Os sites de apostas on-line tornaram-se onipresentes na vida dos brasileiros. Não há nenhum grande time de futebol no Brasil que não receba algum tipo de patrocínio desses sites. Ao ligar a televisão para assistir a um jogo, o cidadão é bombardeado por uma enxurrada de anúncios desses sites de apostas presentes nas placas publicitárias nos estádios, nos uniformes dos jogadores e nos anúncios veiculados durante as partidas e seus intervalos. Muitos esportistas de renome e artistas com grande apelo popular tornarem-se garotos e garotas-propaganda dessas empresas.
Pelas leis das probabilidades, as chances de perder em qualquer jogo de azar são sempre maiores do que as de ganhar. Não fosse por isso os cassinos sequer existiriam. Entre 60% e 80% dos apostadores perdem o dinheiro apostado, o que, por sua vez é um fator que acaba contribuindo para o vício no jogo, uma vez que quem perde sempre se sente tentado a arriscar novamente a sorte na esperança de recuperar o dinheiro perdido.
O vício no jogo é considerado uma doença pelos transtornos que provoca na saúde mental do viciado além das consequências sociais do vício, que não raro levam as pessoas a praticarem delitos para obter os recursos para sustentá-lo, como volta e meia se lê na imprensa e como ocorre com qualquer vício.
Para agravar a situação as pessoas mais suscetíveis a esse tipo de vício são as mais pobres que frequentemente veem na sorte a única possibilidade de livrar-se das dificuldades financeiras que os afligem. Pesquisas mostram que a maior parte dos apostadores nesses sites de aposta pertencem à chamada “classe C”, cuja renda mensal domiciliar varia de R$ 3,2 mil a R$ 7,6 mil.
Para apostar, a pessoa, sobretudo as mais pobres, precisam restringir algum outro tipo de gasto. É o que em economia se chama custo de oportunidade, ou seja, ao gastar o dinheiro com alguma coisa deixa-se de gastar com outra. O problema do vício é que esse cálculo deixa de ser racional e se torna uma compulsão, levando a pessoa a se privar até de coisas essenciais, como roupa e comida, para sustentar o vício.
Apesar de o funcionamento desses sites de aposta serem relativamente recentes no Brasil, os problemas associados ao vício no jogo já se fazem presentes. Conforme noticiaram diversos jornais neste mês de julho, consumidores têm gastado mais dinheiro nas “bets” e chegam a usar recursos da poupança nesses aplicativos, o que pressiona o orçamento das classes mais baixas, e afeta uma recuperação mais homogênea e acelerada do varejo.
Conforme noticiou o jornal Valor Econômico (06/8/2024). “A constatação é de executivos da Strategy&, consultoria estratégica da PwC, que investigaram a razão pela qual, apesar da melhora dos indicadores de emprego e renda, as classes C e D não têm recuperado o seu poder de compra de forma relevante.” De acordo com a matéria, “Trata-se de uma indústria que movimentou no país entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões em 2023, e para 2024 a projeção é alcançar até R$ 130 bilhões, segundo o estudo da companhia.”
O que não faz sentido é termos o mais alto nível de emprego com carteira assinada desde 2012, com renda subindo de forma mais ampla [desde 2022], mas não vermos uma retomada forte e consolidada do consumo e da demanda”, diz Gerson Charchat, sócio da PwC. Uma das hipóteses levantadas pelos consultores está nesse volume de apostas e no risco de endividamento com elas, que estaria “abaixo do radar” do mercado. Ainda pelo estudo, o montante separado para tentar a sorte nas “bets” representou 4,9% dos gastos com alimentação de uma família no ano passado. A projeção da Strategy& para 2024 é que isso represente 5,5%.” (Valor Econômico, 06/08/2024).
Matéria do Estadão (03/08/2024) afirma que “Recente pesquisa da AGP, em parceria com a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), mostra que 63% dos brasileiros que apostam nas bets comprometeram parte de sua renda. Dentre as pessoas que tiveram sua renda impactada, 23% deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de fazer compras em supermercados, 14% deixaram de comprar produtos de higiene e beleza, e 11% reduziram gastos com cuidados de saúde e medicações. A consequência foi um impacto efetivo no consumo, sendo que 64% dos apostadores utilizam sua renda principal para apostar. E mais, 63% admitem que já sofreram prejuízos financeiros pelo menos uma vez.”
Ainda segundo a matéria, “Em 2022, o Brasil estava em 10.º lugar, globalmente, com US$ 1,5 bilhão em receitas brutas de jogos. São 42,5 milhões de consumidores fazendo apostas, o que nos torna o terceiro país do mundo em consumo das bets.” E continua: “Outro dado preocupante é o fato de que o maior impacto ocorre nas classes C (54% dos apostadores) e B (33%). A maioria dos apostadores usa renda extra ou dinheiro que sobra, mas 11% usam recursos de investimentos, salários ou pensões.”
É estranho que o Estado combata e até criminalize alguns vícios, como vício em drogas ilícitas, e faça vista grossa a outros, simplesmente porque acabam sendo uma fonte fácil de arrecadação tributária. Dizer que apostar nesses sites é uma decisão do indivíduo e não cabe ao Estado interferir na liberdade individual de decidir o que fazer com o próprio dinheiro é, quando muito, uma meia-verdade. Quando um hábito se torna um vício, com consequências nefastas para o indivíduo que o pratica e para a própria sociedade, cabe sim ao Estado tomar medidas para coibi-lo.
Afinal vivemos em sociedade e se cada um tiver a liberdade absoluta para fazer o que bem entender implanta-se o caos e a própria sociedade entra em colapso. Nem o próprio sistema capitalista sobreviveria sem a presença reguladora forte do Estado. As leis servem, portanto, para balizar os comportamentos individuais que cada sociedade considera tolerável, de acordo com seus valores éticos e morais. E toda vez que determinada prática põe em risco a segurança de quem a pratica e da sociedade como o todo, cabe ao Estado sim estabelecer limites.