Matéria publicada na revista semanal MSIa – nº 05 – 24 de janeiro de 2023.
O ex-deputado federal e ex-ministro Aldo Rebelo é sempre uma referência de lucidez e equilíbrio nas discussões sobre as questões políticas nacionais. Somadas à sua larga experiência nos poderes Legislativo e Executivo e ao seu profundo conhecimento histórico, tais qualidades lhe permitem oferecer ponderações oportunas e relevantes, particularmente significativas em momentos de fortes turbulências como as que sacodem o País.
Em 11 de janeiro, ele participou de uma reunião virtual com outros ex-ministros da Defesa, inclusive o líder do governo no Senado, Jacques Wagner, em apoio ao atual ministro da pasta, José Múcio Monteiro, sob forte bombardeio de setores do PT que lhe atribuem uma corresponsabilidade pelos acontecimentos de 8 de janeiro.
Nos últimos dias, tem sido repetidamente solicitado para compartilhar a sua visão dos fatos. Em uma entrevista ao vivo ao UOL, ao longo de quase uma hora, ele pôde oferecer uma autêntica aula sobre o comportamento esperado de homens públicos e instituições, mesmo enfrentando as pressões dos entrevistadores (Leonardo Sakamoto, Tales Faria e Josias de Souza), com frequência beirando a deselegância, para tentar extrair dele declarações favoráveis aos seus pontos de vista.
Para Aldo, antes de se atentarem para os personagens do que chamou a “tragédia” daquele domingo, é preciso analisar a “causa da situação dramática que estamos vivendo”. Depois de descartar a existência de uma “ameaça de ruptura institucional”, ele assinalou a raiz do problema: A gravidade reside na insegurança, na desconfiança que há entre duas instituições fundamentais do poder nacional: a Presidência da República, que é a instituição mais importante, e as Forças Armadas, o poder armado do País. Essa desconfiança de uma em relação à outra, que muitas vezes gera insegurança, é o que gera essa situação que estamos vivendo no País. E o Brasil não pode prosseguir com essa desconfiança e essa insegurança. (…)
Em sua visão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou superar essa lacuna com a nomeação de José Múcio, “um homem vocacionado para o diálogo, preparado, capaz, experiente”, mas que, no entanto, “já encontrou uma situação de fato, uma sequência de erros que ele está procurando corrigir”.
Entre tais erros, ele citou a permissão militar para o estabelecimento de concentrações nas portas de quartéis, que são “áreas de segurança nacional”. “Isso é inadmissível”, afirmou.
Outro erro citado foi o veto de integrantes do governo Lula à tradicional salva de 21 tiros com que um novo presidente é saudado: Por que foi proibida? Numa situação como essa, já delicada, você fere no cerimonial uma tradição das Forças Armadas. Então, outros setores da própria base de sustentação do governo alimentam nas redes sociais um discurso de animosidade contra as instituições armadas. (…)
Um irascível Tales Faria queria identificar “o culpado pelos crimes” de 8 de março: “Os militares? O ministro Múcio? O governo Lula? O governo Bolsonaro?”
Aldo contestou: Muitas vezes, mais importante do que encontrar o culpado é encontrar a causa, porque quando você encontra a causa você tem a tese para encontrar o culpado. E o que tem que ser apurado e punido rigorosamente são os crimes cometidos no último domingo. Crime de violação das instituições do País, invasão das sedes dos três poderes, crime de violência contra o patrimônio público com a depredação, que tem que ser indenizada pelos autores, e crime contra a memória do País, contra um patrimônio histórico, com a destruição de obras de arte dentro dessas instituições.
Isso tem que ser punido. Agora, você ligar um ato ilegal, mas que foi admitido pelo governo anterior e pelas Forças Armads, que é a presença desses manifestantes nas portas dos quartéis, automaticamente, ao que aconteceu dentro dos palácios, você está correndo o risco de não ser exato no exame do problema. Porque boa parte daqueles manifestantes veio dos estados de ônibus, havia 100 ônibus em Brasília e eles não saíram das portas dos quartéis. (…)
Para o ex-ministro, a superação do impasse de desconfiança entre a Presidência e as Forças Armadas não virá da contemporização, como sugerido por Josias de Souza. Segundo ele, será preciso “combinar duas coisas muito difíceis, a punição aos crimes e à indisciplina, com um esforço de pacificação do País”. O governo, afirmou, “não pode ser parte do problema, tem que ser parte da solução; governo que é parte do problema não vai muito longe”.
Como parte do empenho, disse ele, “parte do PT não pode ficar olhando para as Forças Armadas achando que elas estão preparando um golpe para amanhã, como ficaram repetindo nos últimos quatro anos, e as Forças Armadas não podem olhar para um governo de inclinação de esquerda como se vivêssemos em 1969 ou 1970”.
“Temos que sepultar a agenda da Guerra Fria, essa agenda tem que ficar para trás”, enfatizou. Ressaltando a importância da pacificação, Aldo advertiu que “o triunfo de Lula pode ser passageiro, ele precisa encontrar o caminho da pacificação do País”.
Ao exaltado Tales Faria, que chegou a falar em “risco de guerra civil”, Aldo contestou a possibilidade e a qualificação de “tentativa de golpe” para o 8 de janeiro: (…) Acho que qualificar aquilo que houve em Brasília de golpe é uma espécie de desmoralização da palavra. Aquilo foram criminosos que devem ser punidos, mas golpe ou tentativa de golpe como conhecemos requer um aparato de apoio político, ideológico, intelectual. O golpe de 64 não foi dado por arruaceiros e criminosos comuns, foi fruto de uma poderosa articulação, que tinha a Igreja, todos os principais jornalistas do Brasil, intelectuais… os empresários, os governadores de São Paulo, de Minas, do Rio Grande do Sul, a classe média, a embaixada dos EUA, tinha apoio internacional. Como se pode comparar uma coisa dessas com os eventos de domingo, que não tinham apoio da mídia, internacional, dos militares, dos empresários. Como esse pessoal vai dar golpe? (…)
Sobre o afastamento provisório do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, Aldo se mostrou reticente: A intervenção de emergência na área da segurança pública se justificava, porque houve de fato uma falha grave nessa área… Agora, a ideia de afastar o governador sem uma apuração prévia do envolvimento e da responsabilidade dele, eu sinceramente tenho as minhas dúvidas e os meus receios, porque eu creio que, na relação de independência e harmonia entre os poderes, o poder que deriva do voto precisa ser tratado com muito cuidado, porque quando você afasta um ente que recebeu um voto popular você está afastando o voto do eleitor. (…)
Aldo manifestou sua preocupação com o que chamou “um processo de criminalização generalizado, inclusive na área da imprensa”, levando Josias de Souza a perguntar se ele achava que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes estaria exorbitando em suas decisões e cometendo abusos de autoridade. A resposta veio certeira: “Eu não quero fulanizar nem personificar… mas eu quero falar da instituição. Que a instituição exorbita, não há dúvida.” Ele citou como exemplos as proibições impostas pelo STF a três presidentes – Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro – a indicações feitas aos seus ministérios e à chefia da Polícia Federal. Para Aldo, “há um desequilíbrio nas relações dos três poderes e um esvaziamento dos poderes do Executivo”, o que em sua avaliação é um fator permanente de crise.