O governo Biden mal chegou na metade, mas tudo na política americana gira em torno dos cálculos para as eleições presidenciais, em 2024. Os republicanos conquistaram o controle da Câmara dos Representantes nas eleições de meio-mandato e vão usar a recém-conquistada maioria para dificultar a vida do presidente Biden, mas precisam tomar cuidado para não se indisporem com o eleitorado e dar munição aos democratas.
Muitos dos programas introduzidos por Biden são populares entre os eleitores e tentar inviabilizá-los pode ser um tremendo tiro no pé. Até o ex-presidente Donald Trump, o mais forte pré-candidato republicano para 2024, postou recentemente um vídeo alertando os republicanos a não “cortar um único centavo” da Previdência Social ou do Medicare, o sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados Unidos da América destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou que verifiquem certos critérios de rendimento.
No discurso sobre o Estado da União, que o presidente dos Estados Unidos é obrigado, pela Constituição, a fazer todos os anos, exceto no primeiro ano do mandato, para prestar contas e divulgar suas prioridades para o Congresso e os juízes da Suprema Corte, Biden destacou principalmente as conquistas econômicas de seus dois primeiros anos de governo. Exaltou a recuperação econômica, a redução da inflação e a queda na taxa de desemprego que atingiu o nível mais baixo dos últimos 53 anos. Lembrou que foram criados, em dois anos, 12 milhões de empregos, mais do que qualquer outro presidente já criou em quatro anos (Trump em seu programa de governo havia prometido criar 24 milhões em 10 anos). Falou também sobre o ataque ao Capitólio, em seis de janeiro de 2021, enaltecendo a resiliência da democracia americana, reforçou a necessidade de se continuar apoiando Kiev, na Guerra na Ucrânia, e, como não poderia deixar de ser, tratou da disputa com a China. Afirmou que busca a competição, mas não o conflito com os chineses, mas disse que não vai “se desculpar por investir em fortalecer a América”. Aproveitou o episódio dos balões para dizer que “não se engane, como deixamos claro na semana passada, se a China ameaçar nossa soberania, agiremos para proteger nosso país. E sejamos claros: vencer a competição com a China deve unir todos nós’.
A expectativa é de que Biden anuncie, nas próximas semanas, sua candidatura à reeleição. Mas nem tudo são flores para o presidente americano. Com o aperto na política monetária pelo FED, aumentou o risco de uma recessão nos EUA e são maiores as chances de uma redução dos gastos pelas famílias.
A ata do último encontro do FED, em fevereiro, afirma que “Os dirigentes concordaram que os riscos para a perspectiva de atividade econômica estão apontados para baixo”, com “a probabilidade de a economia entrar em recessão em 2023 ainda elevada” (Valor 22/02). O Fed elevou sua taxa referencial de juros em 4,5 pontos percentuais desde março passado, mais recentemente para uma faixa entre 4,5% e 4,75%. Esse é o maior nível desde o início da década de 1980, que, segundo previsão de muitos economistas, frearia os investimentos e as contratações. Como destacou o jornal Valor (07/02), “Uma pesquisa do Gallup divulgada na segunda-feira [06/02] mostrou que os americanos estão desanimados com as perspectivas de crescimento, com cerca de quatro em cada dez esperando um aumento do desemprego”.
Apesar do tom ufanista do seu discurso, Biden chega ao meio de seu mandato altamente impopular. Conforme noticiou a Folha de S. Paulo (08/02), “o democrata chega à metade do governo com 43,2% de aprovação, segundo a agregadora de pesquisas FiveThrithyEight. A cifra é pouco superior à que Trump tinha na mesma altura do mandato (40,2%), mas abaixo das de Barak Obama (48,5%) e George W. Bush (59,5%). A taxa de desaprovação do atual presidente é de 52,2%”. Segundo o Wall Street Journal (10/02), “Pesquisas recentes mostram que a maioria dos eleitores democratas não quer que ele concorra a um segundo mandato, e seus índices de aprovação permanecem baixos”.
Para complicar um pouco mais as coisas, a Casa Branca também está em um impasse com os republicanos da Câmara sobre o limite da dívida pública, com o presidente da Câmara Kevin McCarthy (R., Califórnia) exigindo cortes de gastos em troca do aumento do teto da dívida. A posição de Biden é que o teto da dívida deve ser elevado sem condições, alertando sobre as consequências econômicas caso os EUA deixem de pagar sua dívida. Caso a Câmara não aprove o aumento do limite, atividades essenciais do governo poderão ser paralisadas a partir de julho, uma vez que o teto de US$ 31,4 bilhões foi alcançado em janeiro. Segundo noticiou o Wall Street Journal (10/02), “Desde que assumiram o controle da Câmara no mês passado, os republicanos têm argumentado que o Congresso deveria cortar gastos em troca do apoio do Partido Republicano para aumentar o limite da dívida, agora em cerca de US$ 31,4 trilhões. Em um discurso na segunda-feira antes do discurso do presidente Biden sobre o Estado da União na terça-feira, McCarthy (R., Califórnia) expôs o tamanho dos cortes que os republicanos estão buscando”. Ainda segundo o Wall Street Journal, “O Comitê para um Orçamento Federal Responsável, um grupo orçamentário apartidário, estimou que o equilíbrio entre os gastos e a receita do governo em 10 anos – sem novos aumentos fiscais — exigiria um corte de 25% nos gastos do governo. McCarthy reiterou que não apoiaria cortes na Previdência Social e no Medicare – os maiores programas de gastos federais – e não especificou um cronograma para equilibrar o orçamento. Mas sem aumentar impostos ou cortar Previdência, Medicare ou gastos com veteranos e defesa, o CRFB estima que o Congresso precisaria cortar 85% dos gastos em todas as outras categorias para equilibrar o orçamento em 10 anos”.
No lado republicano, a confusão também é grande. Os caciques do partido Republicano, bem como seus mega financiadores de campanha, como Charles Koch, gostariam de livrar-se de Donald Trump, indiscutivelmente a figura mais tóxica da política norte-americana na atualidade. As pesquisas mostram que Trump é o único candidato republicano que Biden poderia vencer. Mas não será fácil livrar-se dele em 2024. Já se foi o tempo em que os caciques do partido definiam quem seria o candidato às eleições presidenciais.
Desde 2016, quando Trump tomou de assalto o partido Republicano. Mesmo não sendo o preferido da cúpula partidária e dos financiadores, os republicanos ficaram reféns de um sujeito cruel e sem escrúpulos, mas que conseguiu cativar uma parte importante do eleitorado da sigla: a baixa classe média branca e cristã e, não menos importante, parcela crescente do operariado, para quem o slogan MAGA (Make America Great Again) e o seu discurso anti-imigrante e anti-China soam como música.
Já há pelo menos oito pré-candidatos republicanos para as eleições primárias de 2024, o que mostra que a indicação de Trump para concorrer novamente para a Presidência não será um passeio. Mas o paradoxo é que quanto maior o número de candidatos republicanos disputando as primárias, melhor para Trump que, como em 2016, poderá conquistar a indicação com os trinta e poucos por cento de votos que tem entre os eleitores das primárias do partido Republicano.
Até o momento, a única candidata a lançar-se oficialmente foi a ex-governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, que durante a gestão de Donald Trump foi embaixadora dos Estados Unidos na ONU. Suas chances, entretanto, são mínimas, mesmo porque era vista, até recentemente, dentro do partido Republicano, como uma apoiadora de Trump. Ninguém com essas credenciais poderia ser um candidato crível para desafiar Trump. Como afirmou Edward Luce, do Financial Times (15/02), “Os únicos candidatos que podem derrotar Trump são aqueles que nunca o serviram. O governador da Flórida, Ron DeSantis, o senador da Carolina do Sul, Tim Scott, e o governador da Virgínia, Glenn Youngkin, são os mais plausíveis. Desses, apenas DeSantis – a ponta da lança conservadora anti-woke – tem até agora o perfil para competir com Trump. Ele também conta com o apoio de muitos dos grandes doadores do partido”.
Ainda segundo Luce, “Em um confronto direto, De Santis venceria Trump, segundo a maior parte das pesquisas. Mas em uma disputa lotada, Trump poderá repetir o que fez em 2016, quando venceu primária após primária com menos da metade dos votos. Do ponto de vista de Trump, quanto mais candidatos na disputa, melhor. De certa forma, isso subestima suas possibilidades. Quanto mais fraco Trump parecer, mais provável a entrada de outros na disputa. Chame isso de estratégia “cara, eu ganho; coroa, você perde”. Esse é o pavor familiar que se abate sobre o establishment republicano”. Segundo a revista The Economist (14/2), a última pesquisa YouGov/Yahoo mostra que apenas 5% dos eleitores republicanos apoiariam Nikki Halley para a indicação do partido. Trump e DeSantis, segundo a pesquisa, estão muito à frente, com 37% e 35% dos votos, respectivamente.