Quando estudam a situação atual da economia chinesa, os analistas se dividem em dois grupos: o dos que veem o copo meio cheio e dos que veem o copo meio vazio. Enquanto os primeiros preferem enfatizar os fatos que mostram como a China, depois do mais longo lockdown entre todos os países por causa da pandemia da Covid-19, finalmente caminha para retomar o nível de atividade pré-pandemia, os segundos destacam as dificuldades que a China atualmente enfrenta para fazê-lo.
O jornal chinês Global Times, por exemplo, destaca vários números positivos para o mês de maio, ilustrados no quadro abaixo. Nele se vê, por exemplo, que o índice de produção de serviços, em maio, apresentou um crescimento de 11,7%, em relação ao mesmo mês de 2022, e que o mesmo índice, considerado o período janeiro-maio, apresentou melhora de 9,1% também de ano para ano. No que diz respeito ao valor adicionado industrial, o crescimento foi de 3,5%, em maio, e de 3,6% entre janeiro e maio relação ao ano anterior. No comércio externo, o aumento foi de 0,5% em maio e 4,7% entre janeiro de maio de ano para ano. Já no que diz respeito à venda total de bens de consumo no varejo, registrou-se um aumento de 12,7%, em maio, e 9,3% entre janeiro e maio, relativamente a 2022. No caso específico das vendas on-line, o aumento foi de 13,8% entre janeiro e maio, também na comparação anual. Os investimentos em ativos fixos também cresceram 4,0% entre janeiro e maio, relativamente ao mesmo período de 2022, sendo 0,1% no setor primário, 8,8% no setor secundário e 2,0% no terciário. A taxa de desemprego em maio foi de 5,2%.
Fonte: Global Times
Os números de maio, entretanto, embora positivos, são, na maioria dos casos, um pouco mais fracos do que os de abril, o que, na visão dos “baixistas”, estaria revelando que, depois do impulso inicial, no começo do ano, a economia chinesa estaria novamente perdendo fôlego. Ninguém questiona, ainda, a capacidade de a China crescer os 5% projetados pelo governo, em 2023, mas muitos desses analistas consideram que, de uma meta “subestimada”, os 5% já seriam uma meta “realista”.
A maioria das análises publicadas na imprensa Ocidental, no mês de julho, adota um tom negativo. Destacam as causas que estariam por trás desse fraco desempenho da economia chinesa no segundo trimestre e levantam dúvidas sobre a eficácia das medidas que o governo está adotando para remediar a situação.
Análise da agência Dow Jones, publicada no jornal Valor (15/6), afirma que, depois de uma série de cortes nas taxas de juro que o banco central chinês realizou no início de junho, Pequim planeja várias medidas de peso para reanimar a economia debilitada da China, dentre elas, a emissão de US$ 140 bi em bônus para financiar projetos de infraestrutura e ajudar governos locais endividados e o afrouxamento de regras para estimular a venda de imóveis residenciais. Destaca, contudo, que “muitos economistas têm dúvidas se as medidas mais recentes serão suficientes para reverter a deterioração da confiança e evitar mais desaceleração. Para alguns deles, essas medidas também indicam que as autoridades ainda estão aferradas às velhas formas de impulsionar o crescimento com o uso de crédito para estimular investimentos, em vez de adotar passos mais difíceis para aumentar a renda e o consumo das famílias”.
Análise da agência Bloomberg, também publicada no jornal Valor (14/6), destaca que “A China está intensificando sua política de estímulos para dar impulso à sua economia em desaceleração. Mas o aumento significativo do endividamento e preocupações com a estabilidade financeira significam que as medidas deverão ser limitadas em comparação aos pacotes de estímulo em períodos anteriores de fraco crescimento.” Destaca ainda que “As medidas sugerem uma mudança de posição do governo do presidente Xi Jinping, de sua abordagem cautelosa aos estímulos, ressaltando as preocupações das autoridades com a desaceleração da economia depois que um crescimento liderado pelo consumo no começo do ano começou a perder força. Mas o impacto de qualquer estímulo – e o espaço de manobras do governo – deverá ser limitado pela situação financeira já complicada dos governos locais e do setor imobiliário”.
Matéria do Wall Street Journal (15/6) destaca as mesmas medidas e acrescenta que “Depois de registrar um sólido crescimento de 4,5% no primeiro trimestre, a China está lutando com inúmeros desafios econômicos, incluindo o arrefecimento das exportações, uma contínua desaceleração imobiliária e o desemprego juvenil teimosamente alto. Mais estímulos podem não ajudar, alertam alguns economistas, porque empresas e consumidores não estão dispostos a assumir mais dívida.”
Outra matéria do mesmo Wall Street Journal (14/6) chama atenção para o elevado endividamento das famílias, do setor privado e dos governos locais como fatores que levarão a um crescimento mais fraco por muito tempo. Segundo a matéria, a dívida total como porcentagem do PIB na China é de 295%, ultrapassando os 257% dos Estados Unidos e a média de 258% da zona do euro, segundo dados do BIS (Banco de Compensações Internacionais). Destaca ainda que o endividamento do governo central é baixo. Segundo a matéria, “Depois de anos de pesados empréstimos, muitos na China estão focados em pagar suas dívidas este ano – e o resultado pode ser um crescimento mais fraco por muito tempo”.
Uma terceira reportagem do mesmo WSJ (14/6) afirma que “As exportações chinesas caíram em um ritmo mais acentuado do que o esperado em maio, alimentando preocupações de que a recuperação pós-reabertura do país esteja falhando e a atividade comercial global esteja esfriando rapidamente”. Afirma ainda que “Os números medíocres apontam para um papel cada vez menor do comércio na condução do crescimento econômico da China em comparação com a era “covid-zero”, quando a forte demanda ocidental por eletrônicos, móveis e outros bens físicos inundou as fábricas chinesas com pedidos. As autoridades chinesas fizeram grandes esforços para garantir que as fábricas permanecessem abertas, mesmo mantendo muitos residentes confinados em suas casas.”
Uma quarta matéria do mesmo WSJ (18/6) adota um tom ainda mais catastrófico: “Se a confiança não for restaurada, dizem alguns analistas, isso pode travar a economia em uma espiral descendente e tornar ineficazes novos estímulos. “A verdadeira barreira para uma recuperação do crescimento é a falta de confiança”, escreveu Ting Lu, economista-chefe da Nomura para a China, em nota. A situação da China está se tornando cada vez mais semelhante à do Japão na década de 1990, acrescentou, quando a confiança enfraquecida após uma crise imobiliária contribuiu para décadas de crescimento fraco e preços em queda.”
A revista inglesa The Economist (24/6) vai na mesma linha. Segundo a revista, “Há várias razões para se desanimar com as perspectivas econômicas da China, desde os controles americanos de exportação de semicondutores avançados e investidores estrangeiros nervosos até a repressão do presidente Xi Jinping às grandes empresas de tecnologia. Mas o principal culpado pela fraqueza recente é o setor imobiliário, que antes da pandemia era uma fonte crucial de crescimento em toda a economia. A atividade desacelerou, primeiro porque o governo tentou conter os desenvolvedores altamente endividados e, mais recentemente, porque as vendas permaneceram fracas. Entre janeiro e maio, por exemplo, o investimento imobiliário caiu 7,2%, em relação ao mesmo período do ano anterior. O perigo é que a falência imobiliária agora se torne um mal-estar duradouro. O fim do longo boom imobiliário prejudicou a economia de várias maneiras. Arrastou a construção e todos os serviços associados necessários para a construção de casas e vendas. Como os proprietários de imóveis têm menos probabilidade de gastar dinheiro se estiverem preocupados com seu bem mais valioso, o fim do boom provavelmente também deprimiu o consumo. Muitas empresas na China usam propriedades como garantia para seus empréstimos, por isso é provável que também tenha esfriado o investimento privado.”
O que essas análises todas desconsideram é que o governo chinês sempre tem uma carta na manga quando se trata de garantir o crescimento da economia, que é a política fiscal. A crise financeira de 2008 transformou-se em uma grande oportunidade para a China modernizar e ampliar toda sua infraestrutura de transportes com um pacote de investimentos na casa dos 580 bilhões de dólares. Se o acionamento da alavanca da política monetária e de crédito não der os resultados esperados, sempre haverá a possibilidade de acionar a alavanca da política fiscal, mesmo porque a dívida do governo central na China como percentagem do PIB, como os próprios críticos reconhecem, é relativamente baixa. Segundo informou o jornal Global Times (03/07), as empresas estatais (SOEs) da China, especialmente as administradas centralmente, estão aumentando os investimentos em uma tentativa de impulsionar a economia doméstica, que está avançando no caminho da recuperação, apesar de alguns indicadores econômicos recentes apontarem para um ritmo de crescimento moderado. Segundo o jornal, nos primeiros cinco meses do ano, o investimento das empresas estatais administradas pelo governo central chegou a 1,7 trilhão de yuans (US$ 234 bilhões), um aumento de 12,5% anualmente. Entre eles, o investimento em ativos fixos, excluindo o do setor imobiliário, foi de 1 trilhão, um aumento de 20,4% em relação ao ano anterior, mostraram na segunda-feira os últimos dados da Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (SASAC) do Conselho de Estado. Somente em maio, o investimento de SOEs administradas centralmente ultrapassou 380 bilhões de yuans, um aumento de 19,6% em relação ao ano anterior, segundo dados da SASAC. “As SOEs em geral e as SOEs administradas centralmente em particular desempenham um papel fundamental na economia nacional quando a economia enfrenta pressão para baixo, por isso é esperado que eles estejam fazendo esforços em investimentos para ajudar a levantar a economia”, disse Song Ding, um pesquisador do Instituto de Desenvolvimento da China, disse ao Global Times na segunda-feira”. “Atualmente, há amplo capital estatal que poderia injetar ímpeto na recuperação econômica”, observou Song.