*Professor Paulo Basso
As redes sociais se tornaram uma armadilha ardilosa para os que ousam propugnar um Brasil soberano, desenvolvido e apto a enfrentar os desafios do presente e do futuro. Convertidos em um fórum majoritariamente de discórdia, os espaços virtuais, cada vez mais, vão se tornando um “divã” para a desforra e a competição entre “neuroses”.
Os efeitos da pregação insidiosa do neoliberalismo e do identitarismo, instrumentos bélicos a serviço do imperialismo, destinados a exacerbar contradições e a corromper e a desarticular o tecido social, principalmente em nações geopoliticamente estratégicas, abarcam todos os setores da sociedade e não devem ser descurados. Deixar-se tomar pelo assoberbamento, adotando uma postura leviana e isenta de autocritica e correção de rumos permanente, inevitavelmente redundará em análises e a ações equivocadas, a um custo muito elevado, dada a atual conjuntura histórica. Um olhar mais acurado permite apreender sumamente duas consequências deletérias que aparentam resultar das interações virtuais na “ágora pós-moderna”.
Primeira: Sensação, deveras ilusória, de uma participação decisiva na definição nos rumos dos acontecimentos
Aqueles que se propõem, de maneira integral, a lutar pela soberania do nosso país, não deveriam ignorar que as redes sociais emulam sensações de satisfação em nossos cérebros – que, via de regra, não distinguem situações presenciais de interações virtuais. Nosso arcabouço perceptivo tem dificuldades evidentes em estabelecer o que convencionamos chamar de “realidade”. Ao apertarmos os famigerados “joinhas”, “coraçõezinhos” ou algo que os valha, somos “recompensados” com nossas doses diárias de dopamina (um neurotransmissor, responsável por levar informações para várias partes do corpo e que, quando é liberado, provoca a sensação de prazer e aumenta a motivação). Ninguém, por mais que tenha consciência desse fato, está livre desse efeito.
Por outro lado, para além da ilusão dopaminérgica, deve-se constatar a ativação do mecanismo subjacente de “luta ou fuga”. Na natureza bravia e nos espaços presenciais de interação social, quando ocorre contradição de interesses, opta-se pelo enfrentamento ou pela escapadela. Em seres sociais, tais interações, não ocasionalmente, podem redundar em consenso e distensão.
Em espaços virtuais, desimpedidos do “encarar”, confortáveis e livres de consequências significativas imediatas, a opção pelo ataque é quase uma inevitabilidade. Se contrapor a tal impulso exige disciplina trabalhada e convicções que não se abalam facilmente. Haja vista a facilidade com a qual o debate profícuo e consequente é obstaculizado e a rendição frouxa aos ímpetos de engalfinhamento perpétuo em debates irrelevantes se estabelece.
Dessa forma, vamos nos consolidando como guerreiros de sofá. “Veni, Vidi, ‘lacri’ Vici”. Disso decorre a segunda consequência deletéria.
Segunda: “Meu nacionalismo é melhor que o seu!”
No afã, muitas vezes sincero e comprometido, de defender e divulgar os ideais nacionalistas, em um “teatro de operações” evidentemente desfavorável, não parece inusitado que muitos se tornem zelosos, em demasia, dos seus pontos de vista e acabem por atuar, inadvertidamente, contra os próprios princípios que defendem.
Dessa forma, a partir de uma observação meramente panorâmica, fica patente a exacerbação de ânimos e a desarticulação em curso. É preciso ter clareza acerca do que enfrentamos.
Os impérios se enfraquecem e se desestabilizam devido a uma série de fatores – que perpassam contradições internas, achaque generalizado, insubmissão ao ordinário, incapacidade de perpetuação de liderança e do estabelecimento de balizas morais, dentre muitos outros. Entretanto, apesar dessas constatações generalizadas, a forma e os desdobramentos desses eventos históricos, em aparência, evidentes retrospectivamente, não nos permite dimensionar o devir do que vivenciamos. Nem garante, afinal, uma transição inexorável para um arranjo global multipolar e, muito menos, uma situação auspiciosa para o nosso país.
Não deveria ser desconsiderado que estamos em desvantagem e que as próximas rodadas no jogo geopolítico podem nos ser desfavoráveis. E, mesmo assim, nos damos ao luxo de antagonizar possíveis e prováveis aliados. O frenesi permanente, devidamente estimulado, nos conduz à superlativação das discordâncias pontuais e ao menosprezo do que deveriam ser pontos de convergência e unidade.
Não há espaço para titubear. O momento é grave e decisivo!
Nenhuma, repito e destaco, nenhuma corrente nacionalista vai lograr sucesso sem uma compreensão clara de que estamos espalhados dentro de um largo espectro ideológico. Um olhar atento e comprometido, nos permite encontrar nacionalistas incrustados nos mais variados matizes sociais e políticos: na direita, na esquerda, entre aqueles que não se valem desse binômio, nas diversas vertentes religiosas, no campo, na cidade, entre comunistas, trabalhistas, monarquistas… Você entendeu! O inimigo a ser batido é o entreguista, os lesa pátria, o traidor nacional, o capital financeiro e improdutivo.
Portanto, não avançaremos um passo enquanto nos pautarmos por uma atitude desagregadora que, em última instância, nos torna patetas, irrelevantes e hipócritas. A compreensão turva e o comportamento ignóbil de dar relevo absoluto às próprias convicções, em detrimento dos “nacionalismos errados”, inevitavelmente nos coloca em uma posição de adornos epistemológicos e não conduzirá a nenhuma transformação histórica significativa.
Que reste claro: não desconheço, nem ignoro ou desconsidero a importância dos espaços virtuais no desenvolvimento das lutas em curso em nossas sociedades. Entretanto, vamos ter que nos encontrar, em algum momento, nos espaços vitais de disputa política, irremediavelmente, presenciais. Não há possibilidade alguma de vitória em território plenamente dominado pelo inimigo.
Se a trajetória e a localização dos nacionalistas no espectro político brasileiro, copioso de contradições e peculiaridades, coloca-se como um impeditivo para a unidade de ação, depreende-se que a única atitude racional seria aderir aos inimigos da nação, renunciando à nossa brasilidade e se dedicando a outros afazeres.
Podemos caminhar ombreados mesmo com aqueles pelos quais segredamos desconfiança e antipatia. Uma dose salutar de abnegação, somada a uma compreensão adequada do que está em jogo, pode viabilizar o caminho em direção à nossa almejada libertação nacional, agregando no processo um leque de alianças, até então, não dimensionado – insinuando na alma o desejo inabalável da vitória.
*Identidade: brasileiro
*Lugar de fala: Brasil ocupado
Em tempo: para que não recaia sobre estas considerações a pecha professoral, ou mesmo pueril, gostaria de destacar a intenção autocritica da elaboração, parte de um esforço pessoal permanente de sobrepujar vieses cognitivos e posturas desagregadoras.