Em sua passagem pelos Estados Unidos a caminho do Paraguai, Lai Ching-te, o atual vice-líder regional de Taiwan e candidato a substituir a atual líder, Tsai Ing-Wen, nas eleições de janeiro próximo, aproveitou para realizar, no final de semana de 13 e 14 de agosto, atividades de campanha em território norte-americano, apresentar-se como candidato confiável para os Estados Unidos e utilizar sua relação com Washington como um ativo de campanha. O governo chinês condenou o ato.
O episódio é particularmente grave, não só porque viola o princípio estabelecido entre China e Estados Unidos por ocasião do reatamento das relações diplomáticas entre os dois países, em 1979, de que a República Popular da China é o único governo legítimo de toda a China, inclusive Taiwan, que é parte da China, como também porque Lai Ching-te é um notório líder separatista que se autointitula “um político trabalhador pela independência de Taiwan”.
As posições separatistas do atual vice-líder e candidato do PDP às próximas eleições são bastante conhecidas. Em seminário realizado em 3 abril de 2018, quando já ocupava a atual função de vice-líder do governo de Taiwan, ele se declarou “um político trabalhador pela independência de Taiwan”. Quando perguntado sobre o significado dessa descrição de si mesmo afirmou, segundo o jornal Taiwan News (15/04/2018), que havia três crenças básicas por trás da posição: a primeira que Taiwan é um país soberano e independente e, portanto, não precisa de declaração de independência, posição que coincide com a da atual líder; segundo, que apenas os 23 milhões de habitantes do país têm o direito de decidir o futuro de Taiwan, desconhecendo que a ilha é parte inalienável do território chinês e, portanto, do interesse dos 1,4 bilhão de chineses e não apenas dos habitantes da ilha; terceiro, que construir Taiwan e torná-lo mais forte e atraente para as pessoas, para que eles o apoiem, é abordagem prática para a independência de Taiwan.
No mês passado, dirigindo-se a apoiadores, afirmou, segundo o jornal New York Times (12/08/2023) que “Esta eleição é uma escolha entre Zhongnanhai e a Casa Branca”, referindo-se à sede do Partido Comunista Chinês em Pequim. “Quando pudermos ir à Casa Branca – quando o presidente taiwanês puder entrar na Casa Branca – teremos alcançado o objetivo político que estamos perseguindo.”
Os Estados Unidos deveriam se abster de qualquer relação oficial com representantes da ilha rebelde, seja por força dos acordos estabelecidos entre os dois países, seja porque Taiwan é um problema interno da China. Não é, porém, o que vem ocorrendo, particularmente depois de 2016, quando o então presidente Trump resolveu colocar na mesa a “carta de Taiwan” como forma de chantagear a China, na guerra comercial que iniciou em 2018.
Essa política não vem sendo não apenas seguida, mas aprofundada pelo governo Biden. Somente nos últimos doze meses, por três ocasiões diferentes, altas autoridades do governo americano encontraram-se oficialmente com lideranças separatistas da ilha. Primeiro foi a visita da presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, a Taiwan em agosto de 2022, depois o encontro entre Tsai e o presidente republicano da Câmara na Califórnia, no início de 2023, e agora esse arranjo político para permitir que o vice-líder pudesse utilizar sua passagem pelos Estados Unidos para reafirmar seu compromisso de fidelidade com os Estados Unidos e alavancar sua campanha eleitoral.
Observa-se, portanto, um jogo de conveniência entre as forças separatistas de Taiwan e o governo dos Estados Unidos, quando as primeiras tentam se apoiar nos Estados Unidos para levar adiante seus propósitos separatistas e os Estados Unidos se utilizam dessas forças separatistas para provocar a China e tentar perpetuar sua dominância militar na área do Pacífico. Enquanto oficialmente dizem se opor à independência da ilha, utilizam a “tática do salame”, realizando ações isoladas contrárias à política oficial visando minar a posição da China. Para os norte-americanos Taiwan é uma espécie de porta-aviões inafundável na costa da China, de onde tanto eles podem ameaçar o território continental, interferir no Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China e, sobretudo, vedar à China o livre acesso ao Oceano Pacífico, de que se consideram donos.
A tática de Lai de utilizar a “carta dos Estados Unidos” como um trunfo de campanha, pode ser um tiro no próprio pé e se trata de uma escolha arriscada. Seus comentários levaram a pedidos de esclarecimento de autoridades dos EUA, informou o Financial Times. Até agora, Lai está liderando a maioria das pesquisas. Ele está competindo com Ko Wen-je, ex-prefeito de Taipei, que lidera uma campanha insurgente baseada no descontentamento com os partidos estabelecidos, e Hou Yu-ih, o candidato dos nacionalistas, que até agora ficou atrás na maioria das pesquisas, mas esse tipo de atitude pode assustar seus eleitores. Conforme observou o já mencionado artigo do New York Times, “A maioria dos eleitores taiwaneses não deseja unificação nem conflito aberto com a China, e o governo Biden também diz que deseja manter o atual status quo ambíguo, sem mudanças surpreendentes de Pequim ou Taipei.” Como diz o ditado, Lai pode estar indo com muita sede ao pote.