Reativação do Parlamento Amazônico – é chegada a hora da diplomacia parlamentar pan-amazônica?

    A necessidade é a rainha das virtudes e crise é oportunidade. Longe dos holofotes e do alarido da mídia, um grupo de parlamentares de diversos partidos moveu-se com determinação e constância durante todo o ano de 2020, mesmo durante a pandemia, para dotar o Congresso Nacional de instrumentos eficientes para o enfrentamento dos graves problemas relacionados à Amazônia Legal (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso) e à Pan-Amazônia (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela).

    Esses parlamentares perceberam a necessidade de uma atuação mais determinada do Congresso Nacional em razão do aumento da temperatura política devido a críticas à gestão ambiental da Amazônia durante o ano de 2019, tanto por parte da mídia e ONGs nacionais e internacionais, como também de organismos internacionais e de governos europeus.

    O Conselho Nacional da Amazônia Legal

    A premência de uma atuação parlamentar mais robusta ficou clara quando, para responder às críticas, o governo saiu do campo da retórica e acabou por promover uma reformulação profunda no Conselho da Amazônia, transferindo-o do Ministério do Meio Ambiente para a vice-Presidência da República, reordenou o seu escopo e retirou de sua composição os governadores. O Conselho passou a ser presidido pelo vice-Presidente da República e integrado por outras quatorze autoridades com status de ministro: Casa Civil, Justiça e Segurança Pública, Defesa, Relações Exteriores, Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Desenvolvimento Regional e pelo Secretário-Geral, Secretaria de Governo e Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

    Embora o general Hamilton Mourão conheça a Amazônia brasileira (comandou a 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas) e a Pan-Amazônia (foi Adido Militar e do Exército na Venezuela entre 2002 e 2004), a exclusão dos governadores do Conselho estimulou uma reação negativa da mídia e do ativismo ambientalista, criando na sociedade a ideia de um déficit de legitimidade do Conselho. 

    Diante disso, o Congresso Nacional iniciou a interlocução com o vice-Presidente por meio de uma iniciativa do senador Telmário Mota (PROS-RR), que coletou assinaturas de outros 26 senadores para a apresentação de um requerimento de uma Sessão de Debates Temáticos no Plenário do Senado Federal na qual o general Mourão apresentasse ao país a estratégia do Conselho da Amazônia. A irrupção da pandemia impediu a realização da Sessão na data aprazada (18 de abril), que acabou sendo realizada em 14 de julho, para discutir, também, o tema do desmatamento, por requerimento da senadora Eliziane Gama (Cidadania – MA).

    O desempenho do general Mourão na Sessão de Debates criou a percepção de que a reformulação do Conselho fora positiva por conferir-lhe caráter marcadamente planejador e executivo, características adequadas à necessidade de que o Estado brasileiro mostrasse clara e rapidamente à sociedade e à comunidade internacional um comprometimento efetivo com a preservação ambiental e uma estratégia para compatibilizar preservação com uso racional do território amazônico e de suas riquezas.

    Mas, por outro lado, também ficou claro que o Congresso Nacional deveria dotar-se de uma estrutura permanente para melhor desempenhar sua função fiscalizatória e favorecer a interlocução dos governadores, prefeitos, universidades, institutos de pesquisa e demais atores sociais com o Conselho da Amazônia. Em razão disso, diversos senadores e deputados, alguns dos quais líderes partidários, solicitaram aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, a criação da Comissão Mista Permanente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, para, em coordenação com as comissões técnicas do Senado e da Câmara, acompanhar a multifacetada problemática amazônica.

    A reativação do Parlamento Amazônico

    Em paralelo a esse movimento de interlocução entre o Congresso Nacional e o governo (Conselho Nacional da Amazônia Legal), surgiram no seio da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, presidida pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) dois instrumentos de diplomacia parlamentar pan-amazônica. A primeira, ainda pendente de aprovação, é a criação de um Grupo Parlamentar do Congresso Nacional para tratar da matéria. Os grupos parlamentares são órgãos do Congresso Nacional que reúnem parlamentares afetos a uma dimensão específica das relações internacionais.

    A segunda iniciativa, liderada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), é a reativação do Parlamento Amazônico, organismo integrado por representantes dos parlamentos dos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela).

    O tratado foi assinado durante o governo Geisel, em Brasília, em 1978, com os objetivos de preservação do meio ambiente e uso racional dos recursos naturais da Amazônia. Em 1995, os países criaram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), uma organização intergovernamental voltada a desenvolver projetos, programas e políticas para a realização dos objetivos do tratado.

    Em 2003, os países instalaram a Secretaria Permanente da OTCA em Brasília. A OTCA tem como Secretária-Geral a ex-ministra do Meio Ambiente da Bolívia Maria Alexandra Moreira, como Diretor Executivo o embaixador brasileiro Carlos Alfredo Lazary Teixeira, e como Diretor Administrativo o peruano Carlos Salinas.

    Um fato político a ser destacado é o de que a iniciativa do senador Nelsinho Trad de liderar a reativação do Parlamento Amazônico respondeu a um pedido expresso que lhe fizeram os embaixadores dos países amazônicos em almoço-reunião na embaixada do Equador, em dezembro de 2019. Assim, a retomada do funcionamento do Parlamento Amazônico expressa a vontade dos povos amazônicos e a liderança do parlamento brasileiro foi solicitada pelos demais países.

    Criado em 1988, o Parlamento Amazônico teve o seu funcionamento marcado por períodos de interrupção, seguidos de tentativas de reativação e novos períodos de suspensão dos seus trabalhos. Desde 2011 não tinha funcionamento regular.

    Em 2020, sob o novo influxo do pedido dos embaixadores dos países pan-amazônicos ao Senado Federal, foram realizadas duas reuniões para a reativação do Parlamento Amazônico, ambas sob os auspícios da Comissão de Relações Exteriores, com expressiva participação de lideranças dos parlamentos dos países amazônicos.

    Na reunião mais recente, no dia 21 de dezembro, o senador Nelsinho Trad foi eleito Presidente do Parlamento Amazônico. Os demais cargos da Mesa serão brevemente preenchidos: o Secretário-Geral (necessariamente parlamentar do mesmo país do Presidente), um Vice-presidente por país e o Secretário Executivo, todos com mandato de dois anos. Em seguida, serão compostas as comissões permanentes.

    O Conselho da Amazônia, coordenado pelo vice-Presidente Hamilton Mourão, tem a responsabilidade de apresentar soluções ao desafio de desenvolver e preservar a Amazônia brasileira, mantendo a soberania na região.

    Diferentemente do Parlamento do Mercosul (Parlasul), criado por um Protocolo Constitutivo firmado pelos presidentes dos países do bloco (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) para legislar sobre os interesses comuns dos povos do Mercosul e funcionar formalmente como um órgão político independente, o Parlamento Amazônico (Parlamaz) ainda não foi objeto de tratamento formal pelos países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica.

    Todavia, as transformações econômicas, políticas, sociais e institucionais em curso na região indicam para a necessidade de que não apenas os governos, mas também os parlamentos nacionais, atuem de modo cada vez mais coordenado. Neste sentido, a institucionalização do Parlamento Amazônico como o parlamento dos povos da pan-amazônia será certamente objeto dos trabalhos do Parlamaz nesta sua nova etapa de vida institucional. A criação por instrumento de direito internacional de um órgão legislativo e político dos povos da pan-amazônia seria um próximo e bem-vindo passo da evolução do processo iniciado em 1978 com a assinatura do tratado, ao qual seguiu-se a criação da OTCA, em 1995, e de sua Secretaria Permanente, estabelecida em Brasília, em 2003.

    Afinal, aprofundar e institucionalizar as relações entre os órgãos de expressão da soberania popular dos povos pan-amazônicos revela-se um imperativo político-estratégico num momento histórico em que os países desenvolvidos, seus fundos soberanos, seus bancos, suas redes de ONGs e seus aparatos midiáticos voltam os olhos para a Amazônia para questionar – ora aberta, ora veladamente – a capacidade de os países da região soberanamente gerirem esta imensa e riquíssima extensão territorial do Planeta.

    Por isso é que neste tormentoso contexto geopolítico a estratégia que orienta tanto o Conselho Nacional da Amazônia Legal quanto a representação brasileira no Parlamento Amazônico seja a de afirmar perante si e mostrar ao mundo que os países amazônicos podem e sabem preservar e desenvolver a Amazônia para o bem-estar dos seus povos e da humanidade e que farão isso abertos à cooperação internacional, mas sem abrir mão de um milímetro de suas soberanias.

    Neste sentido, as duas iniciativas, a do governo e a do Congresso, mantém-se numa linha de coerência e atualizam a estratégia que inspirou a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica, em 1978, durante o governo Geisel, cujo princípio orientador na política externa era o “pragmatismo responsável”.

    Mas, “last but not least”, apesar das coincidências estratégicas, divergências de natureza tática podem eventualmente vir a ocorrer. O Conselho Nacional da Amazônia Legal fala e age pelo governo. A representação parlamentar brasileira no Parlamento Amazônico é, por definição e imperativo constitucional, independente do governo.

    Mais que isso, a sua atual composição é ideológica e partidariamente plural. As articulações no Congresso resultaram num grupo de parlamentares de primeira linha e com posições nem sempre coincidentes em relação ao governo, os senadores Nelsinho Trad (PSD-MS), Paulo Rocha (PT-PA), Telmário Mota (PROS-RR), Eduardo Braga (MDB-AM) e Plínio Valério (PSDB-AM) e os deputados federais Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Marcelo Ramos (PL-AM), José Ricardo (PT-AM), Leo Moraes (Podemos-RO) e Camilo Capiberibe (PSB-AP).

    Considerado o que foi exposto neste sucinto artigo, será otimismo exagerado dizer que a exemplo das águas caudalosas do rio Amazonas, que partem da Cordilheira dos Andes e serpenteiam a Floresta para desaguar no Oceano Atlântico, o Estado brasileiro, malgrado suas deficiências e limitações, utiliza com inteligência estratégica as condições adversas, polarizadas e encrespadas da presente quadra histórica para traçar, em pacífica cooperação com os seus vizinhos, o curso da retomada do papel do Brasil no processo de desenvolvimento, estabilidade e paz na porção amazônica da América do Sul? Quem viver, verá.

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    Samuel Gomes, advogado e professor, mestre em Filosofia do Direito, Consultor em Poder Legislativo, Relações Governamentais e Negócios Internacionais.

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    1 COMENTÁRIO

    1. Nunca a Amazônia como um todo esteve no protagonismo da conservação da natureza como agora, ferida que foi, por desmandos e diatribes do (des)governo brasileiro. Compete a cada cidadão da Pan Amazônia defender e lutar pela vida da floresta, sem hipocrisia e/ou oportunismo. Creio que uma das medidas, aqui no País, seria o estímulo ao turismo, trocando por exemplo, destinos europeus e dos EEUU pela região. Lá você encontra o Brasil, diferente do nosso Sul, “Europeizado”.

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