Cerco militar em torno da China prejudica o equilíbrio estratégico, aumenta as tensões e traz fatores negativos para a paz e a estabilidade na região

    A retomada da militarização do Japão e outras iniciativas para a construção de pactos militares no leste da Ásia envolvendo potenciais inimigos da China, sob a liderança e influência dos Estados Unidos, indica que um confronto militar entre a chamada “Otan da Ásia” e a China deixou de ser apenas uma conjectura acadêmica para se tornar uma possibilidade real.

    O autor americano Graham Allison, em livro recente (A Caminho da Guerra) afirmou que Estados Unidos e China estariam presos na chamada Armadilha de Tucídides, em alusão à conclusão do historiador grego de que a razão fundamental do confronto militar entre Atenas e Esparta, no século V a.C, foi o crescimento do poder ateniense e o temor que tal despertava entre os espartanos. De acordo com esse raciocínio, a ascensão chinesa, colocando em risco a hegemonia americana no mundo e particularmente no “Círculo do Pacífico”, levaria inevitavelmente ao confronto militar entre as duas superpotências.

    Contra essa hipótese, alega-se que no mundo globalizado as relações de interdependência econômica cada vez mais profundas e abrangentes impediriam que se chegasse a tanto. Mas a verdade é que exemplos recentes, como a Guerra na Ucrânia, demostram que considerações de natureza geopolítica se sobrepõem às questões econômicas por mais importantes que sejam.

    Nesse sentido. a proliferação de medidas protecionistas e o questionamento dos benefícios da globalização pelos próprios Estados Unidos, associado ao esforço de “desacoplar” a China da economia americana e europeia, são sintomas preocupantes. De algum modo visam minimizar os efeitos econômicos sobre o Ocidente de um eventual confronto militar com a China.

    O chanceler alemão Otto von Bismark teria dito, em seu tempo, que quando as fronteiras se fecham aos mercadores são cruzadas pelos soldados. A tentativa, portanto, de cortar os fluxos comerciais com a China pode revelar a intenção ou pelo menos a predisposição dos Estados Unidos de partir para um confronto militar com a China.

    Sob a alegação de “defender-se” da China, os Estados Unidos estão perseguindo uma agressiva política de militarização do Leste Asiático. Vejamos:

    Conforme noticiou a revista inglesa The Economist (27/7/2024), em visita ao Japão no mês de julho, Lloyd Austin, secretário de Defesa dos Estados Unidos, anunciou a criação de um novo comando de combate para supervisionar todas as forças americanas no Japão.

    Ainda segundo a revista, “Assim, a criação de um comando operacional avançado, bem dentro do alcance dos mísseis da China, traz memórias de Douglas MacArthur, que lutou muitas das batalhas contra o Japão – nas Filipinas e Papua Nova Guiné – muito mais perto da ação do que Nimitz (às vezes perigosamente). Mais tarde ele governou o Japão após sua rendição”.

    Austin foi acompanhado em Tóquio por Antony Blinken, o secretário de Estado americano, para uma reunião dos “2+2” – ou seja, dos ministros das Relações Exteriores e da Defesa americanos e japoneses. Eles alertaram para o “ambiente de segurança cada vez mais severo” criado pela Coreia do Norte, Rússia e, acima de tudo, China, principalmente por meio de suas ameaças e acúmulo de armas nucleares. Contra isso, eles saudaram sua aliança como “mais forte do que nunca” afirmou a Economist.

    Além de construir os comandos conjuntos, eles concordaram em aumentar a produção de mísseis de defesa aérea e de ataque de longo alcance e aumentar as implantações em torno das ilhas do sudoeste do Japão, perto de Taiwan. Para tanto, o Japão anunciou um aumento de 60% em seus gastos de defesa para alcançar 2% do PIB. Com isso pretende construir misseis de longo alcance capazes de atingir a China. Segundo a Economist, “No futuro previsível, [o Japão] seria capaz de lançar esses ataques de longa distância apenas com inteligência e outros apoios dos Estados Unidos.

    Há em curso, ainda, outras iniciativas por parte dos Estados Unidos para completar o cerco à China. Conforme informa a The Economist, “Em outra reunião 2 + 2 em Manila em 30 de julho, os Estados Unidos anunciaram um grande esforço para modernizar as forças armadas e a guarda costeira das Filipinas, que enfrentaram intenso assédio da China em torno de partes disputadas do Mar da China Meridional.”  Foi realizada também, em 6 de agosto, mais um encontro “2+2” com a Austrália, em Anápolis, Estados Unidos. Com isso as autoridades americanas falam dos “dez dias mais importantes” para a política de defesa do governo Biden no Indo-Pacífico.

    Segundo o jornal de Hong Kong, South China Morning Post (05/08/2024), “Uma recente visita do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, à base naval das Filipinas na Baía de Subi sinaliza o interesse de Washington em restabelecer a instalação como seu centro na Ásia em meio a crescentes tensões no Mar da China Meridional.”

    Segundo o SCMP, “Austin visitou a base em Subic Bay, localizada na província de Zambales, ao norte de Manila, como a parada final de sua viagem de 11 dias pelo Indo-Pacífico na semana passada ao lado do secretário de Estado, Antony Blinken. Austin visitou anteriormente a base em abril de 2023. De acordo com um comunicado de imprensa do Departamento de Defesa dos EUA, Austin esteve nas instalações da Marinha e vários locais industriais de defesa na quarta-feira “como uma forma de destacar as oportunidades de cooperação industrial de defesa dos Estados Unidos, Filipinas e outros aliados e parceiros regionais.”

    Subic Bay foi o local da maior instalação naval dos EUA no exterior até quando Washington se retirou de suas bases militares nas Filipinas em 1991. Os EUA capturaram a base espanhola construída na baía em 1899 durante a Guerra Filipino-Americana e a controlaram até 1991, quando o Senado filipino votou pela rejeição da renovação de seu Acordo de Bases Militares com os EUA devido a preocupações com a soberania nacional.

    Apesar de  a presença de bases militares estrangeiras nas Filipinas ser um tema controverso no país, o atual presidente aliado dos Estados Unidos, Ferdinand Marcos Jr., é o comandante-em-chefe das Forças Armadas das Filipinas, e como tal tem a prerrogativa de dar tratamento preferencial aos EUA.

    O jornal chinês Global Times (05/8/2024) ao comentar o assunto afirmou que “O Japão está planejando conversas ministeriais 2+2 com a Índia e a Austrália com foco na cooperação militar depois que conversas semelhantes foram realizadas entre o Japão e os EUA em julho, e especialistas alertaram no domingo que o Japão está em um caminho perigoso para reviver o militarismo que já trouxe desastres a vários países na Segunda Guerra Mundial. O ministro das Relações Exteriores do Japão, Yoko Kamikawa, e o ministro da Defesa, Minoru Kihara, devem viajar para a Índia por volta de 20 de agosto para discutir maneiras de “alcançar um Indo-Pacífico livre e aberto baseado no Estado de Direito”. As discussões também podem incluir exercícios conjuntos entre as Forças de Autodefesa do Japão e os militares indianos, e o fornecimento de equipamentos de defesa de Tóquio para a Índia, informou a emissora japonesa NHK.”

    Para complicar as coisa, os Estados Unidos e seus aliados estão mais uma vez colocando a “Carta de Taiwan” na mesa ao tentar envolver a ilha em seus propósitos belicistas na região. Conforme noticiou a revista The Economist (05/8/2024), “Dito isso, o Japão está rapidamente perdendo sua timidez em relação a Taiwan, que governou por meio século, até 1945. O falecido primeiro-ministro, Abe Shinzo, declarou que “uma contingência de Taiwan é uma contingência do Japão”. Foi revelador que no início deste mês os navios da guarda costeira japonesa e taiwanesa realizaram exercícios conjuntos de resgate marítimo. O Japão está doando navios da guarda costeira e radares marítimos para as Filipinas. O Japão também assinou “acordos de acesso recíproco” com a Austrália e as Filipinas para hospedar as forças um do outro.”

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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