Dados positivos da economia não se refletem na avaliação do governo Lula

    Dados mais recentes divulgados pelo IBGE mostram que a economia brasileira apresenta um desempenho melhor do que o esperado pelos bancos e outras instituições ligadas ao mercado financeiro que fazem regularmente as projeções sobre o desempenho da economia para orientar seus clientes e investidores. Isso significa que, talvez, muitas pessoas estejam perdendo dinheiro por confiar em análises feitas com o fígado. Mas vamos ao que interessa.

    De acordo com dados divulgados pelo IBGE, em 03/09/2024, a economia brasileira cresceu 1,4% no segundo trimestre em relação ao trimestre anterior e com isso chegou até a metade de 2024 tendo crescido 2,5% nos 12 meses anteriores — o que coloca o país em 6º lugar entre os que mais cresceram entre o G20, grupo que reúne algumas das maiores economias do mundo, segundo informa Thais Carrança na BBC News Brasil (03/09/2024).

    A matéria informa ainda que o resultado mais recente do Produto Interno Bruto (PIB) veio meio ponto percentual acima da expectativa dos economistas, que era de uma alta de 0,9%. Na comparação com o segundo trimestre de 2023, o avanço foi de 3,3%. O resultado surpreendeu o “mercado” que, após uma alta de 1% do PIB de janeiro a março esperava um segundo trimestre afetado negativamente pelas enchentes no Rio Grande do Sul.

    O IBGE divulgou também a taxa de desemprego que no trimestre encerrado em julho recuou para 6,8%, com 7,4 milhões de desocupados, o menor nível de desemprego registrado para o período desde o início da série histórica do instituto, em 2012. Segundo matéria assinada por Lucianne Carneiro, no jornal Valor Econômico (03/09), “A coleção de dados positivos é extensa: o contingente de pessoas desocupadas está abaixo dos 7,5 milhões e o número de trabalhadores ocupados passou dos 100 milhões,seguindo em crescimento, com recordes tanto no setor privado quanto no setor público, e a renda cresce sem interrupções há mais de um ano.”

    De acordo com a citada matéria, “o mercado de trabalho vive seu melhor momento em uma década, desde a piora por causa da recessão brasileira nos anos de 2015 e 2016 (…) O número de desempregados no Brasil caiu 9,5% no trimestre encerrado em julho, ante o trimestre anterior, para 7,431 milhões de pessoas. A diferença foi de 783 mil pessoas a menos no desemprego. O contingente é o mais baixo desde o início de 2015, quando era de 6,873 milhões.”

    Ainda segundo a matéria, “Um dos sinais positivos é que a geração de vagas tem sido puxada pelo setor formal. O trabalho informal continua a crescer, mas em ritmo menor. No trimestre encerrado em julho, os empregados do setor privado chegaram a 52,5 milhões, maior nível da série, com altas de 1,4% ante o trimestre anterior e de 4,5% frente a igual período de 2023. Houve recordes também nos dois subgrupos de trabalhadores do setor privado: aqueles com carteira de trabalho assinada (38,5 milhões) e os sem carteira (13,9 milhões). O comércio foi a atividade que mais influenciou positivamente o aumento do emprego no trimestre encerrado em julho, com criação de 368 mil novos postos de trabalho.”

    O ponto negativo vem por conta da informalidade. Segundo os dados divulgados “Os ventos são positivos, mas a informalidade continua com presença forte no mercado de trabalho brasileiro. No trimestre encerrado em julho, o número de trabalhadores informais cresceu 1,05% e atingiu 39,446 milhões de pessoas. É o segundo maior patamar da série histórica da pesquisa, atrás apenas do quarto trimestre de 2023, quando era 39,533 milhões.”

    Com relação à renda, a matéria informa que “a renda do trabalhador brasileiro vem crescendo de forma constante desde 2022. As taxas são positivas desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2022, com apenas duas exceções: no trimestre encerrado em abril de 2023 (-0,1%) e maio de 2023 (-0,2%) (…) O rendimento médio do trabalhador atingiu R$ 3.206 no trimestre encerrado em julho (…) A massa de rendimentos da economia aumentou em 1,9% no trimestre, ante o trimestre anterior, para R$ 322,4 bilhões. No ano, a alta é de 7,9%. O montante é a soma das remunerações de todos os trabalhadores.”

    De acordo com análise de José Paulo Kupfer, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colunista do UOL (03/09/2024), “Para ter uma ideia de quanto essa expansão foi robusta, basta observar que a taxa de crescimento anualizada – que reflete quanto seria a alta da atividade no período de um ano, supondo que o mesmo crescimento do segundo trimestre se repetiria em quatro trimestres – chegaria a 5,7%. Ainda segundo o analista, “Depois de conhecidos os resultados do segundo trimestre, as projeções para o crescimento da economia em 2024 avançaram para 2,5% a 2,7%, com probabilidade de chegar a 3%, o que manteria a marcha de expansão registrada em 2023.”

    Ao analisar as principais causas do melhor desempenho da economia, além, evidentemente, do baixo nível de desemprego, que contribui para o aumento do consumo das famílias que é o principal componente do PIB, Kupfer considera que “o crescimento econômico no segundo trimestre contou também com contribuições do sistema de crédito. Mais acessível em razão do aumento da massa de renda na população e dos efeitos do anterior ciclo de cortes na taxa básica de juros (taxa Selic), as concessões de crédito avançaram, sobretudo para a pessoa física, no período.”.  Considera também que, “Além do pagamento de precatórios, a injeção de recursos públicos na economia, neste primeiro semestre do ano, veio da antecipação do pagamento do 13º salário a aposentados, do aumento real do salário mínimo e do resíduo dos recursos injetados na economia em 2023.”

    Segundo Kupfer, “Não resta dúvida de que os gastos públicos — com transferências de renda para beneficiários de programas sociais, outras injeções de recursos públicos e os próprios gastos do governo em obras — são o principal motor desse crescimento. Prova do efeito positivo de gastos públicos para a atividade pode ser encontrado na concentração da expansão do consumo em bens não duráveis e duráveis.”

    A taxa de investimento, embora abaixo do nível necessário para sustentar um crescimento de longo prazo, ficou em 16,8% do PIB,  ligeiramente acima dos 16% do PIB, no trimestre anterior. De acordo com matéria do jornal Valor (02/09/2024), assinada por Anaïs Fernandes, “Os anúncios de investimentos no país estão no maior patamar desde 2020, mostra levantamento do Bradesco. Monitoramento do banco mostra que foram 362 anúncios de janeiro a julho, 23,6% mais que no mesmo período de 2023. É também o maior número desde o mesmo período de 2020 (397 anúncios).”

    Ainda segundo a matéria, “O avanço dos anúncios de investimentos está espalhado pelos setores, mas há uma tendência de crescimento maior na indústria. No setor, os anúncios de investimentos nos sete primeiros meses de 2024 subiram 76,8% em relação a igual período de 2023. Em 12 meses, os anúncios também aceleraram. Historicamente, porém, são os serviços e o comércio que, juntos dominam os anúncios.” Esses novos anúncios estão relacionados com o aumento da demanda. Na medida em que o consumo aumenta, também aumenta a confiança dos empresários em realizar novos investimentos.

    Essa conjuntura econômica favorável não tem se refletido, entretanto, nas pesquisas que medem a avaliação do governo entre a população. Segundo a matéria da BBC News Brasil, “A pesquisa de avaliação do governo Luiz Inácio Lula da Silva mais recente (divulgada em 28/8) mostrou, por exemplo, que para 47% dos entrevistados a situação atual da economia é ruim, contra 33% que a consideram boa. Outros 21% acham que a situação econômica está “normal”. O resultado é similar ao da pesquisa divulgada pela Genial Quaest  em julho, que mostrou que para 36% dos entrevistados a economia do Brasil piorou nos últimos 12 meses, ante 28% que avaliam que melhorou e 32% que dizem que ficou igual.”

    Como as pesquisas não informam o porquê da avaliação negativa, só é possível fazer conjecturas para entender o mau humor de grande parte da população em relação ao governo. Um estrategista da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George H. W. Bush, em 1992,  chamado James Carville, cunhou uma frase que ficou famosa para explicar o comportamento do eleitorado norte-americano: “The economy, stupid” (A economia, idiota). De acordo com ele, o fator determinante para a decisão do eleitor é o desempenho da economia. Se a economia vai bem o eleitor tende a votar no candidato do governo; se não, vota na oposição.

    Ocorre que falar em desempenho da economia é algo muito genérico e nem sempre os números agregados como PIB, taxa de desemprego, taxa de inflação, massa de salários querem dizer muita coisa para o indivíduo, enquanto consumidor ou trabalhador. Nos Estados Unidos, que passa por situação muito semelhante à do Brasil: crescimento na casa dos 3%, taxa de desemprego nos menores históricos, entre 3% e 4%, inflação já próxima da meta de 2%,  ocorre algo parecido. Apesar do bom desempenho da economia, a figura de Joe Biden tornou-se impopular e enquanto esteve como candidato à reeleição as pesquisas indicavam que estava sempre atrás de Trump. O quadro só se inverteu depois que Biden desistiu e Kamala Harris virou candidata. A razão principal da impopularidade de Biden foi a inflação que, em 2022, chegou à casa dos 9%. Os níveis atuais de preços nos Estados Unidos encontram-se em média 20% acima do que quando Biden iniciou seu governo e isso é lembrado diariamente pelo cidadão comum, que não se liga muito ao noticiário econômico quando vai ao supermercado.

    No Brasil pode estar ocorrendo algo semelhante. Apesar dos bons números da economia em geral, a inflação, atualmente na casa do 4%, é a única coisa real sentida pelo consumidor no seu dia a dia. Acrescente-se o já mencionado fato da informalidade no mercado de trabalho. Apesar dos bons números de emprego, a quantidade de trabalhadores informais cresceu 1,05% e atingiu 39,446 milhões de pessoas. É o segundo maior patamar da série histórica da pesquisa, atrás apenas do quarto trimestre de 2023, quando era de 39,533 milhões.” Obviamente esses trabalhadores informais que vivem da chamada “economia de bicos” não têm muitos motivos para estarem satisfeitos com a situação econômica do país, dado que sua condição pessoal é extremamente precária.

    Acrescente-se o fato da extrema polarização política do país. Voltando ao exemplo dos Estados Unidos, uma vez que o fenômeno da polarização política é igualmente global, as pesquisas mostram que a avaliação da economia entre os eleitores do Partido Democrata é sempre muito mais positiva do que a dos eleitores do Partido Republicano. É bastante provável que no Brasil um fenômeno semelhante esteja influindo na percepção negativa da economia por quase metade da população, o que mais ou menos coincide com o percentual de eleitores que votaram em Bolsonaro na última eleição. Apesar de Lula ser uma figura de grande popularidade, a parcela da população que o rejeita, principalmente no Sul e no Sudeste do país, também é muito grande.

    Acrescente-se o papel das redes sociais. Como afirma Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, na já citada matéria da BBC News, “A radicalização alimenta leituras muito distintas em relação ao desempenho do governo e dos eventos políticos. (…) Então, a despeito do desempenho do governo na economia, há uma rejeição pessoal ao presidente Lula que dificulta essa transmissão entre melhoria do crescimento econômico e popularidade.” Com as redes sociais, as pessoas acabam consumindo produtos e informações para reafirmar suas leituras do mundo, diz o cientista político, o que é reforçado pelo algoritmo e faz com que a ideia de livre informação vá perdendo força. “A política da rede social é a política encurtada – a pessoa não vê o debate, ela vê o corte – e aí esse arsenal de informação que chega na cabeça do eleitor nem sempre ajuda a entender a relação de causalidade que é chave para a ideia de premiar [os governantes] pelo bom desempenho do governo. As redes sociais são perversas nesse sentido.”

    Por fim, um outro fator que certamente deva estar contribuindo para a visão negativa da economia é a ênfase excessiva que se tem dado ao debate econômico, repercutido pela grande mídia, à questão fiscal. Para quem lê e ouve certas análises sobre o déficit público, sobre o desequilíbrio fiscal, sobre as atas do Banco Central para justificar o aumento dos juros, sobre a necessidade de o governo cortar gastos, fica a impressão de que o país está derretendo, à beira de uma catástrofe. Esse tipo de análise talvez convenha ao chamado “mercado” que pouca relação tem com a economia real, já que o negócio dele é transformar dinheiro em mais dinheiro sem produzir nada. Mas o fato é que a economia real, de quem investe, de quem produz, de quem trabalha e de quem consome, apesar de estar longe do que seria necessário, também não vai tão mal a ponto de justificar tanto pessimismo. Mesmo porque, como já ficou provado por governos anteriores, a economia pode perfeitamente resistir a governos ruins.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

    Não há posts para exibir

    Deixe um comentário

    Escreva seu comentário!
    Digite seu nome aqui