Resenha Estratégica – Vol. 18 – nº 32 – 18 de agosto de 2021.
Mario Lettieri e Paolo Raimondi, de Roma
Cinquenta anos são passados desde o fatídico discurso do presidente estadunidense Richard Nixon, em 15 de agosto de 1971, no qual ele anunciou medidas radicais para o futuro da economia e da política mundiais. No entanto, não há nada para comemorar.
A decisão tomada naquele momento significou o fim do padrão-ouro. A partir dali, o dólar não seria mais conversível e resgatável em ouro. Em tese, até então, os países detentores de reservas em dólares poderiam solicitar a sua conversão em ouro a qualquer momento. Os EUA estavam livres para “imprimir dinheiro” novamente, sem a obrigação de possuir uma quantidade de ouro equivalente às notas verdes em circulação.
Igualmente, foi deixado de lado o regime de câmbio fixo, que regulava as relações entre as principais moedas, um dos pilares do sistema de Bretton Woods, criado na cidade de New Hampshire, em 1944. Em lugar dele, no sistema monetário internacional, foi introduzida a taxa de câmbio flutuante, que sempre esteve e continua sujeita às especulações do mercado de câmbio. Infelizmente, foi também o início da “desregulamentação”.
Nos EUA, salários e preços também foram congelados por 90 dias, além de adotada uma tarifa de 10% nas importações. Os controles de preços interromperam temporariamente a inflação, que logo voltou mais forte do que antes.
Com a decisão unilateral da flutuação do dólar, iniciou-se um período de instabilidade que levou à desvalorização da moeda estadunidense, o que favoreceu os consequentes choques do petróleo de 1974 e 1979 e, no final da década de 1970, levou à disparada dos juros da Reserva Federal para a casa de 20%. Foi um choque econômico global sem precedentes.
A intenção de Nixon era induzir os países industrializados a revalorizar as suas moedas em relação ao dólar, para reduzir o crescente déficit da balança de pagamentos estadunidense. Os efeitos, entretanto, estavam fora de controle e eram incalculáveis. As coisas aconteceram de forma diferente. As novas “regras do jogo” pavimentaram o
caminho para a globalização das finanças.
É verdade que a situação econômica dos EUA não era mais sustentável, inclusive, devido ao endividamento com os gastos da Guerra do Vietnã. As próprias reservas de ouro do país caíram de 24 bilhões de dólares, em 1948, para 10 bilhões, em 1971.
Desde então, os Estados Unidos têm enfrentado os seus déficits orçamentários e gastos crescentes imprimindo cada vez mais dólares. Na verdade, inundaram o mundo com dólares.
Em 1971, a relação dívida pública/PIB estadunidense era de 36,2%. Hoje, já ultrapassou 135%. Em realidade, devemos somar as dívidas das duas gigantes do mercado imobiliário público, Freddie Mac e Fannie Mae, que não foram uma causa secundária da crise de 2008.
Durante esse meio século, os EUA têm vivido além das suas possibilidades. Para administrar uma dívida crescente e uma situação financeira cada vez mais precária, os governos estadunidenses mudaram muitas outras regras ao longo do tempo, quebrando todo o conjunto de regras criado pelo presidente Franklin Roosevelt para superar a Grande Depressão da década de 1930. Em particular, em 1998, foi revogada a Lei GlassSteagall de 1933, que estabelecia uma separação bancária entre bancos comerciais e de investimento, proibindo os primeiros de usar os depósitos e poupanças de cidadãos em transações financeiras especulativas e de alto risco.
Após a Grande Crise de 2008, com a colossal injeção de liquidez conhecida como “flexibilização quantitativa”, os muitos desafios planetários, a pandemia de Covid-19 e a crise econômica, deve ficar claro que, para evitar perigosas guerras de moedas, será preciso construir um novo acordo monetário internacional. Poderia ser um sistema multipolar baseado preferencialmente em uma “cesta estável de moedas”. Infelizmente, este problema ainda não foi resolvido.
Em seu discurso de 1971, o próprio Nixon falou da “necessidade urgente de se criar um novo sistema monetário internacional”. Talvez ele estivesse mais ciente do que os outros da gravidade de sua decisão.