Diante de um cenário militar cada vez mais favorável à Rússia na guerra da Ucrânia e da preocupação de que uma eventual vitória de Donald Trump nas próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos poderia levar a uma redução drástica da ajuda militar norte-americana à Ucrania e ao enfraquecimento da Otan, a União Europeia, que vem se envolvendo cada vez mais no conflito por meio de ajuda militar e financeira à Ucrânia, começa a preocupar-se para um cenário de ataque russo além da Ucrânia.
Segundo matéria do NYT republicada pelo Estadão (09/2), “O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, passou a aconselhar os alemães a se prepararem para um confronto com a Rússia — afirmando que a Alemanha deve reconstruir rapidamente suas Forças Armadas diante da possibilidade do presidente russo, Vladimir Putin, planejar não parar na fronteira ucraniana”. Ainda segundo a matéria, Pistorius, em uma série de entrevistas recentes, afirmou que “as Forças Armadas da Rússia estão completamente ocupadas com a Ucrânia. Mas se houver uma trégua, e Putin tem alguns anos para redefinir seu cálculo, Pistorius acha que o líder russo considerará testar a unidade da Otan”.
Apesar de, em entrevista a Tucker Carlson, antigo apresentador da Fox News, dada no Kremlin, no dia 8 de fevereiro, Putin ter afirmado que a Rússia não tinha interesse em atacar países no flanco oriental da Otan – “Não temos interesse na Polônia, na Letônia ou em qualquer outro lugar”, disse Putin – muitos no governo alemão consideram que não haverá volta à normalidade com a Rússia de Putin. Afinal de contas, a Alemanha, de país europeu que construiu relações mais próximas com a Rússia nas últimas décadas, por meio de acordos comerciais e construção de gasodutos para se abastecer com o gás russo, tornou-se o país da Europa que mais tem contribuído militar e financeiramente com a Ucrânia. Enquanto a Alemanha já deu ajuda de € 17 bilhões à Ucrânia, fora armas e munições, a França, por exemplo, deu apenas € 0,5 bilhão.
Tal sentimento é compartilhado por outros países membros da Otan, nomeadamente aqueles que fizeram parte da ex-URSS. Conforme informou o Estadão (13/2), Kaupo Rosin, chefe da agência de inteligência da Estônia, durante coletiva para apresentar o mais recente relatório nacional de ameaças de segurança, afirmou que a Rússia está se preparando para um confronto com o Ocidente na próxima década e poderá aumentar o contingente nas fronteiras com países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nos próximos anos.
A paranoia que tomou conta dos líderes tem muito a ver com o receio de que, caso seja eleito, Donald Trump deixe-os à própria sorte. De acordo com o Wall Street Journal (23/2), “A perspectiva de uma Ucrânia derrotada perder muito mais terreno nos próximos meses, juntamente com novas dúvidas sobre o compromisso dos EUA em defender seus aliados caso Donald Trump retorne à Casa Branca no próximo ano, está cada vez mais enervando as democracias na Europa e além”. Ainda segundo o jornal “O ex-presidente disse repetidamente que chegará a um acordo de paz rápido na Ucrânia, embora não tenha explicado como e em que condições. Em uma recente aparição de campanha, ele também intensificou suas críticas à Otan, indicando que não defenderia os Estados-membros que não cumprissem a meta de gastos militares de 2% do PIB. “Na verdade, eu encorajaria [a Rússia] a fazer o que eles quiserem”, disse Trump a um líder europeu”.
Segundo a revista inglesa The Economist, “A beligerância cada vez mais profunda da Rússia, a deterioração da posição da Ucrânia e o possível retorno de Trump à Casa Branca levaram a Europa à sua conjuntura mais perigosa em décadas. A questão não é apenas se os EUA abandonarão a Ucrânia, mas se poderão abandonar a Europa. Para a Europa preencher o espaço deixado pela ausência dos Estados Unidos seria necessário muito mais do que aumentar os gastos com defesa. Teria de revitalizar a sua indústria de armamento, conceber um novo guarda-chuva nuclear e criar uma nova estrutura de comando”.
Segundo o WSJ (23/2), “Os EUA têm que se concentrar mais no Leste Asiático. Esse será o futuro da política externa americana pelos próximos 40 anos, e a Europa tem que acordar para esse fato”, disse o senador J.D. Vance, republicano de Ohio, na semana passada na Conferência de Segurança de Munique, onde se recusou a participar de uma reunião da delegação do Congresso com Zelensky. “O problema da Europa é que ela não fornece dissuasão suficiente por si só porque não tomou a iniciativa em sua própria segurança. Acho que o cobertor de segurança americano permitiu que a segurança europeia atrofiasse”, acrescentou.
Ainda segundo o WSJ, “O debate que se desenrola na Alemanha sobre a possibilidade de estender o guarda-chuva nuclear britânico e francês a seus aliados europeus mostra o quão assustados os europeus se tornaram com o fato de os EUA potencialmente abandonarem tanto a Ucrânia quanto seus outros compromissos europeus, acrescentou Benner. “Isso diz sobre o nível de dúvida e medo sobre o mundo em que estamos entrando – aquele em que os EUA não estão lá para nós e onde as superpotências hostis da Rússia e da China estão potencialmente se alinhando contra nós.”
Diante desse quadro de incertezas, é pouco provável que a Otan tome a iniciativa de enviar suas tropas para lutar na Ucrânia, como foi sugerido pelo presidente da França, Emanuel Macron. Segundo a Folha de S. Paulo (27/2) “A ideia, que vem sendo ventilada há meses, fora colocada na mesa na véspera pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que disse durante encontro com líderes europeus que não podia descartar a possibilidade, ainda que não houvesse consenso entre os aliados ocidentais sobre ela”. Ainda segundo o jornal o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que “O mero fato de discutir a possibilidade de enviar alguns contingentes de países da Otan para a Ucrânia é um novo elemento muito importante. Neste caso, nós temos de falar não sobre a possibilidade, mas sobre a inevitabilidade [de uma guerra Rússia-Otan]”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov”. Os demais líderes europeus e os Estados Unidos apressaram-se em desautorizar as palavras de Macron.