A 16ª Cúpula do BRICS realizada na cidade russa de Kazan, entre os dias 22 a 24 de outubro de 2024, foi a primeira do BRICS ampliado que, em 2023, incorporou Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. A reunião de 2024, em Kazan, aprovou a entrada de 13 novos membros: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda. A entrada desses novos membros marca uma mudança não apenas quantitativa, mas, sobretudo, qualitativa no grupo.
O termo BRIC foi formulado pela primeira vez pelo britânico, economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neil, em estudo de 2001, para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, que na sua análise se destacavam por possuírem características socioeconômicas em comum, especialmente o seu notável crescimento econômico.
A transformação do BRIC em agrupamento diplomático se deu em 2009, na 1ª cúpula de presidentes realizada na cidade Ekaterinburgo, na Rússia. Na 3ª cúpula, em 2011, a África do Sul incorporou-se ao grupo, que então se tornou BRICS. A entrada da África do Sul no grupo se deu por iniciativa da China, uma vez que não havia nenhum representante do continente africano. A entrada da África do Sul marcou uma mudança qualitativa importante no grupo, uma vez que era muito menor do que os outros membros do BRICS em termos de sua economia, território e população.
Na 15ª Cúpula, realizada na cidade de Johannesburgo, na África do Sul, foi aprovada a entrada de cinco novos membros: Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos (a Argentina declinou de participar), que passaram a fazer parte do grupo a partir de 2024. Na 16ª Cúpula, realizada na cidade de Kazan, na Rússia, foi aprovada a entrada de 13 novos membros: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda.
Ou seja, entre o BRIC original de 2009, com quatro membros, e o novo BRICS, de 2024, com 23 membros, ocorreu uma mudança da água para o vinho na natureza do grupo. Nessa transição também ocorreu a diluição do peso relativo de alguns dos membros originais, como Brasil e África do Sul, e o aumento da importância da China, que já era o principal articulador do grupo.
Diga-se, a bem da verdade, que se o BRICS é hoje um agrupamento com peso e prestígio na cena internacional, isso se deve fundamentalmente à China, que sempre valorizou o grupo muito mais que os demais parceiros. Para a China, o BRICS sempre foi uma maneira de, mesmo tendo se alçado à condição de segunda maior potência econômica e militar do planeta, manter-se ligada ao chamado Sul Global e defender seu status de país em desenvolvimento.
Ao longo desses 15 anos de existência, o BRICS não apenas passou por mudanças significativas na sua composição, como também por avanços importantes em sua agenda política e econômica. Destaque-se, por exemplo a criação do Novo Banco de Desenvolvimento, também conhecido como Banco do BRICS, em 2014. O NDB é um banco de desenvolvimento multilateral fundado pelos cinco estados integrantes originais do BRICS. Ao longo dos últimos anos tem tido um papel crescentemente destacado no financiamento de projetos de infraestrutura nos países membros, nomeadamente na Índia e na África do Sul e outros países em desenvolvimento. O Brasil raramente apresentou projetos para obter financiamento do banco, pelo menos até a entrada da ex-Presidente Dilma Rousseff como presidente em 2023. Em junho de 2024, o vice-presidente Geraldo Alckmin e Dilma formalizaram um empréstimo de R$ 5,7 bilhões do Banco do Brics para o Rio Grande do Sul.
Do ponto de vista geopolítico, o BRICS representa hoje uma força importante no cenário internacional, não só porque reúne os países mais populosos do mundo, somando 3,2 bilhões de habitantes, mas também 36% do Produto Interno Bruto (PIB) global, superando o G7. Note-se que o BRICS, apesar de agregar um grande número de países em desenvolvimento, é muito diferente, por exemplo, do G77, coalizão de nações em desenvolvimento, que visa promover os interesses econômicos coletivos de seus membros e criar uma maior capacidade de negociação conjunta na Organização das Nações Unidas e que conta, hoje, com 134 países membros.
Diferentemente do G77 que reúne basicamente países considerados pobres na sua maioria, o BRICS reúne grandes potências econômicas, como a China e a Índia, e militares, como a própria China, a Rússia e agora o Irã. Trata-se, portanto, de um grupo cujo objetivo não é barganhar espaço no banquete dos países ricos, mas que tem como propósito mudar as regras do jogo nas relações internacionais em favor dos países em desenvolvimento e para tanto possui força econômica e militar. Além disso, apesar de não ter um líder de direito, possui um líder de fato que é a China e daí vem parte da desconfiança sobretudo dos Estados Unidos, em relação ao grupo.
Não é por acaso, portanto, que desde sua criação, o BRICS vem sendo objeto de uma campanha sistemática de desmoralização por parte dos países ricos e da imprensa e intelectuais a seu serviço. Como destaca artigo de Reynaldo Aragon e Wanderley Anchieta no Jornal CGN (23/10/2024), “Desde sua fundação, o BRICS tem sido alvo de uma campanha sistemática de marginalização conduzida por think tanks, fundações e agências ocidentais e mídias tradicionais. O temor de que essa coalizão emergente possa ameaçar a hegemonia econômica dos Estados Unidos e o dólar como moeda central impulsiona a construção de narrativas negativas sobre o grupo e seus parceiros no Sul Global. Esses discursos, promovidos por instituições como o Atlantic Council, Carnegie Endowment e National Endowment for Democracy (NED), entre um ecossistema vasto de outras instituições, não apenas reforçam a falsa dicotomia entre o progresso ocidental e a “ameaça externa”, mas também operam como ferramentas de guerra cultural e operações psicológicas (psyops), modelando a percepção pública e influenciando políticas globais. As guerras e operações psicológicas (psyops) são estratégias utilizadas para influenciar percepções e comportamentos, frequentemente visando deslegitimar adversários e controlar narrativas. No contexto das tensões geopolíticas atuais, essas operações são empregadas para criminalizar o BRICS e demais iniciativas de fora do eixo ocidental, apresentando-os como uma ameaça à ordem mundial, criando uma imagem negativa perante a opinião pública, assim como em setores da economia, que visa justificar intervenções e isolar essas nações no cenário internacional. Ao moldar a opinião pública por meio de desinformação e campanhas midiáticas, essas instituições buscam reforçar a hegemonia ocidental e deslegitimar iniciativas de cooperação entre os países do Sul Global, por exemplo”.
Os temas presentes na mesa de negociação do BRICS são extremamente indigestos sobretudo para os Estados Unidos, nomeadamente a ideia da criação de uma moeda do BRICS e de um sistema alternativo ao SWIFT. A Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication, ou Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais, mais conhecida pelo seu acrônimo SWIFT, é um sistema que tem como principal função permitir a troca de informações bancárias e transferências financeiras entre as instituições financeiras no mundo. O sistema opera em dólares e é, portanto, controlado pelos Estados Unidos. Por meio dele é possível transferir dinheiro, fazer remessa de lucros, pagar royalties, importações para qualquer lugar do mundo, desde que a transação seja feita em dólar, que é a moeda internacional por excelência. Pelo sistema SWIFT os Estados Unidos garantem que todas as transações internacionais sejam feitas em sua moeda e por meio de seus bancos, o que não só representa uma enorme vantagem financeira para eles, como também se transformou em poderosa arma de guerra, como vimos recentemente com a exclusão da Rússia do sistema.
Criar, portanto, uma moeda própria e um sistema internacional de transferência de dinheiro alternativo ao SWIFT que atenda a um agrupamento de países cujo PIB somado é superior ao G7 seria um golpe e tanto na hegemonia americana. Não é por menos que o candidato Republicano Donald Trump está dizendo que se for eleito vai punir com 100% de tarifas os países que deixarem de usar o dólar em suas transações internacionais.
Um momento delicado no encontro foi o veto do Brasil à entrada da Venezuela no grupo. Brasil e Venezuela vêm se estranhando desde que, nas últimas eleições na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro foi proclamado vencedor sob fortes protestos da oposição que alega fraude nas eleições. Diante da falta de transparência dos resultados, o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos e se nega a reconhecer Maduro como presidente do país. Isso levou Maduro a elevar o tom das críticas ao Brasil e à diplomacia brasileira (chamou o assessor internacional do presidente Lula, Celso Amorim, de agente da CIA) e ao aumento das tensões bilaterais. Com o veto do Brasil à entrada da Venezuela no grupo, a rusga regional se internacionalizou, uma vez que tanto a China quanto a Rússia tinham grande interesse na entrada da Venezuela no grupo. Tratava-se, de fato, de uma situação complicada para o Brasil, primeiro porque Maduro pretendia utilizar a adesão da Venezuela ao grupo como um reconhecimento tácito da legitimidade de sua eleição e, segundo, porque uma das condições para que um país seja membro do grupo é que mantenha relações cordiais com os demais membros do grupo o que, definitivamente, não é, atualmente, o caso da Venezuela em relação ao Brasil.