Mudanças climáticas colocam desafios inéditos para a agricultura brasileira

    (Foto: Sociedade Nacional de Agricultura)

    Não há nenhuma atividade econômica que seja mais suscetível aos caprichos da natureza do que a agricultura. No passado, não tão remoto, secas extremas provocavam êxodos humanos em busca da sobrevivência e até inspiravam obras-primas da literatura nacional, como Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Geadas inesperadas matavam os cafezais de São Paulo levando ao desespero e não raro ao suicídio muitos agricultores. Com o passar do tempo, avanços tecnológicos na agricultura, maior apoio do poder público e a transformação da agricultura de sobrevivência em atividade empresarial capitalizada contribuíram para proteger a atividade agropecuária das incertezas da natureza e transformar o Brasil em uma potência agrícola global.

    Diferentemente de outras áreas, em que o atraso tecnológico e a baixa produtividade nos colocam em clara desvantagem em relação aos nossos competidores globais, a agricultura brasileira não tem nada a dever em relação ao chamado mundo desenvolvido. No Brasil as ciências agrárias estão na vanguarda mundial e nossos agricultores batem recordes de produtividade ano após ano nas mais diversas culturas. Mas a aceleração das mudanças climáticas cria um cenário desafiador para a agricultura brasileira. Ano após ano, eventos climáticos extremos se sucedem, aparentemente com intensidade cada vez maior. Para um país cujo principal motor econômico tem sido a cadeia produtiva de alimentos, altamente dependente do clima, essas mudanças colocam desafios inéditos.

    A recente onda de queimadas, provocadas pelo clima seco, pelo manejo inadequado do solo e, não raro, por atividades criminosas é, ao mesmo tempo, um desafio e um alerta de que algo precisa ser feito para proteger a agricultura nacional, seja no campo da prevenção, seja no campo da mitigação, seja no campo da adaptação. As alterações climáticas são, ao mesmo tempo, um desafio tecnológico, um desafio institucional e um desafio geopolítico.

     Assim como se faz necessário que as ciências agrárias encontrem soluções para mudanças de longo prazo nas condições climáticas do país e do mundo, é preciso encontrar soluções institucionais que protejam a agricultura e coíbam práticas criminosas que só agravam o problema. Evidentemente a repressão a atividades criminosas é essencial, mas o enfretamento do problema não pode se limitar a isso. Preocupar-se com a educação e a conscientização ambiental não só dos agricultores, mas de toda a população, de forma alguma é uma questão de menor importância. Desprezar esses aspectos é a receita certa para o fracasso.

    Mas talvez o maior desafio esteja no campo da geopolítica, uma vez que a primeira reação dos países ricos é tentar encontrar soluções que os obrigue a realizar o mínimo, transferindo para os elos mais fracos da cadeia a maior parte do custo das atividades de mitigação e adaptação às alterações no clima. O protecionismo, principal instrumento das políticas mercantilistas dos países ricos, é como um camaleão que se camufla de todas as formas – segurança alimentar, segurança nacional, medidas fitossanitárias, direitos humanos, dentre outras.

    Mas a principal camuflagem do protecionismo atual é a proteção do meio ambiente. Por se tratar de um tema candente que preocupa o mundo todo, é relativamente fácil travestir medidas protecionistas com a roupagem da proteção ao meio ambiente e enganar os incautos. A nova lei antidesmatamento do bloco europeu, por exemplo, proíbe a importação de commodities de áreas desmatadas a partir de dezembro de 2020, seja desmatamento legal ou ilegal. Como destacou o Estadão (13/9/2024) “A medida pode afetar as exportações de produtos brasileiros como café, carne bovina, soja e cacau. Já o Código Florestal Brasileiro permite a supressão de área conforme o bioma. O Código Florestal determina que propriedades rurais na Amazônia Legal devem possuir 80% de reserva legal em áreas de floresta, 35% em áreas de cerrado, 20% em áreas de campos gerais. Nas demais regiões do País, o porcentual mínimo obrigatório de reserva legal é de 20%.”

    Como destacou Jamil Chade, colunista do Uol (12/09/2024) ao discutir a participação do presidente Lula na assembleia geral da ONU no mês de setembro último, “Nas discussões, um impasse ainda não foi superado: a insistência de países ricos em vincular a crise climática como uma ameaça à segurança internacional. Ainda que a transformação climática esteja gerando refugiados, guerras e que seja um desafio existencial, a suspeita dos emergentes é de que o novo foco minimize as responsabilidades históricas dos maiores poluidores e passe a dar um aspecto até militar para a crise ambiental. Guy Ryder, mediador do processo, admitiu ao ser questionado pelo UOL que ainda não há um acordo no capítulo que lida com a relação entre clima e segurança. O temor brasileiro e de outras delegações é de que a questão climática possa ser eventualmente transformada em uma questão de segurança, com medidas que poderiam ameaçar inclusive a soberania nacional. Para o Itamaraty, ao dar esse tratamento, o pacto minimizaria as causas das mudanças climáticas, limitando-se a tratar apenas de seus efeitos.”

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

    Não há posts para exibir

    Deixe um comentário

    Escreva seu comentário!
    Digite seu nome aqui