A batalha da comunicação na guerra moderna

    Fonte: velhogeneral.com.br

    A forma como a mídia ocidental noticiou o ataque de mísseis do Irã sobre Israel em retaliação aos assassinatos de militantes do Hezbollah perpetrado nas últimas semanas pelo serviço secreto de Israel e aos ataques do exército de Israel no sul do Líbano, que também matou importantes lideranças do grupo xiita, inclusive seu principal líder, demonstra como a guerra da comunicação é parte importante da guerra moderna.

    Em uma época em que, graças à Internet, tudo o que acontece em qualquer lugar é imediatamente compartilhado com o resto do mundo via sites de notícias e redes sociais, as narrativas criadas em torno dos acontecimentos são cada vez mais importantes, não raro até mais do que os acontecimentos em si mesmos. Isso não é novo, mas foi potencializado com a Internet e as redes sociais. Ajudam a mobilizar o apoio ou a rejeição da opinião pública em relação a um ou mais dos atores envolvidos, facilitando ou dificultando o trabalho dos agentes diretamente envolvidos nos conflitos.

    Tome-se o exemplo da guerra na Ucrânia. Toda vez que a mídia anuncia algum feito considerado positivo pelos ucranianos, como foi a recente invasão de uma faixa do território russo na região de Kursk por tropas de elite ucranianas, fica mais fácil para os governos ocidentais envolvidos no conflito mobilizar recursos para os ucranianos. A narrativa de que os ucranianos estão “virando o jogo” predispõe o público, nos Estados Unidos ou em seus aliados na Otan, a aceitar com mais facilidade o aumento de gastos, que saem dos bolsos dos contribuintes, para financiar o confronto. Já quando a imprensa noticia que os ucranianos estão sofrendo reveses, que localidades importantes no território ucraniano estão sendo ocupadas pelas tropas russas e que é quase impossível a Ucrânia vencer essa guerra, acontece o contrário e as pessoas ficam se perguntando se vale a pena gastar dinheiro bom em um mau negócio sem chance de sucesso. As análises nunca são neutras e quem faz análise de conjuntura faz política.

    No caso do recente ataque de misseis do Irã sobre Israel aconteceu algo semelhante. O que se viu na imprensa em geral foi a desqualificação do ataque iraniano. Imagens das baterias antimísseis de Israel que fazem parte de seu “Domo de Ferro” sendo disparadas para interceptar os mísseis ucranianos ou de restos de misseis iranianos virando “pontos turísticos” procuram passar a imagem de absoluta segurança e superioridade de Israel em relação a seus inimigos no Oriente Médio, nomeadamente o Irã.

    Mas parece que não foi isso que de fato aconteceu. Como afirmou Walter Maierovitch em sua coluna no UOL (03/10), “Depois da chuva de duzentos mísseis disparados pelo Irã contra Israel na terça-feira (1º), propagou-se, no mundo ocidental, o insucesso da operação iraniana. Muito se trombeteou a respeito do sucesso do sistema israelense de defesa conhecido por ‘Domo de Ferro’. Falou-se, com relação às explosões, de uma só pessoa levemente ferida, sobre pequenos danos materiais e infinidade de curiosos israelenses a observar, orgulhosos, os fragmentos dos mísseis interceptados.  A propaganda de guerra, cedo ou tarde, dá lugar à verdade real. E vamos a ela. O Irã não saiu fracassado. Obteve relativo sucesso com o emprego da técnica conhecida popularmente por concentração de mísseis, ou “chuva de mísseis”. Atenção: uma base militar israelense no deserto foi destruída. A “chuva de mísseis” tem por objetivo saturar o sistema defensivo e, com isso, permitir a passagem de alguns pelo escudo protetivo, o tal Domo de Ferro, no caso em tela. Com essa estratégia, e por um pequeno desvio da trajetória original, ficou danificado o prédio vizinho ao escritório do Mossad Merkazi Le Modin Uletafkidim, o serviço secreto de Israel, em operação desde 1º de abril de 1951.”.

    Segundo o site russo RT (01/10), cujo acesso está bloqueado nos Estados Unidos, “O Irã usou mísseis hipersônicos pela primeira vez durante seus ataques a Israel na terça-feira, anunciou o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC). O Irã lançou várias salvas de mísseis no que o IRGC chamou de resposta aos recentes assassinatos israelenses dos chefes do Hamas e do Hezbollah, bem como de um general iraniano que estava no Líbano. Mísseis hipersônicos Fattah-2 foram usados no ataque para contornar os radares israelenses, informou a mídia iraniana na noite de terça-feira, citando o IRGC. A Guarda afirmou que 80-90% dos mísseis usados na ‘Operação Honest Promise 2’ atingiram seus alvos, entre os quais estavam a base aérea de Tel Nof, perto de Tel Aviv, e a área de Netsarim, perto de Gaza, na qual, segundo afirmaram, “um grande número de tanques israelenses” foram destruídos. O Irã também alegou ter destruído vários caças F-35 israelenses na base aérea de Nevatim, localizada a meio caminho entre Beersheba e o Mar Morto. As Forças de Defesa de Israel (IDF) estimaram o número de mísseis em 180 e reconheceram que “alguns acertos” foram registrados. De acordo com o IDF, a maioria dos mísseis foi interceptada com sucesso. A única vítima relatada no solo é um palestino, que teria sido morto por um fragmento de míssil perto de Jericó, na Cisjordânia. O bombardeio de terça-feira foi maior em tamanho e escopo do que um ataque de abril, o primeiro ataque desse tipo pelo Irã, no qual dezenas de mísseis balísticos e drones foram disparados contra Israel em represália a um ataque aéreo ao consulado iraniano em Damasco. Os mísseis hipersônicos voam de cinco a 25 vezes a velocidade do som. O Irã revelou seu primeiro míssil, o Fattah-1, em junho passado. A versão Fattah-2 foi mostrada ao público em novembro. Nenhum dos dois havia sido usado em combate antes. De acordo com Teerã, a barragem de mísseis foi uma resposta ao assassinato de Ismail Haniyeh, líder político do grupo militante palestino Hamas, morto em Teerã em julho. O Irã também citou os assassinatos do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e do major-general do IRGC, Abbas Nilforoshan, no Líbano na semana passada. Israel prometeu contra-atacar, enquanto o Irã alertou que quaisquer novos ataques serão recebidos com força.”

    O fato é que toda a narrativa criada sobre a superioridade militar de Israel está facilitando a vida do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu que em ocasiões anteriores tentou, sem sucesso, levar à frente um ataque de grandes proporções ao Irã, mas foi impedido pelo seu gabinete. Como afirmou a revista The Economist, “Pelo menos duas vezes no passado, em 2010 e 2011, os generais de Israel receberam ordens do primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, para se prepararem para ataques iminentes contra o Irã. Em ambos os casos, os chefes de segurança questionaram a legalidade da ordem, dada sem a necessária autorização do gabinete. Em nenhum dos casos Israel entrou em guerra com a República Islâmica. Hoje, Israel está mais uma vez à beira de bater o Irã. Desta vez, Netanyahu não terá problemas em obter a aprovação de um gabinete que, para alguns observadores, é ainda mais belicoso do que ele. Nem os líderes das forças armadas de Israel se opõem a tal ação como antes. E desta vez Israel acredita que as probabilidades estão a seu favor.” (Estadão, 13/10/2024). Entretanto, abrir três frentes de batalha, em Gaza, no Líbano e no Irã, pode ser fatal para Israel, cuja economia já se ressente da falta de gente para o trabalho nas empresas devido à mobilização de pessoal para a guerra. É verdade que nunca faltará apoio dos Estados Unidos a Israel, mas país nenhum pode viver dependendo eternamente da ajuda dos outros.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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