiores do mundo, locomotivas históricas do crescimento. O alvo da gestão Meirelles era sugar o BNDES em até R$500 bilhões, retirando do seu caixa os retornos de financiamentos, quer dizer, deixando o banco sem recursos para novas operações. Mas a gestão Paulo Guedes é muito pior, o intento declarado é neutralizar completamente o BNDES como impulsionador de crescimento, porque esse papel segundo essa visão é reservado ao mercado, portanto a mesma lógica se aplica na gestão Guedes ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica, alvo de propostas de privatização declaradas em aberto. Enquanto isso, BB e Caixa são sangrados com antecipação de dividendos ao Tesouro e a ideia básica é zerar sua capacidade de financiamento à produção e à moradia, transferindo essa tarefa aos bancos privados, que vão selecionar as operações rentáveis e ignorar as demais, eles não têm objetivo de políticas públicas, sua lógica é a dos dividendos.

    Os bancos públicos federais brasileiros que hoje são seis: BNDES, BRB, BB, CEF, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia, foram instrumento chave para o Brasil crescer entre 1950 e 1980 a maiores taxas do planeta e seu desmonte é uma declaração de opção pela recessão permanente, a estagnação como meta.

    A lenda do mercado resolve

    Nos projetos de infraestrutura, que incluem saneamento e moradia popular, há poucos que despertam interesse do mercado. O mercado quer projetos de alto retorno e prazo curto de maturação, é de sua lógica. Nesse critério, 80% dos projetos ficam completamente fora e só o Estado pode realizá-los por lógica de políticas públicas. Isso é assim no mundo inteiro, até nos EUA, onde a esmagadora maioria das obras de interesse público ficam por conta do Estado e não do mercado. É o caso de serviços de águas e esgotos, portos, aeroportos, rodovias, trens de passageiros, usinas hidroelétricas e reservatórios, metrôs, até ônibus urbanos, tudo é estatal nos EUA. Nesse sentido o Brasil já privatizou muito mais que os EUA, especialmente em rodovias, aeroportos e hidroelétricas.

    Portanto, contar com concessões para puxar o crescimento, como quer Guedes, é uma ilusão, os investidores vão escolher as cerejas do bolo, alguns projetos “filet mignon”, o resto fica para o Estado fazer ou não fazer. No entanto, essa lenda continua sendo repetida diariamente na mídia econômica.

    A FÉ CEGA NO NEOLIBERALISMO como solução para o Brasil sair da recessão deve ser debitada à mídia econômica, que fecha o debate sobre as notórias limitações do mercado para tirar o País da recessão e TAMBÉM das instituições acadêmicas, que se escondem atrás do biombo da ortodoxia hoje nos museus do pensamento econômico moderno dos países ricos, só preservada no pequeno círculo dos neoliberais brasileiros que nada aprendem.

    Andre Araujo
    Andre Araujo, advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo, conselheiro da CEMIG-Cia. Energética de Minas Gerais e atualmente é consultor de Potomac Partners, consultoria em Washington.

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