Guerra tecnológica dos Estados Unidos contra a China está produzindo o efeito contrário ao desejado pelos americanos

    A guerra dos chips entre Estados Unidos e China serve como um microcosmo de tensões geopolíticas e econômicas mais amplas. Na rivalidade tecnológica entre os as duas potências, particularmente na indústria de semicondutores, os EUA tentaram perturbar as cadeias de abastecimento globais com o objetivo principal de impedir o progresso chinês mas, ao que tudo indica, sem sucesso.

    Ao contrário, quanto mais restrições os Estados Unidos impõem sobre a China, mais a China acelera seu avanço para a fronteira tecnológica. Apesar dos esforços de Washington para restringir o acesso chinês à tecnologia avançada de chips, empresas chinesas como a Huawei e a SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation, de Xangai) têm feito progressos substanciais no design e fabricação de chips.

    Conforme noticiou o South China Morning Post, jornal de Hong Kong, a China já está produzindo chips de 7 nanômetros, que estão entre os mais avançados no mundo, dando um salto de duas gerações em relação ao que produzia antes. O avanço tecnológico chinês significa o fracasso da política dos Estados Unidos, que apostaram em sanções que proibiam a exportação de equipamento avançado de produção de chips para a China, tentando evitar que o país conseguisse progredir no desenvolvimento de seus circuitos com base em semicondutores.

    Segundo informou o South China Morning Post (27/11), “Burn J. Lin, um ex-vice-presidente conceituado da TSMC [a fabricante taiwanesa dos semicondutores mais avançados do mundo], disse que a SMIC deverá ser capaz de avançar na fabricação de chips de 5 nanômetros com os equipamentos existentes”. Segundo ele, “Os EUA deveriam ‘se concentrar em manter sua liderança em design de chips’, em vez de lutar contra a ‘estratégia de nação inteira’ da China”.

    Ainda de acordo o jornal, “a Huawei eletrizou a indústria de chips ao lançar um processador de 7 nanômetros fabricado pela SMIC no Mate 60 Pro, o novo smartphone da Huawei, provocando comemorações na China e acusações nos EUA de que uma campanha para conter a ascendência tecnológica do país havia fracassado. E a Yangtze Memory Technologies Co [outra fabricante chinesa de chips] agora também produz alguns dos chips de memória mais avançados do setor. Em outubro, a administração Biden reforçou as restrições existentes para fechar lacunas por meios das quais o país pode ter acesso a equipamentos americanos avançados, marcando uma nova fase na luta para influenciar tecnologias cruciais para o equilíbrio econômico e político, mas segundo Lin, os avanços chineses não podem ser interrompidos por sanções ‘fúteis’ dos EUA. Na opinião dele, a SMIC mostrou que ainda está fazendo progressos, apesar das restrições às exportações dos EUA em equipamentos avançados de fabricação de chips”.

    Os Estados Unidos, segundo o jornal, estão investigando se o Mate Pro 60 foi de fato produzido com o chip fabricado pela SMIC e, em caso positivo, como a SMIC é uma empresa sancionada pelos Estados Unidos, certamente vão querer abrir um novo processo contra a Huawei, como o anterior, que resultou na prisão da diretora financeira da empresa por vários anos no Canadá.

    A verdade é que as restrições dos Estados Unidos contra a China estão produzindo o efeito oposto ao desejado. Os Estados Unidos já foram líderes na fabricação global de semicondutores e ainda estão na vanguarda do design de chips, com empresas como Intel, AMD e Nvidia. No entanto, a China, com o seu ambicioso plano “Made in China 2025”, investiu fortemente no setor dos semicondutores e fez progressos significativos no sentido de diminuir a distância que a separa dos Estados Unidos. De acordo com o já citado ex-vice-presidente da TSMC, os EUA podem ter concedido inadvertidamente à SMIC uma oportunidade de ouro. Em 2020, Washington proibiu a TSMC – fornecedora do processador mais avançado do mundo para a Apple e a Nvidia – de fazer negócios com a Huawei. Foi então que a SMIC avançou para herdar as encomendas massivas que a ajudaram a melhorar a sua técnica de produção.

    Outra área em que a China parece ter fechado o gap tecnológico em relação aos Estados Unidos é na produção de submarinos. Segundo o Wall Street Journal (21/11), “Durante décadas, os EUA não tiveram que se preocupar muito com os submarinos da China. Eles eram barulhentos e fáceis de rastrear. Enquanto isso, os militares chineses lutaram para detectar os submarinos ultrassilenciosos dos EUA. Agora, a China está estreitando uma das maiores lacunas que separam os EUA os e militares chineses à medida em que avançam na sua tecnologia e nas capacidades de detecção submarina, com grandes implicações para o planejamento militar dos Estados Unidos para um conflito potencial sobre Taiwan”. Segundo o jornal, no início deste ano, a China colocou no mar um submarino de ataque movido a energia nuclear com um sistema de propulsão a jato em vez de uma hélice. Ainda segundo o jornal, foi a primeira vez que a tecnologia de redução de ruído usada nos mais avançados modelos dos EUA foi vista em um submarino chinês.

    Do ponto de vista militar isso é uma tremenda dor de cabeça para os Estados Unidos, porque implica em mudanças profundas na estratégia militar norte-americana e seus aliados no Pacífico. Como afirmou o jornal, em simulações de uma invasão chinesa de Taiwan conduzida pelos EUA, os analistas militares muitas vezes assumem que os submarinos dos EUA tentariam afundar navios da frota chinesa atacante. A destruição de navios chineses poderia ajudar a atenuar a invasão e permitir que Taiwan se defendesse melhor, mostram algumas das simulações, mas uma ameaça maior aos submarinos dos EUA complicaria em muito  essa tarefa.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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