Jair, a Rosa dos brados imortais!

Texto dedicado ao escritor e palmeirense Paulo Rezzutti.

Em alguns momentos, o que realmente importa no futebol são as máximas. A bola, as taças, os templos e até os craques são secundários. Leiam as máximas de Napoleão e as guerras parecerão apenas um pretexto para a frase de efeito. Em algumas ocasiões, amigo leitor, também o futebol é tornado mero subterfúgio para criação de apotegmas e ditados. No folclore da bola também o provérbio é uma personagem. A frase curta, a declaração acalorada, a ênfase dramática de uma reclamação: o futebol é um esporte tagarela!

A maioria das frases boleiras são de autoria desconhecida. No fundo, quando olhamos para os provérbios do jogo, o futebol parece um biscoito chinês – importa mais a frase que o petisco. Quando não são de autoria desconhecida, os ditados futebolísticos são de autoria incerta. Todo e qualquer torcedor conhece alguma frase supostamente dita por Dadá Maravilha ou Nenêm Prancha. Para Vicente Matheus, o eterno presidente corinthiano, o que é um jogador ideal? – O Jogador tem que ser completo como o pato, que é um bicho aquático e gramático.

Há também os aforismos de arquibancada: em time que está ganhando não se mexe. Quem não faz… leva. Bola para o mato que o jogo é de campeonato. Pênalti que não é… não entra. Goleiro não pode falhar. Nem sempre verdadeiras, as frases e clichês de torcedor falam muito sobre a relação do brasileiro com o futebol. Minha sentença boleira preferida é: ganhar no grito! O que é ganhar no grito? Sabemos que não existe um campeonato de decibéis. No futebol, talvez e informalmente, exista uma disputa de volume entre duas torcidas em um clássico. Uma multidão grita de um lado; um ajuntamento humano, do outro, responde.

Jair da Rosa Pinto no dia do Jogo da Lama, quando o Palmeiras ganhou o campeonato contra o São Paulo.

Ao que parece, a expressão serve para designar uma estratégia desonesta, um tipo de triunfo que fere as regras do jogo – fulano ganhou no grito! Há, contudo, uma exceção. Sim.  E qual foi a única e legítima vitória no grito da história do futebol mundial? Na verdade, amigo leitor, trata-se de um empate. Um empate no grito. E, de acordo com a sabedoria de alambrado, um empate pode ter o sabor de uma vitória. Dizem que a vitória é doce. Também existem derrotas e empates amargos. Não sei que tipo de sinestesia maluca troca o sabor dos resultados. Na verdade, eu não saberia dizer que figura de retórica atribui ao placar um ou outro sabor. Seja o que for, eu quero falar do único empate no grito da história do futebol mundial.

No Campeonato Paulista de 1950, Palmeiras e São Paulo lutavam pela Glória. Para os Palestrinos, o certame parecia quase perdido, pois, o Tricolor gozava de plena vantagem. O leitor lembra de uma outra máxima do jogo, aquela que diz que o futebol é uma caixinha de surpresas? Exatamente! A paixão nacional é atravessada pelo improvável, pelo imprevisível e imponderável. No passado a vitória valia dois pontos e, na fase final da competição, o Tricolor Paulista ostentava três pontos de vantagem sobre o Verdão. Eis que o improvável acontece, leitor: faltando apenas três rodadas para o fim do campeonato, o São Paulo perderia duas partidas; o Alviverde, por sua vez, conquistaria duas vitórias.

Em duas rodadas, o favorito São Paulo via a liderança escapar, fugir feito o cão que encontra o portão aberto. O Palmeiras tomava a dianteira e, a última rodada, amigos, foi uma dessas imposições inexplicáveis do futebol – os rivais teriam de decidir o torneio! A fase final do Campeonato Paulista vestia os trajes trágicos e dramáticos de uma decisão, de um verdadeiro prélio entre gigantes. O futebol não é um esporte, amigos. É um escritor, poeta trágico que, certamente, é parente de Ésquilo ou Sófocles. Além das idas e voltas da tabela de classificação, o encontro final entre as equipes teve de acontecer diante do maior dilúvio da história. Diz a lenda que a tormenta era de um tal volume que até um Noé ficaria paralisado de pavor e tensão.

O clássico que decidiu o Campeonato Paulista de 1950 entrou para a história como o ‘’jogo da lama’’. A infinita tempestade que caiu sobre São Paulo fez do campo uma piscina. Melhor dizendo, amigos: não havia campo, só havia lama, um pântano terrível! O Palmeiras agora era o dono da vantagem, mas, o Tricolor buscava o tricampeonato e, com o ímpeto das feras indomáveis, partiu para cima do Verdão e venceu o primeiro tempo – 1 a 0! A vantagem voltava a ser são-paulina. Novamente, contudo, o futebol, o maior nome da história do teatro mundial promoveria outra reviravolta no enredo. O Palestra parecia vencido, imóvel e sufocado pelo lodaçal! Parecia…

Todos nós sabemos que as Rosas não falam. Que bobagem, amigos! Jair da Rosa Pinto fala, joga e grita! Sobre a memória da partida, os mais antigos relatos afirmam que o Palmeiras ganhou no grito. Melhor dizendo: empatou no grito e venceu a competição! No vestiário, o craque Jair foi decisivo. Elevou a voz, gritou e berrou com o time. Sua condição de craque e líder foi o elemento decisivo, imprescindível e, pela primeira vez, uma jogada começa no vestiário para terminar em gol do título. Como um verdadeiro Capitão, Jair da Rosa Pinto comandou a restauração do conjunto, atuou como um autêntico orientador, um homem que aposta no poder redentor da união do grupo.

Depois do brado, de exaurir os limites da ênfase e das exclamações, logo no começo da segunda etapa, a Rosa Palestrina começa a jogada triunfal. O grito de Munch é um sussurro perto da performance do craque! Driblando a lama e os adversário, Jair entrega para Achilles que, como um herói de epopeia, decide o destino verde e branco – arremata para reescrever a igualdade no placar. O Palmeiras segurou o empate e abraçou a taça com a vontade irrevogável da força de um Titã. A jogada que começou com a exasperada fala de Jair da Rosa Pinto, que terminou com Achilles, não só deu o título ao Palestra, mas, também, classificou o Verdão para o Campeonato Mundial de 1951! O Alviverde imponente derrotou o rival, a lama, a chuva, as forças incontroláveis da natureza para conquistar São Paulo e o Mundo!

-No último dia 22 de julho, com razão e orgulho, os palmeirenses comemoraram os 70 anos da conquista do Mundial. Da gritaria ao triunfo, da lama para o mundo: o Palmeiras é o primeiro clube Campeão Mundial! Pode soltar o grito de campeão, Torcedor Palmeirense! O Palmeiras é a mais perfeita expressão da glória e da paixão brasileira pelo futebol! Parabéns, Palmeiras!

Teixeira Mendes
Cronista, crítico e historiador esportivo.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Parabenizo Teixeira Mendes, o melhor comentarista esportivo do Brasil de hoje, por mais um primoroso artigo onde as palavras bailam como a bola conduzida pelos craques do futebol brasileiro. Oportuníssima homenagem a Jair da Rosa Pinto, ao grande Palmeiras e à Copa Rio, o primeiro Mundial de Clubes, brasileiríssimo como não poderia deixar de ser em se tratando da Pátria de Chuteiras.

  2. Assisti ao vídeo ontem do Sr ex Ministro Aldo Rebelo no canal Brasil Independente. Parabéns por cuidar da memória do Brasil e do esporte Nacional. Parabéns ao Palmeiras pelo mundial de 51.

  3. Concordo. Pra mim, sem medo de errar por exagero: você é o mais talentoso cronista do futebol. Mais um belo texto. Viajei na leitura .

  4. Mais uma vez, parabéns!!!
    Você se supera a cada crônica, Teixeira Mendes!!! Dá a impressão que estamos assistindo o jogo!!!
    Muito bom!!!

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