BRICS ou G20?

    Criado no rastro das crises financeiras que abalaram o mundo ao longo da década de 1990 e que culminaram na grande crise financeira de 2007-2010, o G20, ou Grupo dos 20, foi criado com o objetivo de ampliar o fórum de discussão sobre a governança financeira mundial, incorporando os países emergentes, que não estavam adequadamente representados no núcleo da discussão econômica global e da governança financeira. Além dos países do G7 (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão) participam do G20 alguns outros considerados desenvolvidos (Austrália e Coréia do Sul), assim como diversos países emergentes ou em desenvolvimento (China, Índia, Rússia, Turquia, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul, Argentina, Brasil e México), além de representantes da União Europeia e, a partir da cúpula de Nova Déli, um representante da União Africana.

    Além do G20 dos ministros das Finanças e governadores dos Bancos Centrais, criado em 1999, passaram a ser realizadas, depois da Cúpula de 2008, em Washington-DC, as Cúpulas dos Chefes de Estado do G20. A partir de 2011, quando a França organizou e presidiu a reunião do grupo, essas cúpulas passaram a ser realizadas anualmente. No início de setembro último, nos dias 9 e 10, foi realizada em Nova Déli a cúpula do G20 Delhi de 2023, que é a décima oitava reunião do Grupo dos Vinte, organizada e presidida pela Índia, que estava na presidência rotativa do grupo, agora assumida pelo Brasil.

    A realização da Cúpula do G20 neste ano coincidiu com a Cúpula do BRICS que tomou a decisão história de ampliar o grupo para além de seus cinco membros originais (Brasil, Rússia, Índia, China e Africa do Sul), incorporando seis novos representantes dos países em desenvolvimento (Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã). A ocorrência quase simultânea dos dois eventos, com apenas 15 dias de diferença de um em relação ao outro, somada à decisão de dois dos principais líderes do BRICS, o presidente da China, Xi Jinping e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de não comparecerem à Cúpula do G20, em Nova Déli, deu azo a diversos questionamentos, inclusive à discussão de qual dos dois grupos seria mais relevante para enfrentar os desafios atuais do mundo: o BRICS ou o G20.

    Tal questionamento poderia, à primeira vista, parecer sem propósito, uma vez que, em tese, cada um dos grupos foi criado com objetivos diferentes, sendo o G20 um fórum de cooperação econômica global, criado originalmente para fazer frente à crise financeira de 2007-2010, e o BRICS  é um fórum de países em desenvolvimento que lutam por mudanças nos mecanismos de governança global. Mas não é bem assim. O simples fato dessa discussão ter sido posta, revela, por si mesma, a importância renovada que o BRICS adquiriu no mundo atual.

    Afinal de contas, tanto o G20 quanto o BRICS foram criados quase simultaneamente, em 2008 e 2009 respectivamente, e tinham como pano de fundo a mesma questão: a necessidade de levar em conta nos mecanismos de governança global na presença de novos atores, até então tratados como meros figurantes no grande palco da geopolítica e das finanças globais: os países em desenvolvimento. A diferença é que, no G20, embora os países em desenvolvimento sejam maioria, são de fato os países do G7, nomeadamente os Estados Unidos, que continuam dando as cartas, enquanto o BRICS é um grupo formado apenas por países em desenvolvimento, cujo participante de maior peso é a China, que responde por cerca de 70% do PIB de todo o grupo.

    Além do mais, enquanto o G20 não se propõe a realizar nenhuma mudança no atual sistema de governança global hegemonizado pelos países ricos, o BRICS, embora também não se proponha a mudar radicalmente as regras do jogo, propõe-se a lutar por algumas mudanças e melhorias nessas regras, de modo a não deixar que o sistema geopolítico e econômico global fique tão enviesado em favor dos países ricos.

    A verdade é que os dois grupos apresentam tendências opostas na atualidade. A própria existência do G20 era, até recentemente, questionada. Por muito pouco, a Cúpula de Nova de Déli, em setembro, não terminou sem um comunicado final, dado o grau de divergência, em quase tudo, entre os membros que fazem parte do G7 e os demais a respeito do grupo, nomeadamente, a insistência dos países ricos em querer fazer uma dura condenação à Rússia na declaração final em um encontro que, por sinal, não foi convocado com esse objetivo. Conforme noticiou o jornal O Estado de São Paulo (10/9), “Havia o risco de a declaração naufragar, o que seria um fracasso diplomático. Segundo fontes a par das negociações, os países do Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) trabalharam com a Indonésia por um texto de consenso. Para isso, foi preciso fazer concessões e usar uma linguagem “mais genérica” sobre a guerra, segundo diplomatas”. Na verdade, o que voltou a dar relevância para o G20 foi a ampliação do BRICS, pois para os países ricos o G20 é um mal menor frente ao BRICS, onde eles não têm nenhuma participação ou influência.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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