22 de abril: o humanismo tropical do descobrimento

    Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro-BA, em 1500, pintura de Oscar Pereira da Silva (São Fidelis-RJ, 1867 - São Paulo-SP, 1939)

    Nesse dia 22 de abril, celebramos os 522 anos do Descobrimento do Brasil, um evento muito importante não apenas para nós, brasileiros, mas para a História Universal. O Brasil pode ser considerado legítimo filho do Renascimento, pois as Grandes Navegações, uma das maiores façanhas daquele período, mudaram para sempre a abrangência e a perspectiva de mundo.

    De fato, a descoberta do Brasil, ao colocar em contato a Europa e a América, significou o renascimento do Humanismo, que passa a incorporar gentes, cores e culturas até então desconhecidas. Os desbravadores portugueses que aqui chegaram, deslumbrados pela visão do Paraíso, do Éden descortinado, não duvidaram por um instante da humanidade dos indígenas aqui residentes, como se depreende da leitura da Carta de Caminha, o registro de nascimento do Brasil.

    Dessa forma, assim que aqui chegaram, os portugueses não pensaram apenas em explorar materialmente os recursos naturais identificados, mas, sobretudo, em formar um novo povo, que estendesse ao Novo Mundo a bandeira de Cristo. Consoante o espírito humanista prevalecente na Europa renascentista da qual Portugal era o baluarte, os nativos não foram vistos como simples mão de obra, mas como possíveis cristãos, capazes de acolher a mensagem do Evangelho e participar da comunidade cristã. Antes mesmo de verificada a existência de ouro, prata e ferro, entenderam os heróis portugueses a grandeza intrínseca do novo país que se formava, cuja máxima expressão seria a formação de um povo nos trópicos a partir da gente nativa, como se depreende do seguinte trecho da Carta do Descobrimento:

    “Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o Sul vimos até a outra ponta que contra o Norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. […] Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.”

    O Brasil nasce, assim, sob o signo da Cruz, portador de uma mensagem de salvação pela fé cristã. Isso foi possível graças à obra pioneira dos portugueses, vitoriosos na epopeia transoceânica que assinalou a superioridade das técnicas náuticas lusitanas, desenvolvidas graças ao empenho da Coroa portuguesa com a criação da escola de Sagres. Com efeito, Portugal, dotado de uma estrutura político-administrativa e de um sistema comercial e financeiro mais avançado do que qualquer outro país europeu, como assinala Manoel Bomfim em seu livro “O Brasil na América” (1929), constituía o país mais desenvolvido da Europa.

    O Brasil surge, portanto, do vanguardismo português, que, mais do que formar uma colônia, formou um novo país, com uma nova gente e novas perspectivas. O humanismo renascentista fez surgir o Brasil, e cabe ao Brasil a missão de atualizá-lo a partir da sua base social e cultural sincrética e miscigenada, que, amalgamando várias humanidades no solo fértil dos trópicos, é capaz de redimir o ser humano no Paraíso tropical de águas, cores e luz que Pedro Álvares Cabral trouxe à História.

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    Mestre e doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF).

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