Antes mesmo de ser anunciada oficialmente, a notícia de que o governo
pretende liberar até 35% das contas ativas do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS), antecipada pelo ‘Estado’, já causou mal estar no
setor da construção civil – o mais atingido pela crise. Os recursos do
FGTS são hoje usados para financiar programas de habitação, como o Minha
Casa Minha Vida, além de obras de saneamento e infraestrutura, com
juros menores do que o mercado.
“Não é que essa medida é ruim para nós (o setor), mas para os
brasileiros”, disse Ronaldo Cury, vice-presidente do Sindicato da
Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP). “A
medida aquece o comércio momentaneamente e depois acaba. Mexe no
consumo, maquia o PIB (Produto Interno Bruto), mas deixa de fora o setor
que gera empSregos e impostos”, acrescentou.
A liberação de recursos do FGTS para o trabalhador deve diminuir o total
disponível para a construção, segundo Cury, o que pode aumentar o
déficit habitacional do País. Dados da Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) apontam que, para cada R$ 100 mil
sacados em FGTS, uma moradia popular pode deixar de ser construída. Se
forem sacados R$ 42 bilhões, cálculo inicial do governo, seriam 420 mil
casas a menos.
De acordo com o SindusCon-SP, o déficit habitacional do Brasil é de 7,7
milhões e, das famílias sem casa, 97,5% têm uma renda inferior a cinco
salários mínimos. “O trabalhador de baixa renda só consegue comprar uma
casa se tiver ajuda: juro baixo e subsídio. Parte desse subsídio vem do
lucro do FGTS”, disse Cury
O orçamento de R$ 62 bilhões do FGTS para o Estado de São Paulo neste
ano foi zerado em junho, ainda de acordo com o SinduCon-SP “O fundo já
está curto. Não está sobrando dinheiro, está faltando.”
Ao Estado, um integrante da equipe econômica garante que a
liberação dos saques das conta do FGTS não deve comprometer o uso do
fundo como fonte de financiamentos imobiliários. “Nenhum centavo será
retirado da construção”, afirmou, sob condição de anonimato. O setor
manifestou preocupação ontem e procurou informações do governo.
Segundo fontes, o ministro da Economia Paulo Guedes teria exigido que a
Secretaria de Política Econômica (SPE), que elabora o programa,
mantivesse intocados os recursos do FGTS para a habitação. Com isso, o
valor da liberação cairia de R$ 42 bilhões para R$ 30 bilhões.
PIB. Para Luiz Antonio França, presidente da Abrainc, a liberação
das contas ativas do FGTS não compromete apenas o setor da
incorporação, mas também a recuperação econômica do País, dada a
relevância da construção no PIB. O executivo destacou que, quando o
governo de Michel Temer adotou medida semelhante, autorizando saques de
contas inativas, parte dos recursos não foi usada para consumo e acabou
sendo investida no mercado financeiro.
“Cerca de 20% dos cotistas detêm 80% do valor do FGTS. Esse dinheiro
saiu do fundo e foi para aplicação financeira, não foi para consumo ou
pagamento de dívida”, afirmou França.
O Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas
(FGV/Ibre), estima que o PIB da construção civil de 2019 fique estável
neste ano, enquanto o PIB da indústria deverá avançar 0,1%, o de
serviços, 1,4% e o agropecuário, 1,2%. Esse resultado deve fazer com que
o setor tenha, novamente, um dos piores resultados da economia.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.