Eleições na Espanha e a política

    O resultado das eleições gerais na Espanha, antecipadas para julho pelo primeiro-ministro socialista Pedro Sanches depois de uma derrota acachapante de seu partido – o PSOE – para o conservador PP nas eleições regionais, foi inconclusivo. Nenhum dos dois blocos de esquerda e direita liderados respectivamente pelo PSOE e pelo PP conseguiu o número necessário de cadeiras para formar um novo governo, deixando o país em um limbo político.

    Considerando-se que as pesquisas davam como praticamente certa a vitória da direita, o resultado mostrou que o eleitorado se assustou com a possibilidade de uma eventual entrada do partido de extrema-direita VOX no governo do país em uma coalisão com o conservador PP. Conforme se observa na figura abaixo, embora o PP tenha obtido 132 cadeiras, 47 a mais do que seu péssimo desempenho em 2019, o resultado abaixo do esperado do VOX, partido de extrema direita, que obteve apenas 33 cadeiras impediu que o bloco de direita alcançasse as 176 cadeiras necessárias para formar o novo governo.

    À esquerda, o PSOE obteve 122 cadeiras, número pouco superior ao atual, um resultado acima do esperado se consideramos os resultados recentes das eleições regionais quando os socialistas sofreram dura derrota para os conservadores. O Sumar, partido considerado de extrema esquerda, aliado dos socialistas obteve também um resultado melhor que o esperado – 31 cadeiras – mas insuficiente para garantir a permanência dos socialistas no governo da Espanha. As 28 cadeiras restantes foram ocupadas pelos partidos separatistas da Catalunha e do País Basco, que tendem a não se alinhar nem com o PSOE, apesar de toda a política conciliatória do socialista Pedro Sanches, e muito menos com a direita nacionalista, que defende uma centralização ainda maior do poder em Madri e o fim da autonomia da Catalunha.

    Diante do resultado, o rei Felipe VI deverá convidar o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, partido que obteve o maior número de cadeiras a tentar formar um novo governo, o que, tudo indica, será impossível. A única alternativa seria um acordo entre o PSOE e PP, isolando as franjas mais radicais do espectro político espanhol, mas essa alternativa também é improvável dada a tradição de radicalização da política espanhola. Caso nenhum dos dois partidos consiga formar um novo governo, a solução será a convocação de novas eleições.

    A Espanha se ressente, ainda hoje, da guerra civil que, na década de 1930, mergulhou o país em uma sangrenta luta entre republicanos e fascistas e resultou na ditadura fascista de Francisco Franco por mais de 40 anos. O país é a segunda nação do mundo – depois do Camboja – com mais desaparecidos políticos, ou seja, cadáveres não identificados em valas comuns. Embora o VOX não seja um descendente direto do partido fascista de Francisco Franco, seu discurso ultranacionalista de direita e o apoio dos setores radicais de direita católica assustaram a metade progressista do eleitorado espanhol, que em uma mobilização de última hora conseguiu evitar a vitória do bloco de direita composto pelo PP e pelo VOX, que já havia anunciado reivindicar ministérios do novo governo.

    O grande derrotado das eleições foi, na verdade, o VOX, cuja participação ficou reduzida de 52 para 33 cadeiras. Caso vencessem, seria a primeira vez desde o retorno da democracia, em 1978, que um partido de extrema direita faria parte do governo espanhol. O outro grande derrotado foi o partido separatista da Catalunha, Esquerra Republicana, que perdeu seis deputados.

    Chama atenção também o fato de que apesar do bom desempenho da economia espanhola com os socialistas à frente – a Espanha é o país da União Europeia que mais cresceu e com menor nível de inflação – ainda assim parte expressiva do eleitorado se voltou à direita por causa da polarização em torno da agenda de costumes. Conservadores e extrema direita, que já ocupam governos locais, vêm promovendo leis e acordos que incluem a proibição de bandeiras LGBT+ em prédios públicos, além da negação da violência de gênero e das mudanças climáticas. As notícias das últimas semanas sobre a proibição de hastear a bandeira LGBT+ nas varandas institucionais, as tentativas de leis negacionistas contra as mudanças climáticas, a censura de algumas peças e filmes em cidades pequenas e a elevação de alguns personagens abertamente machistas, homofóbicos e ultracatólicos conseguiram mobilizar os setores mais centrais que temiam que isso chegasse ao nível nacional. Ao contrário do senso comum de que é a economia que determina sempre o resultado das eleições, não só no caso da Espanha, mas também em outros países, é a política que vem sendo o fator determinante.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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