Os republicanos conquistaram o controle da Câmara dos Deputados nos Estados Unidos nas eleições de meio-mandato em novembro último. Foi uma vitória com gosto de derrota, pois a maioria alcançada por uma margem de apenas dez cadeiras foi bem mais apertada do que se imaginava. Além disso, os democratas mantiveram o controle do Senado. No início da legislatura, em janeiro, os deputados se reuniram para eleger o novo presidente da Casa que, graças à maioria conquistada, seria, naturalmente, um republicano. Mas o que chamou a atenção no processo de escolha do novo presidente foi um fato que não ocorria há 164 anos nos Estados Unidos.
Foram necessárias nada menos do que 15 votações para que o candidato republicano Kevin McCarthy conseguisse o número mínimo de votos para se eleger presidente da Câmara dos Deputados. Na 15ª e última rodada, McCarthy recebeu 216 votos. Seu principal adversário, o democrata Hakeem Jeffries, que substituiu Nancy Pelosi na liderança do Partido Democrata, ficou com 212. Foram seis abstenções, todas de republicanos. A dificuldade para se obter o número mínimo de votos – no caso 218 se não houvesse abstenções – deveu-se à resistência de cerca de 21 republicanos, de uma ala mais radical do partido, contrários à sua eleição.
O que explica essa falta de unidade do partido Republicano é a crise de identidade pela qual a sigla passa desde a eleição de Donald Trump, em 2016. Afinal de contas, o que é o Partido Republicano hoje? Continua a ser o partido de Ronald Reagan, fiel ao evangelho conservador de livre mercado, que tem sido a espinha dorsal da legenda por mais de meio século, ou o partido de Trump, que defende o abandono do livre comércio em favor de uma rede de tarifas para proteger bens e empregos americanos e a repressão da migração com mais força? É o partido da elite conservadora com interesses globais ou o partido da baixa classe média branca americana, que perdeu seus empregos na indústria manufatureira? Há como conciliar essas duas agendas ou estaria o partido Republicano condenado a se dividir no futuro próximo?