Boa parte da discussão econômica no mês de novembro se deu em torno da chamada meta fiscal. No começo do ano, Haddad apresentou a meta de zerar o déficit das contas públicas em 2024, junto com o novo arcabouço fiscal, que substitui o antigo teto de gastos. Declarações recentes do presidente Lula reabriram a discussão. Em encontro com jornalistas em outubro, o presidente afirmou que o déficit zero “dificilmente” seria atingido e que o País não precisava disso. “O que eu posso dizer é que ela (a meta fiscal) não precisa ser zero. A gente não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse País”, disse Lula na ocasião.
A afirmação do presidente gerou uma onda de especulações no mercado. O dólar se valorizou ante o real, a despeito da onda de enfraquecimento da moeda norte-americana no exterior, o Ibovespa caiu, descolado da alta registrada nos mercados internacionais e os juros futuros continuaram a subir. Dentro do governo ocorreu, a fiar-se pelo que afirmou a imprensa, uma batalha entre os ministérios da área econômica, favoráveis à manutenção do compromisso, e “ala política” preocupada com o atendimento de outros compromissos do governo, nomeadamente o crescimento econômico que, em período de vacas magras, não rima nada com austeridade fiscal.
No fim, prevaleceu a área econômica do governo, com o governo comprometendo-se com a meta de déficit fiscal zero para o próximo ano. Ou melhor, Haddad pediu tempo até março, quando deve sair o primeiro Relatório de Receitas e Despesas Primárias de 2024, para que se decida sobre qualquer mudança na meta. Quase todo mundo concorda que, com a base fiscal do governo corroída nos últimos anos, será difícil alcançar o déficit zero em 2024. Isso não deveria ser motivo de tanto alvoroço, mesmo porque é de conhecimento de todos que orçamento do governo é extremamente engessado.
Como observou o ex-secretário da Receita Federal, Everaldo Maciel, em artigo no Estadão (02/11), “ A Constituição de 1988 tem especial responsabilidade nesse processo, ao instituir os orçamentos autônomos dos Poderes da República, proceder à abusiva elevação das vinculações de receita e da partilha de tributos com os entes subnacionais, admitir a revisão das receitas previstas na proposta orçamentária em virtude de “erros e omissões” e expandir displicentemente o império das “emendas parlamentares”, que conspiram contra o federalismo fiscal, estimulam o perdularismo e favorecem a corrupção sistêmica”. Isso para não falar que despesas como salário do funcionalismo nas três esferas de poder, pensões e aposentadorias, que crescem vegetativamente à revelia do governo, precisam ser pagas de qualquer jeito. O espaço que o governo tem, portanto, para cortar gastos discricionários é mínimo, para não dizer inexistente.
Mas a questão é: até que ponto isso é realmente relevante para o futuro do País? Ninguém discorda que a gestão responsável das contas públicas é um pré-requisito importante para o bom funcionamento da economia. Mas até que ponto é realista propor uma meta de déficit fiscal zero em um momento em que a economia mundial patina e o País ainda se vê às voltas com os efeitos recessivos da pandemia da Covid-19, da guerra na Ucrânia e agora no Oriente Médio e da redução do crescimento da China? Fazer dívida não é um fato natural de vida, como diz a propaganda de um certo banco? Principalmente no caso do governo que fabrica a moeda com que irá pagá-la. O fato é que as despesas operacionais do governo, em 2022, já foram menores que as receitas do governo e o déficit em grande parte se deve à conta de juros sobre a dívida pública, que não para de aumentar, empurrada pelos juros elevados que o Banco Central teima em jogar nas alturas, como se fosse o excesso de consumo da população o responsável pelo aumento de preços.
Nessas condições, déficit fiscal zero significaria, na realidade, um superavit primário de pelo menos uns 3% do PIB ou mais. Em 2022, os gastos do governo federal com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública foram de R$ 1,879 trilhão, 46,3% do orçamento federal executado. Os que clamam por déficit fiscal zero não estão preocupados com o crescimento do País, mas com a geração de superávits para continuar a alimentar esse Robin Hood às vessas em que tornou o Estado brasileiro, que tira dos pobres e de quem trabalha para dar aos que vivem de renda, principalmente aos bancos.
Muito bem analisado, Prof. Envie também para o Fernando Haddad e o Campos Neto.