Fazendas de Carbono: uma falsa solução

    No embalo dos desastres sociais que vem sendo provocados por eventos climáticos extremos, como a tragédia que assolou o Rio Grande do Sul no mês de maio, ganharam atenção da mídia algumas iniciativas que vêm sendo tomadas por grandes fundos de investimentos para a criação das chamadas “fazendas de carbono”.

    Matéria do jornal O Estado de São Paulo (13/05), com o título de “‘Fazendas de carbono’, uma oportunidade de US$ 15 bi ao Brasil, começam a mudar paisagem na Amazônia” descreve um empreendimento em curso no Estado do Maranhão realizado pela empresa re.green, que atua no mercado de crédito de carbono e tem no local sua primeira área na Amazônia Legal.

    Segundo a matéria, “Por trás da re.green estão investidores de peso. Fundada em 2021, a startup angariou R$ 389 milhões em investimentos que vieram do BW (escritório de investimentos da família Moreira Salles), da Gávea Investimentos (do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e com participação de Fábio Barbosa, CEO da Natura) e das gestoras de recursos Lanx Capital e Dynamo. Guilherme Leal, da Natura, juntou-se a eles. Fraga e João Moreira Salles fazem parte do conselho de administração da empresa.” Excelente exemplo de como o capital financeiro e o ambientalismo andam de mãos dadas.

    A matéria descreve como o negócio funciona. “Começamos comprando terras. Mas, nos últimos meses, estamos avançando em uma agenda de parceria com proprietários de terra degradada, tanto de empresas grandes como de pequenos proprietários”, afirma o diretor de tecnologia e inovação da re.green, Fernando Visser. Segundo ele, cerca de 80% dos clientes da startup são americanos ou europeus. Na semana passada, a empresa anunciou um acordo com a Microsoft para viabilizar a captura de 3 milhões de toneladas de carbono pelos próximos 15 anos, um dos maiores negócios de crédito de carbono conhecidos. Reduzir as emissões de carbono pode ser um processo difícil ou lento para alguns setores econômicos. A compra de um crédito de carbono é uma maneira de compensar as emissões para cumprir compromissos assumidos pelas empresas com seus consumidores e investidores, ou mesmo para cumprir determinações legais (nesse caso, dentro do mercado regulado).”

    Ainda segundo a matéria, “A ideia de um mercado de carbono que traga dinheiro e volume necessário é super relevante”, diz o pesquisador Paulo Barreto, do projeto Amazônia 2030.Segundo ele, é preciso desenvolver três iniciativas ao mesmo tempo para que o País cumpra suas metas: o controle do desmatamento, um pacote de soluções para promover a pecuária sustentável e as alternativas econômicas para recuperar o pasto já degradado. Estudo publicado em fevereiro pelo projeto Amazônia 2030, dos pesquisadores Paulo Barreto, Ritaumaria Pereira e Arthur José da Silva Rocha, aponta que a adoção de uma pecuária mais sustentável na Amazônia poderia liberar 37 milhões de hectares de terra para a restauração florestal. A proposta dos pesquisadores é concentrar a produção pecuária, com técnicas de aumento da produtividade, nas regiões que ficam a até 60 km de distância dos frigoríficos da região. Isso daria conta de toda a demanda de carne projetada até 2030. A maioria (55%) dos pastos que ficava além dos 60 km de distância de frigoríficos estavam degradados.”

    Em outro trecho da matéria lê-se que “A restauração de áreas degradadas é apontada como uma das medidas necessárias para o Brasil atingir as metas previstas no Acordo de Paris, uma vez que apenas zerar o desmatamento, especialmente de vegetação nativa da Amazônia, pode não ser mais suficiente para conter as emissões de carbono do País. Mas não só isso. O mundo olha para o Brasil, quando o assunto é crédito de carbono, pelo potencial de encontrar, aqui, solução para compensar as emissões de poluentes em países onde não há mais florestas ou área disponível para restauração”.

    Não há dúvida de que toda iniciativa visando a recuperação de áreas degradas por meio do replantio de florestas nativas é uma iniciativa louvável, sobretudo se puder se apresentar como alternativa de renda tanto para seus proprietários, como para os trabalhadores contratados para a realização desse trabalho. A China, por exemplo, desenvolve atualmente o maior programa mundial de reflorestamento, com o detalhe de que é feito em terras públicas, pois na China não existe propriedade privada da terra, apenas dos imóveis, e em áreas não adequadas para a agricultura.

    A pergunta, contudo, é: seriam essas “fazendas de carbono”,  a longo prazo, uma alternativa adequada para o desenvolvimento brasileiro vis-à-vis a recuperação dessas terras para a produção agrícola tradicional ou mesmo projetos de agrofloresta, onde a atividade agrícola e pecuária é desenvolvida simultaneamente com projetos de reflorestamento?

    Há alguns anos, a Associação dos Fazendeiros Americanos divulgou um documento chamado “Farms Here, Forest There” (Fazendas Aqui, Florestas Lá). O referido documento, defende que os países ricos, especialmente aos EUA, devem desenvolver a agricultura, cabendo aos países tropicais, especialmente o Brasil, preservar as florestas. Essa seria a nossa missão. O documento procura provar que o desenvolvimento da agricultura tropical prejudica os agricultores norte-americanos e conclui que é importante apoiar os movimentos ambientalistas nos países tropicais para evitar a expansão que o aumento da produção global de alimentos derrube os preços das commodities agrícolas.

    A ideia de substituir, embora não seja isso, fique claro, que essa empresa em particular esteja propondo, a agricultura tradicional para a produção de commodities agrícolas, por “fazendas de carbono” é a concretização, na prática, dessa proposta dos países ricos. Visto de uma perspectiva de longo prazo é óbvio que a produção de alimentos é muito mais lucrativa e socialmente útil do que a venda de créditos carbono. Não fosse isso, os países ricos estariam propondo o contrário: transformar suas terras agrícolas em florestas e transferir para nós a produção de alimentos. Além do mais, a cadeia produtiva da produção de alimentos é muito mais extensa que a do reflorestamento, abrangendo atividades a montante e a jusante das fazendas muito mais complexas e intensivas no uso do capital, tecnologia e do trabalho do que a simples produção de mudas. Isso não quer dizer, obviamente, que atividades de reflorestamento em áreas degradadas não possa ser uma alternativa, particularmente em terras públicas desmatadas ilegalmente, mas o Brasil não pode cair nessa armadilha de achar que vai ser a salvação do meio ambiente global à custa do nosso próprio desenvolvimento. Se é uma questão importante, precisa ser responsabilidade de todos. 

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

    Não há posts para exibir

    Deixe um comentário

    Escreva seu comentário!
    Digite seu nome aqui