Intérpretes do Brasil – Positivistas

    A bandeira do Brasil e sua divisa de Ordem e Progresso inspirada no Positivismo.

    O positivismo no Brasil foi, em grande parte, organizado e difundido pela Sociedade Positivista brasileira, fundada em 5 de setembro de 1878 por Benjamin Constant (1836-1891), Miguel Lemos (1854-1917) e Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927). Ela foi um núcleo de pensamento e de organização política influenciado pelo positivismo francês, corrente teórica inaugurada pelo filósofo Augusto Comte, um dos fundadores da sociologia.

    Segundo o conceituado sociólogo nacionalista Alberto Guerreiro Ramos, os positivistas foram os que “pela primeira vez, entre nós, colocaram com toda clareza o problema da formulação de uma teoria da sociedade brasileira como fundamento da ação política e social” (Ramos, 1957, p. 56). Isto é, o conhecimento científico da realidade social própria do Brasil era a condição basilar para a adequada intervenção política nos rumos do país. 

    Caso contrário, a ação política limitar-se-ia ao simples empirismo, como teria sido o caso, de acordo com eles, da Inconfidência Mineira, da Revolução Pernambucana de 1817 e da Independência em 1822.

    Os positivistas valorizaram a memória desses eventos fundadores da nacionalidade e, em particular, resgataram as figuras históricas de Tiradentes e de José Bonifácio, esquecidos durante a Monarquia, colocando-as no panteão dos Pais da Pátria. Propuseram, então, continuar e aprofundar o trabalho histórico de construção do Brasil soberano por eles iniciado, partindo da compreensão científica da realidade brasileira, cujos instrumentos teóricos e metodológicos ainda não teriam sido formulados nos contextos pretéritos em que a Independência havia sido tentada e conseguida.

    Benjamin Constant, Teixeira Mendes e Miguel Lemos, teóricos e práticos do Positivismo brasileiro.

    O caráter analítico sustentaria, assim, o normativo. Os positivistas elaboraram um arrojado projeto de Nação, bastante influente nos anos iniciais da República e que seria aplicado, em essência, no século XX, durante a Era Vargas e o regime militar.

    A Pátria foi entendida por eles como intermediária entre as famílias, unidade básica da sociedade, e a humanidade, ponto de referência superior da ação política. Tal concepção evitava, assim, o individualismo atomizante próprio da ideia britânica de Estado formulada por Thomas Hobbes e John Locke e, também, o chauvinismo belicista, em tudo contrário à disposição fraterna que os positivistas buscavam estabelecer nas relações internas ao Brasil e externas do nosso País com os demais.

    Sendo considerada “uma reunião de famílias ligadas pelas mesmas tradições, pelos mesmos interesses, pelas mesmas aspirações” (Teixeira Mendes, 1902, p. 3), a Pátria deveria, então, ser venerada e celebrada em sua história, formadora das possibilidades presentes de construção de um futuro melhor. A ordem, construída pela história e mantida pelo culto aos ancestrais, era a base para o progresso, para o conjunto de melhoramentos aos que a Pátria estaria destinada.

    Tais possibilidades de melhoria, por sua vez, dependeriam de uma direção intelectual, moral e política, que os positivistas se propunham assumir e colocar em prática por meio do planejamento governamental.

    A organização nacional proposta pelos positivistas tinha como eixos a República, a centralidade do Poder Executivo, a supressão da hereditariedade dos cargos políticos, a abolição da escravatura sem indenização aos antigos senhores, a separação entre o Estado e a Igreja e as liberdades civis como a de pensamento, de expressão e de culto.

    O desenvolvimento industrial – entendida a agricultura como a “indústria fundamental” – seria o cerne da estruturação do Brasil projetado pelos positivistas. Segundo eles, o industrialismo seria a base material da moralização da sociedade, ainda mais a brasileira, marcada pelo modelo dissipador do latifúndio escravista voltado ao atendimento prioritário da demanda externa.

    A indústria elevaria o meio técnico de organização do trabalho, favorecendo uma maior produção e circulação dos bens necessários à elevação do padrão de vida do conjunto da população, bem como uma maior solidariedade social pelo aumento da divisão do trabalho.

    Defensores da grande propriedade – a mais propícia, segundo eles, para encadear os efeitos positivos da indústria -, os positivistas não deixaram de assinalar a sua função eminentemente social. O capital, surgido do concurso coletivo ao longo de várias gerações, deveria servir ao bem estar das gerações presentes e vindouras. Não seria, portanto, meramente privado, mas um instrumento da sociedade a fim de encaminhar o progresso para todos, devendo ser planejado para essa finalidade.

    A indústria deveria ser organizada do ponto de vista civil e social, seguindo um planejamento político, não de acordo com o laissez-faire propugnado pelo liberalismo. A ordem industrial não deveria ser guiada por interesses particulares desenfreados, mas pelos interesses de toda sociedade, quer dizer, de toda a Pátria. O desenvolvimento industrial estaria subsumido, assim, à Questão Nacional. Portanto, seria imperativa a incorporação dos trabalhadores, que constituíam a massa de cidadãos, à fruição das melhorias engendradas pela indústria.

    Ainda que os positivistas enfatizassem a necessidade de uma reforma moral e intelectual dos industriais para conscientizá-los do papel social a que estavam destinados a cumprir, eles não perderam de vista a necessidade de mudanças institucionais.

    Por isso, em 25 de dezembro de 1889, Teixeira Mendes, por intermédio de Benjamin Constant, apresentou ao Governo Provisório da República nascente um ambicioso projeto de reforma legal das condições de trabalho para proteger a “família proletária contra o empirismo industrialista”. Esse plano, elaborado a partir da consulta a cerca de 400 operários, e não a Carta del Lavoro da Itália fascista, foi a base para a legislação trabalhista adotada por Getúlio Vargas.

    Júlio de Castilhos e Getúlio Vargas, expoentes da corrente positivista gaúcha em suas versões regional e nacional.

    Entre as medidas propostas, constavam o salário mínimo, a jornada de trabalho de 7 horas diárias, a proibição do trabalho infantil, o direito a férias de 15 dias e à folga dominical, a estabilidade no emprego após 7 anos de serviço, a licença remunerada em caso de doença, aposentadoria por idade e por invalidez, pensões às viúvas e órfãos menores de idade.

    Tais medidas, muito à frente do estágio então presente das forças produtivas brasileiras, foram arquitetadas deliberadamente para impedirem que a industrialização em nosso País se desse nas condições hostis ao trabalhador e sua família, verificadas na maioria dos países que compõem o centro capitalista norte-atlântico. O modelo de desenvolvimento propugnado pelos positivistas era, portanto, de cunho social, dirigido prioritariamente para o bem-estar da sociedade como um todo e não para a acumulação de riqueza nas mãos de poucos capitães de indústria.

    Os positivistas brasileiros influenciaram significativamente os círculos militares e o movimento republicano, podendo ser considerados, com justiça, patronos da República brasileira.

    Benjamin Constant teve papel decisivo na Proclamação da República, convencendo o até então monarquista Deodoro da Fonseca a aderir à causa republicana e dirigindo a rebelião militar para que a substituição de regime não desandasse em violência e revanchismo. A criação, em 1890, do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, voltado a organizar a educação básica no Brasil, atendeu a solicitação de Benjamin Constant, tendo sido desmantelado após o seu falecimento.

    Teixeira Mendes, por sua vez, é o autor da atual bandeira nacional, tendo sido da sua iniciativa a preservação do traçado básico da bandeira imperial e a inclusão do lema “Ordem e Progresso”, derivado do lema comteano “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”. Foi estabelecida em contraposição à bandeira sugerida por Rui Barbosa, cópia verde-amarela da dos EUA, absolutamente incompatível com a nossa identidade e as nossas tradições.

    Houve, pois, forte influência positivista no Exército e a participação decisiva de alguns dos seus principais quadros na Proclamação da República e, também, na instauração do Estado laico na primeira Constituição republicana.

    Todavia, o reformismo social positivista, em grande parte, não obteve efetivação prática em âmbito nacional durante a Primeira República, principalmente a partir dos governos de Prudente de Morais e de Campos Sales, que consolidaram no comando do país a coalizão oligárquica capitaneada pelos cafeicultores paulistas.

    Ainda assim, e possibilitado pelo federalismo adotado na República, o positivismo foi decisivo, em particular, no plano estadual do Rio Grande do Sul. Os governos do PRR (Partido Republicano Riograndense), liderados por Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros e Getúlio Vargas, estabeleceram uma direção fortemente positivista à administração desse estado, formando uma vertente política do positivismo alcunhada de castilhismo. Desse modo, o Rio Grande do Sul, em linha contrária ao do liberalismo oligárquico prevalecente na esfera federal, conheceu avanços substantivos em sua estrutura produtiva, na cobertura dos serviços públicos e na proteção aos trabalhadores. Essa última, inclusive, foi assegurada pela Constituição estadual de 1891, redigida por Castilhos e de elevada inspiração positivista.

    O positivismo também foi marcante nos governos de Moniz Freire (1892-1896 e 1900-1904) no Espírito Santo, estado onde a Constituição também recebeu forte influência do positivismo; nos governos de Lauro Sodré (1891-1897 e 1917-1921) no Pará; e no governo de João Pinheiro (1906-1910) em Minas Gerais. A capital mineira, Belo Horizonte, havia sido planejada no final do século XIX por um engenheiro positivista, Aarão Reis (1853-1936), cuja contribuição para a economia política brasileira muito influenciou o futuro presidente Getúlio Vargas. Em todos esses estados, a prática do planejamento econômico levou a administrações inovadoras e a uma grande prosperidade material.  Em grande parte, o projeto delineado pela Sociedade Positivista alcançou realização empírica nesses estados.

    Olavo de Carvalho, Paulo Guedes e Ernesto Araújo, expressões da militância teórica e política contra a influência positivista remanescente na sociedade brasileira.

    No âmbito nacional, o projeto positivista de industrialização concomitante à formação de um Estado de bem-estar social tipicamente brasileiro somente veio a ser colocado em prática após a Revolução de 1930, que, de certa forma, amplificou o castilhismo em escala nacional. Em maior ou menor grau, os sucessivos governos nacionais até aproximadamente 1980 foram influenciados pelo positivismo, fazendo com que o Brasil se tornasse um dos países de maior crescimento industrial nesse período.

    Tanto os postulados teóricos quanto as contribuições programáticas do positivismo permanecem atuais no século XXI.

    A primazia dos interesses nacionais sobre os particulares e a superação dos conflitos e ódios em favor da unidade da Pátria são a base para o êxito de todos. A retomada da industrialização, necessária para incrementar a posição do Brasil e dos seus empresários na ordem internacional multipolar que se delineia, precisa ser compatível com o atendimento das necessidades materiais e espirituais de um contingente de mais de 200 milhões de compatriotas, que constituem a essência e a razão de ser da Nação. Em um país infelizmente marcado pela precariedade das condições de vida da maior parte da população, o desenvolvimento das forças produtivas deve servir à edificação de uma sociedade mais justa e generosa, de modo a solidificar os vínculos de solidariedade nacional, condição fundamental para o Brasil sobreviver e prosperar frente aos desafios desse século.

    Referências e sugestões de leitura:

    A Pátria Brasileira – Teixeira Mendes. 1902. Disponível em: http://www.biblio.com.br/conteudo/teixeiramendes/molduraobras.htm

    Felipe Maruf Quintas
    Mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

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    4 COMENTÁRIOS

    1. Após quase um século de pesado desprezo político e intelectual da parte dos liberais, dos marxistas e/ou dos católicos, felizmente parece que aos poucos o Positivismo vem sendo recuperado e revalorizado pelas elites políticas e sociais brasileiras preocupadas com os destinos nacionais. Isso é motivo para muita comemoração.

      O autor do texto, entretanto, a despeito da boa vontade ao escrever o texto acima, cometeu alguns equívocos:

      (1) o projeto positivista NÃO foi implantado durante o regime militar; na verdade, os militares que tomaram o poder eram influenciados pelo autoritarismo e pelo fascismo e combatiam encarniçadamente o Positivismo;

      (2) o projeto social positivista levava em consideração a “sociedade industrial”, que é a forma de organização social baseada no trabalho livre e na divisão entre trabalhadores e patrões; ela NÃO equivale a “industrialismo” ou ao primado das fábricas;

      (3) simplesmente não está claro o que significa a afirmação segundo a qual Getúlio Vargas teria ampliado o castilhismo em nível nacional, após 1930; em particular, o Estado Novo foi incluenciado pelos fascistas (Góes Monteiro, Francisco Campos e até laivos de Plínio Salgado) e não pelos positivistas, assim como a queima das bandeiras estaduais foi um ato simbólico representativo de uma política radicalmente antifederalista e anticastilhista.

    2. É preciso refazer á dignidade social: ALDO REBELO É O CAMINHO PARA O CONSENSO. OS PARTIDOS, NEM MESMO O PT, SÃO MAIS OS DONOS DAS RUAS . UM PROGETO DE ESTADO é feito com planejamento e grandeza humana. O ESTADO MÍ NIMO É Á NEGACÃO DE TUDO QUE É LIMPO E JUSTO: É A UNIVERSIDADE DA ESMOLA E DA ” CARIDADE OFICIAL” . O tecido social está como sapato velho: NÃO AGUENTA MAIS REMENDO.

    3. Quando se impõe uma ” renda mínima” escravocrata, á libertação abraça á violência: é preciso reformar para não sangrar.

    4. A reforma moral de qualquer elite econômica exige puxões de orelhas : nossa elite econômica não é diferente. Nosso sistema financeiro, mais que nunca puxado pelo maldito neoliberais do estado zero, transforma nossos governantes em meninos de recados.

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