Reforma Tributária: o eterno retorno do que nunca foi
Luís Antonio Paulino
Entra governo, sai governo, a reforma tributária não sai da pauta. Há pelo menos 40 anos se discute o tema no Brasil, sem que uma reforma tributária realmente abrangente tenha sido até agora realizada. Mudanças pontuais, aqui ou acolá, têm sido feitas ao longo dos anos para atender situações ou interesses particulares, mas que, no final, apenas contribuem para tornar a colcha de retalhos que é o sistema tributário brasileiro ainda mais confusa.
O grande desafio para a realização de uma reforma tributária digna do nome, no Brasil, é saber qual é ou quais são os principais problemas que se pretende resolver. Sem isso, a reforma tributária corre o risco de nunca sair do papel, pois, para cada ator relevante ela vai significar uma coisa diferente. Dependendo do que se considere o problema a ser resolvido haverá uma solução diversa e potencialmente conflitante com as demais.
Há quem diga, por exemplo, que o maior problema do sistema tributário brasileiro é a sua complexidade. Para se comprovar a tese, recorre-se a comparações internacionais do número gasto de horas pelas empresas para realizar o pagamento dos impostos. Segundo essas comparações, Brasil é o 1º no ranking entre os países em que as empresas utilizam mais tempo para calcular e pagar impostos. Segundo esses levantamentos, as empresas gastam, em média, 1.501 horas ao ano, um valor maior que em qualquer outro país do mundo. Para quem pensa ser esse o principal problema, o objetivo maior da reforma deveria ser a simplificação do sistema. Há até quem radicalize e defenda o tal “imposto único”, como vimos nas últimas eleições.
Há, contudo, quem pense que o problema principal está no ICMS, nosso mais importante imposto sobre o valor adicionado, cuja arrecadação é de responsabilidade estadual. Para os que assim pensam, o principal problema, além da complexidade do sistema, dado que cada um dos 27 estados da federação tem uma legislação própria para a cobrança do imposto, o que torna a vida das empresas que vendem para todo o País um inferno, está na sistemática de cobrança, ou seja, no fato de ser um imposto cobrado na origem e não no destino do produto. Essa sistemática traz consigo inúmeras distorções. A principal delas é que a maior parte do imposto fica com o estado que vendeu a mercadoria e não com o estado onde o produto foi efetivamente consumido.
Outro problema aparece quando o produto vai ser exportado. Como as exportações são isentas do ICMS (pois, recomenda a boa prática, não se exportam impostos), as empresas não conseguem se ressarcir do ICMS já ao longo da cadeia produtiva na aquisição dos insumos, uma vez que o estado de onde o produto foi exportado se nega a devolver para a empresa os impostos que foram recolhidos em outros estados na compra de insumos utilizados no produto final. Desse modo, as empresas acumulam créditos tributários que não conseguem recuperar integralmente, onerando, assim, seus custos de produção e comprometendo sua saúde financeira. A solução para essas duas questões seria a mudança de sistemática de cobrança no imposto da origem para o destino. Mas isso implicaria em perda de receita para os estados mais industrializados que não aceitam ou não podem abrir mão desses recursos e, até hoje, travaram qualquer solução mais radical para o problema.
Há ainda os que pensam que o maior problema do sistema tributário brasileiro esteja no seu caráter regressivo, ou seja, os pobres pagam relativamente mais impostos que os ricos. A solução, nesse caso, seria mudar a estrutura tributária, tributando menos o consumo, que pesa mais no bolso dos pobres, e mais a renda e o patrimônio, que pesa mais para os ricos. Para os que assim pensam a solução seria aumentar as alíquotas mais altas ou criar novas alíquotas para o imposto de renda de pessoas físicas, instituir impostos sobre grandes fortunas, aumentar os impostos sobre herança e, principalmente, cobrar o imposto de renda sobre a distribuição de dividendos para os acionistas das empresas, uma vez que a não cobrança desse imposto, como ocorre hoje, faz, com que o empregado pague mais imposto que o dono da empresa. Obviamente há os que dizem que isso seria inconstitucional, pois o imposto já foi recolhido pelas empresas por meio do imposto de renda sobre pessoas jurídicas, apesar de o Brasil ser um dos três únicos países do mundo onde não se cobra esse imposto.
Mas as coisas, não param por aí, pois há também quem pense que o principal problema seja o excesso de impostos sobre a produção, tirando competitividade das empresas. Para os que assim pensam, a solução seria, ao contrário das anteriores, aumentar os impostos sobre o consumo, aliviando a carga tributária das empresas. Assim fazendo, as empresas seriam mais competitivas, venderiam mais, investiriam mais etc. Há também os que pensam que além de excessivos, diversos impostos pagos pelas empresas – como as chamadas contribuições sociais – são cumulativos ou “em cascata”, que não podem ser compensados na fase seguinte da produção, represando assim um aumento excessivo no custo e, portanto, no preço final do produto.
Tudo isso do lado de quem paga, pois se olharmos para o lado de quem recebe, ou seja, União, Estados e Munícipios, os ‘principais problemas” são outros. Os municípios, por exemplo, reclamam que sua base tributária é muito estreita, ou seja, podem cobrar poucos impostos, basicamente o imposto sobre serviços (ISS) e o IPTU, mas no final das contas são os que precisam resolver os problemas mais imediatos da população que, afinal, vive nos munícipios, e não nesse ente abstrato chamado Estado ou União. Mas a simplificação dos impostos pode impactar negativamente as receitas municipais. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, por exemplo, chamou Bernard Appy, responsável no ministério da Fazenda para encaminhar a proposta de reforma tributária do governo Lula, de “técnico autoritário” por supostamente sugerir que o ISS poderia ser agregado em um novo imposto mais geral sobre valor adicionado.
Como podermos ver, portanto, sem antes definir qual é o problema ou problemas que se pretende resolver, ou seja, estabelecer uma linguagem comum para que quando se fale em reforma tributária todos pensem mais ou menos na mesma coisa, vai ser muito difícil realizar uma reforma abrangente. O máximo que vai se conseguir serão novos remendos que vão solucionar os problemas de uns e criar novos problemas para outros. Afinal, como dizia o senador americano Russel Billiu Long, especialista em legislação tributária: “Tax reform means, don’t tax you, don’t tax me, tax that fellow behind the tree” (Reforma Tributária significa: não taxe você, não taxe a mim, taxe aquele sujeito atrás da árvore).