Semeando tempestades
Não satisfeito com a guerra que ajudou a deflagrar na Europa, Biden fez sua primeira viagem à Ásia em busca de mais confusão. Completamente transtornados pelo receio de perderem a posição de maior economia mundial para a China, os Estados Unidos estão dispostos a ultrapassar todos os limites do sempre precário equilíbrio entre as grandes potências e incendiar o mundo se isso for necessário para manter sua posição de potência hegemônica.
Tentando estabelecer um falso paralelo entre a invasão da Ucrânia – um país soberano – com a ameaça a Taiwan – território internacionalmente reconhecido como chinês, inclusive pela ONU, e que a China tenta, desde 1949, reincorporar pacificamente ao país – Biden quer transformar o Quad – um fórum estratégico informal entre Estados Unidos da América, Japão, Austrália e Índia, criado com o apoio dos Estados Unidos, em 2007 – na versão asiática da Otan.
Deixando de lado o compromisso assumido pelos Estados Unidos de não estimular o movimento separatista da ilha de Taiwan, por meio do que ficou conhecido como “ambiguidade estratégica” – não deixar claro se, em uma eventual tentativa de separação de Taiwan, os EUA socorreriam militarmente a ilha frente a uma reação militar da China – Biden, quando perguntado sobre o assunto, pela terceira vez desde que assumiu o mandato, afirmou que sim. Mesmo que esse sim expresse apenas a posição pessoal do presidente, uma vez que a Casa Branca tratou logo de desautorizá-lo, afirmando que a política oficial dos Estados Unidos em relação à China não havia mudado, a fala de Biden é um sinal verde para os que defendem a separação de Taiwan da China irem em frente.
Assim como no caso da Ucrânia, em que sabiam que se estimulada a pedir adesão à Otan iria desencadear o conflito, os Estados Unidos fazem o mesmo em relação a Taiwan, pois sabem que a China, embora trabalhe pelo retorno pacífico da província rebelde ao seio da pátria chinesa, não tolerará uma declaração de independência e necessariamente reagirá militarmente.
É indisfarçável o desejo dos Estados Unidos de provocar uma guerra com a China. Como maior potência militar do planeta sente que uma guerra seria o caminho mais rápido para impedir a ascensão chinesa, uma vez que não conseguem mais fazê-lo disputando com os chineses em outros campos, como o econômico ou o tecnológico. Sabem que, nesses dois terrenos, ainda que tenham uma superioridade temporária em relação à China, é apenas uma questão de tempo serem alcançados, graças aos enormes avanços e pesados investimentos chineses em ciência e tecnologia.
Ao tentar caracterizar a disputa com a China como uma batalha entre a democracia e o autoritarismo, os Estados Unidos apenas camuflam os seus reais interesses e criam uma falsa narrativa com o objetivo de iludir a opinião pública mundial e provocar uma versão global da luta do bem contra o mal, como fizeram com a Rússia, na guerra da Ucrânia. Os Estados Unidos sabem que quando as coisas são postas nestes termos, qualquer solução de compromisso se torna praticamente impossível. Afinal, se o bem se compõe com o mal, ele deixa de ser o bem. A única coisa que se pode fazer com o mal é exterminá-lo.
Ao se referir ao erro dessa política, o quase centenário ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, foi direto: “As diferenças de ideologia não devem ser a principal questão em confronto, a menos que estejamos preparados para fazer da mudança de regime o principal objetivo de nossa política” (Valor 17/5).
A viagem de Biden à Ásia tem o claro propósito de, utilizando o exemplo da Rússia, fazer ameaças à China. Além de rufar os tambores da guerra, Biden utilizou a viagem para lançar a Estrutura Econômica do Indo-Pacífico (Ipef), uma nova versão da Parceria do Trans-Pacífico (TPP), lançada durante o governo Obama, em 2008, e abandonada por Trump, em 2016. O seu objetivo declarado é excluir a China da cadeia de valores e do padrão de interoperabilidade da próxima geração de conectividade digital – o 6G.