Eleições nos Estados Unidos: dá Trump ou Kamala?

    (Foto: Jornal da USP)

    A menos de uma semana das eleições nos Estados Unidos ninguém arrisca afirmar qual dos dois candidatos – Trump ou Kamala Harris – será o vencedor. Escaldados com os erros nas projeções das duas últimas eleições presidenciais em 2016 e 2020, os institutos de pesquisa que acompanham as eleições americanas vêm apontando empate técnico entre os dois candidatos, o que é uma forma cômoda de evitar futuras críticas por projeções erradas. Mas o fato é que “empate” não é uma possibilidade; ou ganha Trump, ou ganha Kamala e, a depender das preferências de quem analisa o pleito, há indicadores que apontam para a vitória de um ou outro. As pesquisas são uma fotografia congelada de um filme cujo desfecho não está definido e não captam o movimento subjacente. E o fato é que, na margem, nas últimas semanas, ocorreu uma onda pró-Trump que pode ser captada comparando as intenções de voto, em agosto, quando Kamala Harris foi indicada para substituir Joe Biden e as pesquisas divulgadas na última semana.

    Em agosto, logo após ser anunciada como a nova candidata democrata, Kamala aparecia alguns pontos à frente de Trump, invertendo a tendência observada anteriormente, em que Trump estava à frente de Biden. Mas nas últimas pesquisas aquela vantagem praticamente desapareceu, mostrando que a campanha de Trump retomou o espaço perdido e, em algumas pesquisas, já aparece à frente de Kamala. Em uma eleição tão apertada, que poderá ser resolvida por uma pequena margem de votos, isso aponta para a possibilidade de Trump cruzar a linha de chegada uma fração de segundo à frente de Kamala.

    Segundo o Wall Street Journal, “Donald Trump abriu uma vantagem estreita na corrida presidencial, já que os eleitores adotaram uma visão mais positiva de sua agenda e desempenho passado e uma visão mais negativa de Kamala Harris, segundo uma nova pesquisa do Wall Street Journal. A pesquisa nacional mostra Trump liderando Harris por dois pontos percentuais, 47% a 45%, em comparação com uma vantagem de Harris de dois pontos na pesquisa de agosto do Wall Street Journal em uma votação que inclui candidatos de terceiros e independentes. Ambas as lideranças estão dentro da margem de erro das pesquisas, o que significa que qualquer um dos candidatos pode realmente estar à frente. A pesquisa sugere que uma enxurrada de publicidade negativa na campanha e o desempenho dos próprios candidatos minaram algumas das impressões positivas de Harris que os eleitores desenvolveram depois que ela substituiu o presidente Biden como candidato democrata em julho. As opiniões sobre Harris tornaram-se mais negativas desde agosto, quando uma parcela igual dos eleitores a viu favoravelmente e desfavoravelmente. Agora, as visões desfavoráveis são mais dominantes, 53% a 45%. Além disso, os eleitores dão a Harris sua pior classificação como vice-presidente nas três vezes que o Journal perguntou sobre isso desde julho, com 42% aprovando e 54% desaprovando seu desempenho”. De acordo com a revista The Economist (21/10), “Nossa última previsão mostra que Trump tem 54% de chance de retornar à Casa Branca, um aumento de seis pontos percentuais na semana passada. Embora a corrida ainda permaneça mais ou menos um cara ou coroa, agora está ligeiramente inclinada na direção de Trump.”

    A batalha eleitoral no momento se concentra na disputa pelo voto dos eleitores indecisos nos chamados estados pêndulo – Nevada, Wisconsin, Michigan, Pennsylvania, North Carolina, Georgia e Arizona. A estagnação de Kamala Harris, nas últimas semanas, frente ao ligeiro avanço de Trump pode indicar que a campanha de Kamala já bateu no teto na disputa pelos eleitores indecisos e que Trump ainda tem alguma margem para avançar nesse segmento. Patrick Healy, do New York Times, afirma: “Não acredito que eleitores indecisos, preocupados mais com a economia e prejudicados pela inflação, vão abraçar Kamala. Não vejo nenhum sinal claro nos Estados-pêndulo de que sua mensagem econômica esteja convencendo um grande número de eleitores indecisos e de que ela será melhor do que Trump na economia. Muitos eleitores não estão procurando um presidente “mais do mesmo”, e acho que o maior problema de Kamala é se diferenciar de Biden. Ela não fez isso de forma eficaz.” (Estadão 21/10/2024). Ainda segundo Healy, “muitos eleitores moderados, independentes, indecisos e oscilantes listam a economia como seu principal problema. E muitos ainda elogiam Trump em questões econômicas. Os americanos, em geral, odeiam a inflação. Muitos deles criticam o governo Biden-Kamala por isso.”.

    Pode-se argumentar que o governo Biden-Kamala não foi tão mal na economia, mas o fato é que, independentemente dos números, a ideia de Trump ter sido um bom presidente, nomeadamente na economia, e que o governo Biden foi pior virou uma espécie de senso comum entre muitos eleitores norte-americanos mesmo que tal impressão não encontre sustentação nos números. Andrés Oppenheimer, em artigo no Estadão (16/10), ataca o mito da grandeza de Trump e demonstra que a afirmação de que Trump foi um bom presidente é uma falácia.

    Segundo Oppenheimer, “Trump deixou o maior déficit da história dos EUA. A dívida nacional aumentou em US$ 7,8 trilhões, para US$ 28 trilhões, mostram dados do Federal Reserve de Nova York. A economia americana cresceu 6,8%. E cresceu 8,4% durante os anos de Joe Biden. Trump deixou o cargo com 3 milhões de empregos a menos do que quando chegou à Casa Branca. É verdade que isso se deveu em grande parte à pandemia, mas Biden criou quase 16 milhões de empregos desde então, segundo dados oficiais. Outro mito: a inflação foi mais baixa sob Trump do que sob Biden. A pandemia interrompeu as cadeias de fornecimento da China e fez com que os preços dos produtos disparassem, em 2021 e 2022. É verdade, mas a inflação caiu para 2,4% desde então.”. Mas como lembra o dito popular, “faz a fama e deita-te na cama”. Como afirmou Josette Goulart, da TixaNews (UOL, 21/10/2024), ao enumerar as razões pelas quais Trump pode vencer, “O populismo de Trump é altamente eficaz’” e “Trump é um vigarista clássico, mas a arte do golpe é frequentemente eficaz”.

    Evidentemente há motivos tanto para se crer tanto que Trump pode vencer as eleições, quanto motivos para se apostar em Kamala. Mas um fato é certo: a campanha de Trump apela para o que há de pior no ser humano: medo, frustração, preconceito, xenofobia, machismo, racismo e daí por diante. A estratégia final de Trump é fazer com que as pessoas tenham medo de uma presidência de Kamala, difamando-a pessoalmente ou retratando o país como próximo de um colapso. Seus estrategistas de campanha sabem que as pessoas com medo se tornam intolerantes. Quem se sente ameaçado não quer discutir, quer se defender.

    Enquanto a campanha de Kamala não tem um foco muito claro e passa a impressão de que um eventual governo seu será apenas “mais do mesmo”, Trump bate o tempo todo em dois pontos altamente sensíveis ao eleitor norte-americano: migração e inflação. Embora pareça mais estratégia eleitoral do que real intenção, Trump transformou o tema de imigração ilegal no principal espantalho que agita para os eleitores americanos apelando para mentiras como, por exemplo, que os haitianos (legais) estavam comendo os pets dos moradores da cidade de Springfield no estado de Ohio.

    Segundo a revista The Economist (08/10/2024), “A obsessão de Trump com a imigração moldou esta campanha presidencial – e a política americana nos últimos nove anos. Um abismo se abre entre as políticas de imigração de Trump e Kamala Harris, mas seu foco dominante na questão a forçou a se inclinar para a direita para evitar parecer fraca na segurança da fronteira. As preocupações dos eleitores (61% dos eleitores registrados dizem que a imigração é uma prioridade para eles nesta eleição, de acordo com o Pew Research Center) significam que a ação sobre a imigração estará no topo da lista de tarefas do próximo presidente, não importa quem vença.”

    Na questão da economia, apesar de os números do governo Biden serem melhores que os do seu primeiro governo, Trump explora um sentimento de insatisfação latente em relação à economia, cuja origem mais recente está na crise financeira de 2008 e na pandemia da Covid 19. Como observou a revista The Economist (14/08/2024), “Os americanos comuns estão ansiosos. A Gallup, empresa de pesquisa, pergunta regularmente aos americanos se eles estão satisfeitos com a forma como as coisas estão indo. De 1980 até o início dos anos 2000, um pouco mais de 40%, em média, disseram que sim. Nas últimas duas décadas, isso caiu para 25%. Os profetas do declínio estão em algo desta vez? Desde a divertida década de 1990, a economia americana sofreu convulsões ocasionais, incluindo o estouro das pontocom, a crise financeira global, um aumento no desemprego durante a pandemia de Covid-19 e, mais recentemente, um aumento na inflação. Em termos de paridade de poder de compra (PPC), a participação dos Estados Unidos na economia global realmente encolheu, de 21% em 1990 para 16% agora.”.

    O ponto mais sensível para o eleitorado americano tem sido o da inflação. Apesar de a inflação ter baixado durante o governo Biden para 2,4%, em setembro, depois de alcançar mais de 9,1% em meados de 2022, as pessoas ainda não superaram o quanto os preços estão mais altos hoje do que em 2020 e acham que a culpa é de Biden. O fato da inflação baixar não significa que os preços vão baixar, mas que apenas vão parar de subir ou subir menos.  As pessoas continuam, assim, a enfrentar preços dolorosamente altos e às vezes crescentes de itens caros, incluindo moradia, carros, creches e seguros, o que contribui para sua sensação de desconforto. Segundo o Financial Times (31/10), os preços subiram aproximadamente 25% em média desde 2019. É fato que os salários também subiram na mesma proporção, mas as pessoas tendem a atribuir os aumentos de salários aos seus próprios méritos e os aumentos de preços ao governo, qualquer que seja ele. Para piorar as coisas, como afirmou o Financial Times (31/10), “o maior fardo recaiu sobre os americanos de baixa renda – que também representam uma parcela relativamente grande dos eleitores indecisos. As famílias mais pobres dos EUA sofreram dois pontos percentuais extras de inflação acumulada em relação às famílias mais ricas desde 2019. Um grande motivo são os aluguéis, agora cerca de 30% mais altos em média do que em 2019. As famílias de baixa renda são mais propensas a alugar suas casas.”

    O desejo de ter os preços de volta aos níveis anteriores exigiria uma deflação, algo somente possível por meio de uma brutal recessão que seria muito mais prejudicial ao cidadão comum do que a própria inflação, que em geral vem acompanhada de aquecimento da economia, baixo desemprego e aumento do consumo. Mas acostumados a viver em um ambiente de inflação quase inexistente nas últimas duas décadas as pessoas não entendem isso e atribuem ao governo Biden a responsabilidade. Trump tem sabido explorar essa ansiedade e esse mal-estar com o discurso de que a economia americana está falhando, que os Estados Unidos estão à beira da catástrofe e só ele pode consertar isso.

    Há, contudo, questões extremamente sensíveis que poderiam pesar contra Trump na hora do voto. Uma delas é a revelação de que Elon Musk, seu apoiador e possível membro de seu governo, proprietário da Tesla, principal fabricante de carros elétricos dos Estados Unidos, da SpaceX, que fabrica os foguetes para a NASA e do X, antigo Twiter, mantém conversas regulares com Vladimir Putin, presidente da Rússia. Como destacou editorial do Estadão (25/10/2024), “A aproximação entre Musk e Putin pode sinalizar um potencial reengajamento diplomático dos EUA com a Rússia sob a presidência de Trump, destaca o jornal (Wall Street Journal), mas também levanta preocupações sobre a proteção de informações de segurança nacional dos EUA”. Ainda segundo o jornal, “Logo após o início da guerra, Musk chegou a desejar força para a Ucrânia e também doou terminais Starlink para Kiev. Mas mais recentemente autoridades ucranianas disseram que as forças russas começaram a usar o Starlink para ampliar o alcance de seus drones.”.

    Há ainda o fato de que o conglomerado empresarial de Trump – a Organização Trump – fechou nos últimos meses acordos comerciais com os governos de países importantes para a política externa americana. Conforme informou o New York Times (30/10/2024), “Somente neste ano, a Organização Trump fechou negócios imobiliários no Vietnã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, países que são centrais para os interesses da política externa americana.”  Ainda segundo o jornal, “A convergência dos interesses comerciais e políticos de Trump representa uma série de conflitos iminentes ainda maiores do que aqueles que ele encontrou como presidente. Desde que Trump deixou o cargo, sua empresa familiar e um genro entraram em negócios com governos estrangeiros com os quais um segundo governo Trump se envolveria, incluindo Omã, Sérvia e Arábia Saudita. Fazer negócios no exterior com entidades governamentais, não apenas corporações tradicionais, cria um campo minado ético onde tanto esses governos quanto os interesses comerciais da família Trump podem se beneficiar da política externa dos EUA, disseram especialistas.”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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