Militar é diferente?

    (Imagem: Ascom Exército)

    *Artigo publicado na página da Associação de Oficiais Militares de Santa Catarina (ACORS) em 27/03/2006.

    Na barulhenta campanha de difamação dos servidores públicos, os militares
    têm sido uma vítima frequente e silenciosa. A última investida ataca a forma
    diferenciada como eles contribuem para a Previdência e são recompensados
    pela sociedade.
    Mais que um erro de julgamento, é uma ingratidão.
    A Previdência é apenas o instrumento final do reconhecimento público ao
    trabalho peculiar dos integrantes das Forças Armadas, baseado na dedicação
    integral e exclusiva e na renúncia a direitos usufruídos pelos demais
    servidores e trabalhadores da iniciativa privada.
    Quem critica a seguridade diferenciada dos agentes da defesa nacional
    ignora que, desde antes da Independência, eles financiam suas pensões.
    Segundo um estudo do Centro de Análises de Sistemas Navais da Marinha, se
    tal contribuição fosse capitalizada, pagaria com sobras os custos dos
    pensionistas da Armada.
    Além dos aspectos históricos, é imperioso considerar as características
    especiais da atividade. A primeira diferença é que militar só pode ser militar.
    Eles estão proibidos de acumular ocupações, ao contrário dos demais
    servidores. Sargento não pode abrir bar, nem tenente pode vender pastel na
    feira para completar os vencimentos que ficaram congelados durante quatro
    anos. Todo o patrimônio material e cultural que reúnem ao longo da vida
    provém do soldo e das gratificações.
    Para limpar de vez o debate, algumas distorções históricas serão corrigidas.
    Recentemente, os chefes militares tomaram a iniciativa de adaptar as regras
    particulares aos novos princípios gerais da Previdência Social.
    De acordo com a proposta, filhos solteiros só receberão pensão até os 21
    anos. Todos, inclusive os reformados, os inativos, os pensionistas e os
    recrutas, contribuirão para a Previdência. A universalização elevará os
    número de contribuintes de 353.723 para 598.235. O desconto será de 6%,
    além do percentual de 3% que repassam para o seu fundo de saúde. A
    contribuição total para a Previdência subirá de R$ 429 milhões para 960
    milhões por ano. Não é pouco para quem renuncia a numerosos direitos.
    Ao ingressar na carreira, o militar abdica a cidadania plena e as
    prerrogativas dos demais brasileiros. Não pode acumular um segundo
    emprego, não pode filiar-se a partido político e deve afastar-se se for eleito
    para qualquer cargo (os recrutas nem podem se alistar para votar).
    Militar não tem jornada de 44 horas semanais, não ganha hora extra, não
    tem FGTS, não recebe adicional noturno, não pode recorrer à Justiça do
    Trabalho, não pode recusar mudança súbita de cidade, não pode enjeitar
    missões.
    Em 30 anos, a jornada regular de um civil é de 56.760 horas, enquanto a da
    caserna soma 83.800 horas. Um militar que vai para a reserva após 30 anos
    de serviço na verdade trabalhou 44 anos. Toda esta trajetória é cumprida
    sem direito à sindicalização ou à greve. Também lhe é negado um dos mais
    antigos instrumentos jurídicos de proteção contra abusos de autoridade,
    habeas corpus.
    Se a sociedade tanto exige desses servidores, para que melhor
    desempenhem seu papel constitucional, é justo que recebam uma
    contrapartida.


    *Aldo Rebelo
    então Deputado Federal (PC do B)
    Presidente da Câmara dos Deputados

    Aldo Rebelo
    *Aldo Rebelo é jornalista e escritor, presidiu a Câmara dos Deputados, foi relator do Código Florestal Brasileiro e ministro nas pastas de Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Defesa, secretário da Casa Civil do Governo de São Paulo e secretário de Relações Internacionais do município de São Paulo.

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