A “cadeirada” do Banco Central no governo

    (Foto: O Sul)

    “Faltam razões para elevar a Selic”. Com esse título, o economista Felipe Salto, ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, publicou, às vésperas da reunião do Banco Central que aumentou as taxas de juros em 0.25%, um artigo no Estadão (12/09/2024), no qual afirmava não haver motivos para elevar a Selic. De acordo com Salto “A taxa de desemprego muito baixa e o crescimento econômico mais elevado que o esperado se combinam com uma inflação controlada. Não há razões para a elevação dos juros”. Ainda segundo Salto, “A mediana das expectativas para o IPCA, principal indicador para medir a evolução dos preços dos bens e serviços, indica variação de 4,30%, 3,92% e 3,60% ao ano para 2024, 2025 e 2026, respectivamente. Em que pese a inflação prevista para o ano corrente estar mais próxima do teto da meta determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), há uma convergência das projeções para níveis mais próximos de 3,50%, no futuro próximo. Do lado fiscal, o cenário está longe do mar de rosas, mas não há probabilidade relevante de crise ou algo parecido. O déficit primário (receita menos despesa sem contar os juros da dívida) vai diminuir em 2024, em relação a 2023, de R$ 230,2 bilhões para R$ 57,6 bilhões.”

    Do lado externo, destaca o artigo, “o Federal Reserve, banco central americano, está prestes a iniciar um ciclo de redução dos juros, com prováveis impactos sobre a taxa de câmbio por aqui. Isto é, o real poderá sofrer uma apreciação importante, colaborando para o controle inflacionário, em razão do impacto sobre os preços de bens importados e, indiretamente, considerando o repasse esperado para os demais produtos e serviços.” Afirma, ainda, que “é precipitado iniciar um novo ciclo de elevação dos juros, sobretudo quando estamos partindo de uma taxa elevada, de 10,5% ao ano, equivalente a 7,5% em termos reais. Esse nível supera aquele que os economistas denominam “neutro”, calculado pelo próprio Banco Central em menos de 5%” e conclui afirmando que “Não há como atingir as condições de sustentabilidade da dívida/PIB na presença de um juro real impeditivo. Daí porque é preciso pensar mil vezes antes de recolocar a economia para rodar com juros ainda mais elevados. No presente momento, sem necessidade, a combinação de mercado de trabalho bom, inflação controlada e PIB acima do esperado não enseja elevação dos juros”.

    Ainda assim o BC resolveu aumentar a taxa de juros em 0,25%, colocando o Brasil no pódio dos países campeões em juros altos. Com os juros em 10,75%, o país tem a segunda maior taxa de juros do mundo, atrás somente da Rússia, que está em guerra desde 2022. Dado que as condições macroeconômicas e fiscal estão sob controle – o governo vai fechar o ano com déficit fiscal zero – aparentemente a decisão de elevar os juros teve como objetivo não abalar a credibilidade do BC, que há tempos vinha ameaçando aumentar os juros caso o governo não tomasse medidas drásticas de corte dos gastos públicos. O BC se fez porta-voz de uma narrativa do mercado de que a situação fiscal do país está fora de controle, o que, como os números demostram, não é verdade. O mercado não se conforma com o fato de gastos emergenciais para enfrentar os danos das enchentes no Rio Grande do Sul e para enfrentar a seca e a onda de queimadas pelo país ter ficado fora do cálculo do déficit. Na verdade, queriam ver sangue correndo da guilhotina fiscalista, o que na realidade ainda não ocorreu.  Não aumentar os juros significaria, assim, mostrar que o Banco Central estava arregando diante das críticas do presidente Lula. Mas quanto custou essa “cadeirada” que o BC deu no governo?

    Segundo o professor de economia da UnB José Luiz Oreiro, em entrevista para o jornal Hora do Povo (19/09/2024), “Fazendo um cálculo rápido aqui de quanto custou essa decisão do Banco Central sobre a taxa Selic. Vamos lá. Nosso PIB é de 8 trilhões de reais, aproximadamente. A dívida pública é de 78% do PIB. Mais ou menos 50% dessa dívida está atrelada à taxa Selic. “Isso daria mais ou menos, então, cerca de 3,1 trilhões de reais de dívida ‘selicada’, ou seja, corrigida pela Selic. Um aumento de 0,25 ponto percentual, em um ano, custa 7 bilhões de reais”. Ainda segundo o jornal, “Em 2023, o Brasil gastou R$ 718 bilhões com o pagamento de juros a bancos e rentistas. Esse valor equivale a 6,61% do PIB. Em relação a 2022, o aumento no gasto foi de R$ 131,9 milhões.”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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