A Ordem Mundial em Transição: Desafios e Redefinições no Século XXI

    A ordem mundial, um complexo arranjo de poder, normas e instituições que molda as relações internacionais, encontra-se atualmente em um estado de profunda transição. Longe de ser estática, a dinâmica global é constantemente redefinida por ações de grandes potências, o surgimento de novos atores e desafios a estruturas estabelecidas. O unilateralismo, a busca por primazia e o questionamento de instituições multilaterais coexistem com a ascensão de novas esferas de influência e a necessidade premente de uma governança global mais inclusiva.

    A política externa dos Estados Unidos, especialmente sob a administração Trump, tem sido um fator central na reconfiguração da ordem mundial. Walter Russell Mead, em “Trump Seeks to Remake the World”, argumenta que o Presidente Trump busca “acumular o máximo de poder executivo possível em casa” e deseja o mesmo internacionalmente, posicionando os EUA no centro dos assuntos globais. Essa abordagem é caracterizada por um “jingoísmo, unilateralismo e antieuropeísmo”, e uma determinação em “afirmar sua primazia sobre Vladimir Putin e Xi Jinping”.

    Longe de um “isolacionismo”, a intervenção dos EUA no Irã, por exemplo, é vista como consistente com ações anteriores de Trump na Síria e contra líderes militantes, sugerindo que a América não está se retirando do mundo, mas sim redefinindo sua forma de engajamento. No entanto, essa busca por primazia é percebida de maneiras distintas. Janan Ganesh, em “America’s retreat from the world stalls again”, embora reconheça que a ideia de um “retiro americano” pode ser exagerada, aponta que a forma como os EUA se engajam é crucial. A ausência de consulta prévia a aliados em ações militares significativas, como os bombardeios no Irã, gera preocupações sobre a saúde das alianças e a erosão da confiança.

    Essa unilateralidade, mesmo que não signifique um “retiro”, desafia a noção de uma ordem baseada em regras e na cooperação multilateral. A percepção de que os EUA “não informaram os aliados da OTAN” sobre os ataques no Irã, como mencionado em “NATO’s Trump Dilemma” intensifica os temores sobre a estabilidade da aliança e a previsibilidade da política externa americana.

    A ordem mundial pós-Guerra Fria foi amplamente construída sobre instituições multilaterais como as Nações Unidas, o G7 e a OTAN. No entanto, sua relevância e eficácia estão sendo cada vez mais questionadas. Jim O’Neill, em “Who Needs the G7?”, argumenta que o G7, representando “poderes industrializados envelhecidos e em declínio”, já não faz sentido como um grupo de elite de formuladores de políticas globais. Ele defende a inclusão de potências emergentes como China, Rússia, Brasil e Índia, sugerindo um G9 ou um G20 mais eficaz, para que a governança global seja mais representativa e, consequentemente, mais legítima.

     A exclusão dessas potências emergentes do G7 é vista como uma fonte de “desconfiança e ressentimento”. A OTAN também enfrenta desafios internos e externos. A pressão de Trump para que os aliados europeus aumentem seus gastos com defesa e a percepção de que os EUA agem unilateralmente em questões de segurança global, como no Irã, colocam em xeque a coesão da aliança. A cúpula da OTAN em Haia, que busca sinalizar unidade e deter a Rússia, ao mesmo tempo que lida com as exigências de Trump, ilustra a complexidade de manter a relevância de uma instituição em um cenário de poder em transformação.

    A invasão russa da Ucrânia,  em 2022, a anexação da Crimeia em 2014 e  o ataque dos Estados Unidos ao Irã são vistos como um “teste mais amplo da chamada ordem internacional baseada em regras”. Monica Duffy Toft, em “The Return of Spheres of Influence”, questiona se as negociações sobre a Ucrânia se tornarão uma “nova Conferência de Yalta”, que historicamente dividiu o mundo em esferas de influência. Essa preocupação reflete um temor de que a ordem liberal pós-Guerra Fria, baseada em princípios como a soberania nacional e a não-intervenção, esteja sendo substituída por uma lógica de grandes potências que buscam controlar regiões adjacentes.

    A ideia de “esferas de influência” desafia diretamente a noção de um sistema global interconectado e de regras universais. Em vez de uma governança global cooperativa, o retorno a essa lógica sugere um mundo onde a segurança e a prosperidade de uma nação dependem de sua proximidade com uma grande potência e da aceitação de sua hegemonia regional. Isso pode levar a uma maior instabilidade, à medida que potências competem por controle e influência, e nações menores se veem presas entre esses blocos.

    A ascensão de potências como China, Índia, Brasil e Rússia, e a crescente interdependência global, tornam a manutenção de estruturas de governança antigas insustentável. A crítica de Jim O’Neill ao G7 é um sintoma dessa realidade: a ordem mundial não pode mais ser ditada por um pequeno grupo de nações ocidentais. A multipolaridade é uma realidade, e as instituições globais precisam se adaptar para refletir essa nova distribuição de poder.

    O futuro da ordem mundial é incerto. Pode evoluir para um sistema verdadeiramente multipolar, onde diversas potências cooperam e competem em um arcabouço de regras revisadas e mais inclusivas. Alternativamente, pode regredir para um cenário de esferas de influência em competição, onde a lei do mais forte prevalece e a cooperação global é dificultada.

    A postura unilateral de atores como os EUA, embora buscando afirmar sua primazia, paradoxalmente acelera o questionamento da ordem existente e a busca por alternativas por parte de outras potências. Em última análise, a ordem mundial está em um ponto de inflexão. Os desafios à sua estabilidade são evidentes, desde as ações unilaterais de grandes potências até a crescente insatisfação com as instituições existentes. A capacidade de navegar por essa transição, seja através da reforma das instituições, da aceitação de uma nova distribuição de poder ou da redefinição das normas de engajamento, determinará a natureza da ordem mundial nas próximas décadas.

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