Um dos temas que certamente ganharão muito espaço do debate mundial em 2024 será a questão da regulação da Inteligência Artificial e da atuação das chamadas BigTechs ou empresas de plataforma. O foco da discussão certamente será a questão do poder de mercado dessas grandes empresas de tecnologia, as chamadas BigTechs – Apple, Microsoft, Alfabeth (Google), Amazon, Nvidia, Tesla, Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp, Messenger) – frente às empresas capitalistas tradicionais, sobretudo os grandes bancos e fundos de investimento, pois, no fundo, é isso o que mais preocupa o mercado e seus reguladores no governo. Há o receio de que estas empresas, que já mereceram a alcunha de “As Sete Magníficas” em Wall Street, tomem o lugar principalmente dos grandes bancos nos processos de fusão e aquisição e reconfiguração do sistema capitalista global.
Como afirmou Eric Posner, professor da Escola de Direito da Universidade de Chicago, autor do livro How Antitrust Failed Workers (Oxford University Press, 2021), em artigo para o site Project Syndicate (08/01/2024):
“As grandes empresas tecnológicas assemelham-se agora aos bancos na sua influência em toda a economia – mas a um nível superior. Através do seu acesso aos dados, sabem mais sobre o comportamento dos consumidores e das empresas e exercem mais controle sobre eles do que os bancos alguma vez fizeram. Fornecem insumos vitais às empresas de toda a economia, bem como produtos e serviços a quase todos os consumidores. Nenhum banco jamais teve tal alcance. Não é de admirar que as empresas tecnológicas também estejam substituindo instituições financeiras que ocupam posições de comando na economia. Como comentou um arrependido financista no Financial Times, as Big Techs têm consistentemente deixado de lado as instituições financeiras na corrida para comprar empresas de IA. Não só as seis maiores empresas sediadas nos EUA (por capitalização de mercado) são empresas tecnológicas, mas a menor entre elas (Meta) tem quase o dobro do tamanho do JPMorgan. As sete principais empresas de tecnologia representam agora 30% de todo o S&P 500; mesmo no seu apogeu de domínio do mercado na década de 1920, o sistema bancário representava apenas 16-19%”.
A discussão, entretanto, deveria ir muito além disso, pois o que está em jogo é muito mais do que a sobrevivência das economias capitalistas de mercado tal como as conhecemos frentes a esses gigantescos oligopólios privados que, como verdadeiros buracos negros, vão engolindo tudo ao seu redor, mas o próprio futuro da humanidade.
Em seu tradicional discurso do “Dia da Paz Mundial”, que o Papa realiza todos os anos, em 1° de janeiro, o tema abordado neste ano foi o da emergência da Inteligência Artificial e os seus riscos. O Papa Francisco apontou para dois riscos importantes: a manipulação algorítmica do comportamento humano e o avanço da automação, turbinada pela Inteligência Artificial, sobre a criação de empregos e qualidade de trabalho, temas que afetam diretamente a questão essencial da dignidade humana.
A preocupação do sumo pontífice é com a ideologia presente no Silicon Valley e demais centros de desenvolvimento de IA no resto do mundo, que aspiram por uma utopia trans humanista que ultrapassa todos os limites, tornando-nos dependentes de tecnologias que somente os especialistas podem configurar. Além de nos desumanizar, o avanço sem limites da IA vai criando um monopólio de recursos e roubando das pessoas comuns as habilidades que tornam a vida digna e com sentido.
Para isso não basta se opor à IA com um vago ceticismo a respeito do progresso, pois os que assim agem poderiam ser chamados de “novos ludistas” – o movimento de trabalhadores que no início da revolução industrial quebrava as máquinas como forma de resistência ao avanço do capitalismo, que destruía seu modo de vida tradicional – mas é preciso desenvolver uma visão crítica da IA que possa apropriadamente levar em conta a natureza e a dignidade humana.
O ponto, portanto, não é ser contra ou a favor do uso da IA, que certamente pode trazer grandes benefícios para a humanidade, mas impor limites que impossibilitem não o seu uso para o benefício humano, mas o seu abuso em prejuízo das pessoas comuns.