Henry Kissinger, experiente diplomata, ainda em atividade, que completou 100 anos último dia 27 de maio, e prestes a lançar dois novos livros sobre inteligência artificial e a natureza das alianças, afirmou, em longa entrevista à revista inglesa “The Economist”, no mês de maio, que Estados Unidos e China estão em rota de colisão porque “Ambos os lados se convenceram de que o outro representa um perigo estratégico. Estamos no caminho do confronto entre grandes potências.”
Um dos aspectos mais enfatizados pelo experiente diplomata é que a Inteligência Artificial esteja prestes a sobrecarregar a rivalidade sino-americana. Segundo ele, “Em todo o mundo, o equilíbrio de poder e a base tecnológica da guerra estão mudando tão rapidamente e de tantas maneiras que os países carecem de qualquer princípio sobre o qual possam estabelecer a ordem. Se não conseguirem encontrar um, podem recorrer à força. Estamos na clássica situação anterior à Primeira Guerra Mundial”, em que nenhum dos lados tem muita margem de concessão política e em que qualquer perturbação do equilíbrio pode levar a consequências catastróficas”.
Ainda sobre a questão dos riscos do uso da inteligência artificial nas questões militares ele lembra, em outro trecho da entrevista, que mesmo os especialistas em IA não sabem quais serão seus poderes, mas acredita que a inteligência artificial se tornará um fator chave na segurança dentro de cinco anos. Ele compara seu potencial disruptivo com a invenção da imprensa, que espalhou ideias que contribuíram para causar as guerras devastadoras dos séculos XVI e XVII.
Segundo ele, vivemos em um mundo de destrutividade sem precedentes. Apesar da doutrina de que um humano deve estar no comando, armas automáticas e imparáveis podem ser criadas. “Se você olhar para a história militar, você pode dizer, nunca foi possível destruir todos os seus oponentes, por causa das limitações da geografia e da precisão. [Agora] não há limitações. Todo adversário é 100% vulnerável.” Para ele, a China e os Estados Unidos precisarão aproveitar seu poder militar, até certo ponto, como instrumento de dissuasão. Mas também podem limitar a ameaça que isso representa, da mesma forma que as negociações de controle de armas limitaram a ameaça de armas nucleares. “Acho que temos que começar a trocar informações sobre o impacto da tecnologia uns nos outros”, diz ele. “Temos que dar passos de bebê em direção ao controle de armas, no qual cada lado apresenta ao outro material controlável sobre capacidades”.
A respeito das falsas narrativas que podem levar à guerra, Kissinger destaca que, em Washington, é dito que a China quer dominar o mundo. Para ele, contudo, “Não é assim que eles pensam ou já pensaram sobre a ordem mundial.” Segundo a Economist, “O Sr. Kissinger vê o sistema chinês como mais confucionista do que marxista. Isso ensina os líderes chineses a atingirem a força máxima de que seu país é capaz e a buscar serem respeitados por suas conquistas. Os líderes chineses querem ser reconhecidos como juízes finais do sistema internacional de seus próprios interesses. “Se eles alcançassem uma superioridade que pudesse ser genuinamente usada, eles a levariam a ponto de impor a cultura chinesa?” ele pergunta. “Não sei. Meu instinto é não… [mas] acredito que está em nossa capacidade impedir que essa situação surja por uma combinação de diplomacia e força.”
Kissinger destacou ainda que na economia o perigo é a agenda comercial ser sequestrada por falcões que não estão dispostos a dar à China qualquer espaço para se desenvolver. Essa atitude de tudo ou nada é uma ameaça à busca mais ampla pela détente. Se os Estados Unidos querem encontrar uma maneira de viver com a China, não deveriam almejar uma mudança de regime. Segundo a Economist, o Sr. Kissinger se vale de um tema presente em seu pensamento desde o início. “Em qualquer diplomacia de estabilidade, deve haver algum elemento do mundo do século 19”, diz ele. “E o mundo do século 19 baseava-se na proposição de que a existência dos estados em conflito não estava em questão.”
Em relação à guerra na Ucrânia, Kissinger critica o presidente Putin que, segundo ele, cometeu um erro de julgamento catastrófico, mas lembra que o Ocidente não está isento de culpa. “Achei que a decisão de deixar em aberto a adesão da Ucrânia à OTAN foi muito errada.” Isso foi desestabilizador, porque acenar com a promessa de proteção da Otan sem um plano para realizá-la deixou a Ucrânia mal defendida, ao mesmo tempo em que certamente enfureceria não apenas Putin, mas também muitos de seus compatriotas”.
Com 100 anos de idade, Kissinger se mostra bem mais lúcido que seu compatriota John Biden que, apesar de 20 anos mais moço, mostra-se um líder fraco e incapaz de conduzir a nação americana na direção correta, deixando-se conduzir pelos falcões da guerra, pelos neoconservadores e por uma unanimidade burra entre democratas e republicanos, incapaz de reconhecer que não há outra alternativa senão procurar estabelecer um modus vivendi com a China e com a Rússia.
Sonhar com um mundo sem a China, ou com uma China sem o PCCh, ou com um mundo sem a Rússia, ou uma Rússia sem Putin, como aparentemente é o desejo de Biden, é a receita certa não só para a guerra, como para o caos internacional. Ao tentar estabelecer falsos paralelos entre a Ucrânia e Taiwan, Biden incorre em um erro grotesco, uma vez que, diferentemente da Ucrânia, Taiwan não é um país independente, mas é parte inalienável da China, conforme consta na constituição chinesa e conforme reconhecem os próprios Estados Unidos, a ONU e mais de 190 países no mundo.
Se algum dia a China perder a paciência e resolver retomar Taiwan pela força, pode-se até dizer que não foi a forma mais adequada ou mesmo pela qual a própria China gostaria de fazê-lo, mas ninguém poderá acusá-la de estar violando nenhuma regra ou princípio do direito internacional, pois se trata de um assunto eminentemente interno dos chineses.