Aos que não sabem de Antônio Risério

    Caboclo com Chapéu e Olhos Fechados, pintura de Adrien Henri Vital van Emelen (Bélgica, 1868 - São Paulo, 1943).

    Não conhecem Antônio Risério os mais de 180 autointitulados jornalistas da Folha de São Paulo que escreveram à Direção do jornal demonstrando seu desapreço e até repúdio a uma suposta leniência da FSP para com a publicação de opiniões descabidas, desonestas, falsas e perversas. Sobretudo contra o negro, agora o preto, de quem eles se acham defensores e porta-vozes. A esses mentecaptos juntaram-se algumas dezenas de desmiolados ideologizados em páginas do Instagram, Facebook e outras mídias. Todos indignadíssimos, moralistíssimos, acham que Risério é um racista inveterado (ou ao menos que foi longe demais em suas provocações intelectuais) e que brinca com palavras, tergiversa e sofistica (de sofismo mesmo) para arrefecer, arrasar o ímpeto libertador do movimento negro brasileiro e dos bem-pensantes brancos que fazem um imenso esforço intelectivo para tentar articular um pensamento sobre a presença do racismo no Brasil, no mundo, na consciência humana, urbi et orbi.

    Paira no ar, articulada pelo sociólogo Jessé de Souza, a ideia de que o Brasil é infestado e carcomido de racismo, não só o racismo estrutural, contra a raça negra (haveria também um racismo contra classe social), mas também um racismo até mais perverso e caviloso pois difundido por todos os poros da nação, que atinge a todos que estão por baixo na escala social, que continuam a ser escravizados pelo sistema devastador do capitalismo independentemente de sua origem, cor e credo). Esse duplo racismo é representado desde sempre no Brasil pelo velho colonizador branco de chicote na mão que está presente em todo brasileiro não preto. Pelas fantasias racialistas desse pregador e seus seguidores de última hora, a mestiçagem nem existiu no Brasil, a não ser como parte do domínio do macho branco. Índios e negras, pretos e índias jamais se encontraram nas ribanceiras da vida, nunca constituíram família juntos, nem mesmo juntos fizeram a vida social e simbólica da cultura de base brasileira. Esse racismo onipotente e totalitário determinaria todas as condições de pensamento e atividade no Brasil, e sem dúvida no mundo todo. Jessé de Souza diz até que o racismo está na própria concepção da civilização ocidental, judaico-cristã, e derivaria da própria filosofia grega, desde Platão! Pode até ter havido escravidão e racismo em outras civilizações, em outras plagas, mas o racismo mesmo só vai existir de direito na civilização ocidental.

    Eis que, segundo Jessé, o racismo é fruto da divisão do ser humano em corpo e alma, algo que a filosofia platônica teria criado, o cristianismo teria consagrado ao divinizar a alma e animalizar o corpo. E quem seria a alma pura e autoconsciente? Quem seria o corpo decadente e bestalhão? Quem mereceria o céu, e quem o inferno?

    Os detratores de Risério, por trás dos quais escondem-se outros covardes, talvez nem saibam das consequências maléficas das remoas de Jessé de Souza, mas eles certamente as absorveram como fungos e vírus que penetraram por dentro de sua couraça de autodefesa e pretensa retidão moral.

    O antropólogo Antônio Risério

    Risério, do alto de sua frondosa cabeleira alaranjada e esgueirando um característico sorriso ao mesmo tempo maroto e sardônico, percebe que talvez seus detratores estejam falando de algo que ele deve conhecer, mas, no caso, quase lhe é incompreensível, e relaxa, releva, perdoa, despercebe, sabendo que futucou com verve e sabedoria a ferida narcísica que essa geração de sicofantas brasileiros e mundiais debalde procura um bálsamo para se aliviar. Frondosa é a árvore de onde ele emerge como um ramo fresco e vigoroso, espargindo folhas tenras e flores cheia de néctar por todos os lados. Raiz, Padre Vieira; tronco, Bonifácio, ramos, Euclides, Rosa, Gilberto, Darcy; e tendo por céu o azul de Itaparica.

    Risério não quer saber dessa gente. Ele mira mais longe e mais profundo. O Brasil e sua renovação. Em breve os jovens começarão a trilhar um caminho mais aberto e os seus pais poderão se sentir aliviados e esperançosos de que o troco é mais relevante do que o pagamento.

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    Antropólogo, autor de O Brasil Inevitável (Topbooks, 2019), professor universitário e presidente da Funai (2003-2007).

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    6 COMENTÁRIOS

    1. Cumprimentos ao autor, a Risério e a todos os que se dispõem a confrontar esta enfermidade ideológica conhecida como “identitarismo”, baseada em um simplismo mistificador e desorientador e cujos adeptos exibem os mesmos egoísmos institucionalizados e intolerância que pretendem combater. Práticas totalitárias como o “cancelamento” nas redes sociais e a demonização dos críticos dos seus dogmas, distorções culturais como a linguagem do gênero neutro (ou seria “neutre” ou “neutrx”?) e outras ações e atitudes características desses patrulheiros da ortodoxia “politicamente correta”, em nada contribuem para a luta permanente pelo respeito mútuo, o sentido de propósito coletivo, a justiça social e demais requisitos de qualquer sociedade civilizada. Ao contrário, acabam contaminando a justiça de tais causas, fora dos fanatizados grupos militantes que as adotam como instrumentos de ação.

    2. Tem uma turma que romantiza tanto essa questão da escravidão que esquece que o Brasil não preto de hoje é neto dos substitutos dos escravos (os imigrantes europeus recrutados para substituir a mao de obra negra) e não dos escravistas. Querem impor a todos nós um Brasil renascido em Wakanda! Que reconstruam o Sudão do Sul caso estejam insatisfeitos com a nossa pujante sociedade inclusiva e miscigenada

    3. Respeito é bom e conserva os dentes. Existem pessoas que se filiam a movimentos de atroz autoritarismo sem questionar as cartilhas desses movimentos. Defendem uma causa e querem impor as suas ideias à todos. Este também é o problema do arco-íris e unicórnios. Gostei do texto e um abraço em Risério.

    4. A ignorância se tornou muito agressiva. O inesquecível Nelson Rodrigues, aquele que não poderia ser publicado hoje, tinha toda a razão quando denunciava o que chamava de “rebelião dos idiotas”. Parabéns pelo texto Prof. Mercio.

    5. Obrigada, Prof. Mércio,por esse belo texto. Prazer em conhecê-lo. Sou grata à minha filha por ter me convencido a comprar um smartphone qdo começou a pandemia. Sou uma professora de artes visuais aposentada que demorou a aceitar as redes sociais. Aderi ao Twitter a menos de 2 anos e me encontrei nesta plataforma extraordinária para a educação social. Conheci Antônio Risério há poucos meses e o amo de verdade. Como faz bem pra alma dessa véia professora rebelde da UFES encontrar espíritos avançados nesse mangue de mediocridade. Que a Inteligência Amorosa Universal ilumine o nosso Brasil e proteja seus guerreiros da Luz.🙏🤗💐

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