Economia global patina em 2023 e espera a China voltar a crescer

    Com o fim da fase aguda da pandemia da Covid-19 e a volta dos consumidores às compras, a expectativa era de que 2023 seria o ano da retomada, sobretudo porque a China reabriu sua economia e aboliu todas as restrições para viagens internacionais.  A revista The Economist descreveu a reabertura da China como o maior evento econômico do ano. Ventos de proa, entretanto, têm impedido que a economia global deslanche.

    Conforme informou a agência Bloomberg, em matéria do jornal Valor (17/5), “O Fundo Monetário Internacional (FMI) cortou suas projeções de crescimento global no mês passado, prevendo uma expansão de 2,8% neste ano e 3% em 2024. Ontem, o Fundo alertou que a política monetária apertada e o ajuste aos preços mais altos da energia estão pesando na Alemanha. A expectativa é de que o crescimento “fique perto de zero em 2023”, antes de se fortalecer gradualmente nos três anos seguintes”.

    Os fatores que estão mais pesando na dificuldade de crescimento da economia mundial, segundo a Bloomberg, seriam “uma fraqueza surpreendente na China e na potência industrial da Europa, a Alemanha”. Segue a análise afirmando que embora se note certa resiliência nos EUA – as vendas no varejo cresceram 0,4% em abril – o crescimento da economia americana enfrenta os desafios da elevação do juro no sistema, das falências bancárias que aumentam as restrições ao crédito e do risco de default relacionado à disputa sobre o teto da dívida. Segundo a Bloomberg, “levantamentos de economista apontam para 65% de chance de recessão nos próximos 12 meses [nos Estados Unidos]”.

    No caso específico da China, diferentes análises apontam que a expectativa de uma rápida retomada da atividade econômica não se concretizou ainda. Segundo a The Economist, “O que vale para as vendas no varejo vale para a economia em geral. A recuperação do nadir do ano passado é real e robusta. Mas a recuperação das tendências pré-pandêmicas é parcial e desigual. A China passou muito mais tempo sob bloqueios do que os Estados Unidos. Pode, portanto, ter que ir mais longe antes de retornar a qualquer coisa como capacidade total”.  Ainda segundo a revista, o crescimento de 10,6%, em março, “parecia ridiculamente forte apenas quando comparado a 2022, que foi lamentavelmente fraco. Comparado aos anos anteriores, o crescimento das vendas no varejo foi mais modesto e, portanto, mais confiável. Na comparação com março de 2021, por exemplo, as vendas cresceram no ritmo anual mais modesto de 3,3%”.

    Segundo a Bloomberg, “Dados chineses divulgados ontem [21/05] mostraram que a produção industrial, as vendas no varejo e o investimento fixo cresceram em um ritmo muito mais lento do que o esperado em abril. A taxa de desemprego entre os jovens saltou para um recorde de 20,4%. As vendas no varejo na China cresceram 18,4% ao ano em abril, enquanto a produção industrial aumentou 5,6% ao ano. Já o investimento em ativos fixos cresceu 7,4% ao ano entre janeiro e abril. Os números confirmam que a reabertura da China não está aumentando a demanda global como muitos esperavam, disse Hao Hong, economista-chefe do Grow Investment Group”.

    Já o comentarista Ruchir Sharma, do Financial Times (21/5), afirmou que “As esperanças de um boom de reabertura [na China] baseavam-se na premissa de que, uma vez liberados do bloqueio, os consumidores chineses iriam gastar muito, mas os relatórios das empresas não mostram nenhum sinal disso. Se a economia da China estivesse crescendo a 5%, então, com base nas tendências históricas, as receitas corporativas deveriam crescer mais de 8%. Em vez disso, as receitas cresceram 1,5% no primeiro trimestre”. Ainda segundo o analista, “O crescimento do crédito na China também está enfraquecendo, subindo apenas Rmb 720 bilhões (US$ 103 bilhões) em abril, metade do que os analistas esperavam. O fardo do serviço da dívida dos consumidores chineses dobrou na última década para 30% da renda disponível – um nível três vezes maior do que nos EUA. Muitos jovens chineses precisam de um emprego antes de poderem participar de uma onda de gastos: o desemprego entre os jovens urbanos está aumentando e no mês passado chegou a 20%”.

    O Wall Street Journal (21/5) deu maior destaque para o elevado índice de emprego entre os jovens chineses. Segundo o jornal, “O desemprego entre os jovens de 16 a 24 anos subiu para um recorde de 20,4% em abril, significativamente maior do que alguns meses atrás e muito acima da taxa pré-pandêmica de 13% ou menor na maior parte de 2019. O aumento foi ainda mais surpreendente, dado que o desemprego urbano geral caiu para 5,2% na China em abril, em comparação com 6,1% no ano anterior. Alguns economistas acreditam que o mercado de trabalho para os jovens vai piorar antes de melhorar, com um recorde de 11,6 milhões de estudantes universitários prestes a se formar neste verão. Um problema central, dizem os economistas, é que a China não está criando o suficiente de empregos de alto salário e alta qualificação que são procurados por sua crescente base de jovens educados, muitos dos quais têm expectativas mais elevadas do que as gerações anteriores”.

    Ainda segundo o jornal, para minorar o problema o governo chinês está orientando as empresas estatais a aumentar a contratação de jovens egressos das universidades e estimulando que esses recém-graduados aceitem empregos no chão de fábrica, mas muitos preferem aguardar por melhores oportunidades ou inscrever-se em cursos de pós-graduação, adiando assim sua entrada no mercado de trabalho. Segundo o jornal, “Um recorde de 4,7 milhões de alunos de graduação se inscreveram para os exames para concorrer a 1,2 milhão de vagas em escolas de pós-graduação este ano. Em 2021, quase um terço das universidades em Xangai já tinha mais alunos de pós-graduação do que de graduação, de acordo com uma reportagem da mídia estatal”.  Ainda segundo o jornal, “Nos últimos três anos, mais de 28 milhões de graduados universitários entraram no mercado de trabalho, respondendo por cerca de dois terços da nova oferta de mão de obra urbana”.

    Já no que diz respeito às perspectivas de crescimento, o Wall Street Journal não é tão pessimista como os demais veículos, preferindo destacar os aspectos positivos dos números divulgados nos últimos dois meses. Segundo o jornal, em matéria de 17/4, “A economia da China se recuperou nos primeiros três meses do ano depois que Pequim desmantelou seus rígidos controles da Covid-19, dando início a uma retomada do crescimento que deve impulsionar a economia global à medida que as economias dos EUA e da Europa desaceleram. A economia da China cresceu 4,5% no primeiro trimestre do ano em comparação com os mesmos três meses do ano anterior, informou o Escritório Nacional de Estatísticas da China na terça-feira, um desempenho melhor do que o ritmo de 4,0% esperado pelos economistas consultados pelo The Wall Street Journal. Em comparação com o trimestre anterior, quando a China foi atingida por uma onda de infecções por Covid-19 após o fim abrupto de suas políticas de tolerância zero em dezembro, a economia expandiu 2,2%. O crescimento foi impulsionado pelos consumidores chineses, que começaram a fazer compras, comer fora e viajar novamente após quase três anos de restrições rigorosas na vida diária, mostraram dados. A economia também se beneficiou do investimento do governo em infraestrutura e de uma surpresa nas exportações em março. O resultado significa que a economia está no caminho certo para atingir a meta de Pequim de expandir em cerca de 5% em 2023, depois que o crescimento no ano passado foi de apenas 3%, um dos piores resultados econômicos da China em décadas. A reabertura da China é um ponto positivo em uma perspectiva pessimista para a economia global. O Fundo Monetário Internacional disse neste mês que o mundo está entrando em uma fase perigosa, à medida que as economias lutam contra uma inflação persistente, taxas de juros acentuadamente mais altas e as contínuas consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia.”

    A se considerar as análises recentemente publicadas a respeito das perspectivas da economia chinesa em 2023, percebe-se que os analistas de Wall Street estão com uma visão mais otimista a respeito do desempenho da economia chinesa, em 2023, do que seus homólogos europeus. Outro fato que chama atenção em relação às análises dos números publicados em maio pelo Escritório de Estatísticas da China é a total ausência, por parte dos analistas ocidentais, de considerações sobre os impactos da guerra na Ucrânia e das ações dos Estados Unidos contra a China sobre as perspectivas da economia global. Treinados para observar as árvores e não a floresta, esses analistas financeiros parecem não ser capazes de levar em conta em seus modelos de análise fenômenos mais abrangentes e se limitam a analisar apenas os fatos que podem ser traduzidos em números.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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