Eduardo Rodrigues e Julia Lindner/ O Estado de S. Paulo
Após a assinatura do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, na sexta-feira, 28, um dos primeiros entraves para a sua aprovação definitiva ocorrerá no Parlamento Europeu, onde os “verdes” ganharam poder de influência e podem dificultar a aprovação do texto em represália à política ambiental do governo brasileiro.
Em nota, o bloco dos verdes no Parlamento Europeu afirmou que o acordo Mercosul-UE “é um mau compromisso e vem no momento errado, quando há uma demanda crescente por desenvolvimento sustentável”. O grupo também critica a abordagem da UE sobre o Acordo de Paris, dizendo que falar o que se quer ouvir sobre o tratado climático está fazendo nada mais do que “servir a imagem do presidente Jair Bolsonaro”.
Para os verdes, os chefes de Estado dos países da União Europeia “não aproveitaram a chance de um comércio global justo, equitativo e sustentável”. “O preço do acordo do Mercosul será pago pelos agricultores, pelo meio ambiente e pelo clima”, criticaram no texto.
Os integrantes do bloco parlamentar são conhecidos pelos compromissos voltados para preservação ambiental e questões climáticas. Eles surpreenderam na última eleição e vão ocupar 75 dos 751 lugares do Parlamento europeu, representando o quarto maior grupo da legislatura que vai de 2019 a 2024.
Depois de ser ratificado pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos dos quatro membros do bloco sul-americano, o acordo ainda terá de passar pelo crivo dos 27 países do bloco europeu (já considerando a saída do Reino Unido, pelo Brexit). A expectativa do Brasil e da Argentina é que o processo dure até dois anos. Integrantes do governo do ex-presidente Michel Temer, por outro lado, estimavam que o processo poderia levar até cinco anos.
Com isso, o texto ainda estará sujeito a diversas pressões e riscos ao longo dos próximos anos. Basta lembrar que o acordo europeu com o Canadá quase foi sepultado em 2016 devido à relutância dos deputados da pequena Valônia, na Bélgica, em ratificarem o texto.
Devido à heterogeneidade da política do velho continente, os entraves para uma ratificação célere do acordo com o Mercosul podem ser os mais diversos. Dos países nórdicos, viria a preocupação a respeito da proteção ao meio ambiente – o que o próprio presidente Jair Bolsonaro classificou como “psicose ambientalista”.
Já de países com governos e lideranças parlamentares mais à esquerda, como Portugal e Grécia, poderia haver ressalvas quanto a um processo liderado por presidentes à direita em meio a uma guinada conservadora no Cone Sul.
Em termos práticos, as maiores pressões devem vir dos trabalhadores do centro da Europa, sejam os agricultores franceses ou os operários alemães. Por isso, todos os comunicados emitidos pela União Europeia até agora têm tentado passar a impressão de que o campo e a indústria desses países continuarão protegidos.
Na sexta-feira, a presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores da França, Christiane Lambert, classificou de “farsa” o acordo estabelecido entre o Mercosul e a União Europeia. “Semanas depois das eleições europeias, é inaceitável a assinatura de um acordo UE-Mercosul que estabelece concorrência desleal aos agricultores europeus e uma farsa total aos consumidores”, disse ela no Twitter.
Integrante das negociações por parte da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia até abril deste ano, o subsecretário de Competitividade na Indústria, Comércio e Serviços do Estado de São Paulo, André Favero, avalia que a própria ebulição interna da União Europeia em meio ao Brexit pode atrasar a aprovação do texto.
“Toda essa discussão sobre a saída do Reino Unido do bloco tem gerado um grande desgaste entre vários países. Diversos países europeus também têm externalizado visões bem diferentes em questões ambientais e trabalhistas”, acrescenta.
Para o especialista, porém, embora esses temas possam levar a longos debates que retardariam o processo, dificilmente colocariam em risco a ratificação do acordo. “As maiores dificuldades serão colocadas mesmo pelos ruralistas europeus, sobretudo da França e da Suíça, que resistirão à competitividade do agronegócio brasileiro”, completa.
Já a ratificação pelo Congresso brasileiro não deve ser um problema, na avaliação do especialista. “O parlamento brasileiro já evoluiu bastante na recepção de acordos internacionais. A expectativa é de uma tramitação rápida, ainda que alguns grupos da indústria nacional possam ter ressalvas sobre o acordo.”
O Brasil tem hoje uma fila de 35 acordos já negociados e assinados com outros países, mas que ainda aguardam a burocracia andar para que possam entrar em vigor.